Outro dia a Isa me mandou uma mensagem que bateu de frente com uns questionamentos que eu venho fazendo. E quando a Isa me manda mensagem eu sempre presto atenção, porque ela me conhece muito bem: trabalhamos quatro anos juntos, e ela já me v...
"Não vemos o mundo como ele é; vemos como somos" | ||
Outro dia a Isa me mandou uma mensagem que bateu de frente com uns questionamentos que eu venho fazendo. E quando a Isa me manda mensagem eu sempre presto atenção, porque ela me conhece muito bem: trabalhamos quatro anos juntos, e ela já me viu fazendo mais piadas de tiozão do que eu gosto de admitir. | ||
Além de ser um enciclopédia de cultura pop, ela tem uma escrita tão sensível e macia que dá vontade de apertar. Mas também tem uma ironia que fica te observando escondida entre as linhas. E dá pra ver tudo isso na newsletter que ela faz, a Reprisa — que, inclusive, foi inspiração pra eu começar a escrever a minha própria. | ||
Na mensagem, ela disse que tava lendo o livro Grande Magia, da Elizabeth Gilbert, de Comer, Rezar, Amar, e lembrou de mim, em um trecho que falava sobre criatividade e assumir o que somos. Ela até tirou uma foto da página: | ||
É interessante porque eu tenho dificuldade de me "assumir" como "escritor". Literatura é muito diferente de jornalismo, e sempre que eu penso em dizer que sou escritor imagino os escritores de verdade que eu conheço colocando a mão no quadril, balançando o pescoço e dizendo: "Escuta aqui, queridinha". | ||
Mas algumas coisas vêm me fazendo questionar esse julgamento interno. Meu amigo Alex outro diz perguntou: "O que define ser um escritor? Ter um livro publicado?" E isso me fez rever umas coisas, tipo, uma vez que eu já tenho a "palavra" como matéria-prima do meu trabalho e já faço literatura aos pedaços por aí, de que importa a plataforma que eu publico? | ||
Óbvio que não dá pra sair por aí dizendo que é neurocirurgião, porque você se sente um neurocirurgião. Mas, no meu caso, eu já escrevo e ainda assim acho pretensioso demais me definir como escritor. Ou seja, é insegurança pura e cristalina. Tão clara que se você tivesse mergulhado nela dava pra ver os pés. | ||
Percebendo isso, outro dia, resolvi ser ousado e assinei um texto como "jornalista e escritor". Fiquei uma semana passando mal. | ||
Por isso essa lembrança da Isa me atropelou. "Ao ouvir esse anúncio [sua declaração de propósito], sua alma vai se mobilizar", a Beth escreve no texto, e não poderia estar mais de acordo com o que eu penso sobre o poder das palavras — como escrevi nessa edição da newsletter. Verbalizar alguma coisa é lançar um feitiço. | ||
Se eu tomo cuidado com as palavras que eu profiro, se eu sempre vigio pra que elas não firam ninguém, por que eu não posso usá-las pra direcionar um incentivo pra mim mesmo? | ||
Essa semana fui a um seminário e fiquei feliz por ter ouvido a fala da professora Flora Süssekind. Citando alguém que eu não conhecia, ela disse: | ||
Cada homem para existir, terá que descobrir seu modo de existência. | ||
Acho que tem a ver com isso de se assumir. Eu não posso ser guiado pelo mapa de outra pessoa. Eu não preciso ser o Gabriel García Márquez ou a Natalia Ginzburg pra ser escritor. Sou eu que tô abrindo o meu próprio caminho no meio do mato com uma foice. Claro que to muito bem amparado, mas não posso delegar pro outro a criação do meu sistema de crenças. | ||
Na fala, ela também questionou a ideia de projeto de vida. Projeto pressupõe a ideia de uma coisa com início, meio e fim. Por isso, uma expressão como "projeto de vida" soa inadequada. O melhor seria trajeto, que dá mais a ideia de um caminho a ser percorrido. | ||
Fez sentido pra mim, porque me fez entender que ser escritor, no meu caso, não faz parte de um projeto de vida, mas, sim, do meu trajeto pessoal. Projeto é o que vem no meio disso, como as histórias que eu tô buscando escrever, ao mesmo tempo em que lido com as inseguranças. | ||
O oráculo do Bowie, um conselho pra semana | ||
Esse 2 de Ouros do Starman Tarottem tudo a ver com o que eu escrevi acima. Fala sobre a ideia de uma confiança que nasce não de uma vontade de ser forte, mas da certeza de que esse é um resultado natural do trabalho que você vem se dedicando. | ||
O Angelis representou a carta com um personagem que surfa em uma prancha com o símbolo do infinito, mostrando que ele é firme e equilibrado, apesar dos desafios. O autor escreve: | ||
Surfando as ondas da sua vida, você aprende a superar o drama e retornar ao equilíbrio, deslizando constantemente. | ||
Qualquer pessoa que já tentou ficar em pé em cima de uma prancha sabe o quanto isso é difícil. Ninguém fica em pé de primeira, mas uma hora vai. | ||
Escrever dez edições semanais de uma newsletter pessoal dá trabalho e envolve a superação de várias barreiras. Até porque constância não é uma característica muito forte minha. Então, seguindo essa ideia de ser mais gentil comigo mesmo, me dou um tapinha no ombro e me parabenizo pelo esforço. | ||
Mas agradeço muito mais a quem chega nos rodapés das edições e ajuda a construir isso junto comigo. Não existe satisfação pessoal sem rede de apoio. | ||
Como sempre, quem quiser continuar o papo, é só responder esse e-mail ou me achar lá no Insta ou no Twitter. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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