PunkYoga #10: Escrita fogo dentro tem
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PunkYoga #10: Escrita fogo dentro tem

Outro dia a Isa me mandou uma mensagem que bateu de frente com uns questionamentos que eu venho fazendo. E quando a Isa me manda mensagem eu sempre presto atenção, porque ela me conhece muito bem: trabalhamos quatro anos juntos, e ela já me v...

Nathan Fernandes
5 min
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"Não vemos o mundo como ele é; vemos como somos"

Outro dia a Isa me mandou uma mensagem que bateu de frente com uns questionamentos que eu venho fazendo. E quando a Isa me manda mensagem eu sempre presto atenção, porque ela me conhece muito bem: trabalhamos quatro anos juntos, e ela já me viu fazendo mais piadas de tiozão do que eu gosto de admitir. 

Além de ser um enciclopédia de cultura pop, ela tem uma escrita tão sensível e macia que dá vontade de apertar. Mas também tem uma ironia que fica te observando escondida entre as linhas. E dá pra ver tudo isso na newsletter que ela faz, a Reprisa — que, inclusive, foi inspiração pra eu começar a escrever a minha própria. 

Na mensagem, ela disse que tava lendo o livro Grande Magia, da Elizabeth Gilbert, de Comer, Rezar, Amar, e lembrou de mim, em um trecho que falava sobre criatividade e assumir o que somos. Ela até tirou uma foto da página:

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É interessante porque eu tenho dificuldade de me "assumir" como "escritor". Literatura é muito diferente de jornalismo, e sempre que eu penso em dizer que sou escritor imagino os escritores de verdade que eu conheço colocando a mão no quadril, balançando o pescoço e dizendo: "Escuta aqui, queridinha". 

Mas algumas coisas vêm me fazendo questionar esse julgamento interno. Meu amigo Alex outro diz perguntou: "O que define ser um escritor? Ter um livro publicado?" E isso me fez rever umas coisas, tipo, uma vez que eu já tenho a "palavra" como matéria-prima do meu trabalho e já faço literatura aos pedaços por aí, de que importa a plataforma que eu publico?

Óbvio que não dá pra sair por aí dizendo que é neurocirurgião, porque você se sente um neurocirurgião. Mas, no meu caso, eu já escrevo e ainda assim acho pretensioso demais me definir como escritor. Ou seja, é insegurança pura e cristalina. Tão clara que se você tivesse mergulhado nela dava pra ver os pés. 

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Percebendo isso, outro dia, resolvi ser ousado e assinei um texto como "jornalista e escritor". Fiquei uma semana passando mal. 

Por isso essa lembrança da Isa me atropelou. "Ao ouvir esse anúncio [sua declaração de propósito], sua alma vai se mobilizar", a Beth escreve no texto, e não poderia estar mais de acordo com o que eu penso sobre o poder das palavras — como escrevi nessa edição da newsletter. Verbalizar alguma coisa é lançar um feitiço.

Se eu tomo cuidado com as palavras que eu profiro, se eu sempre vigio pra que elas não firam ninguém, por que eu não posso usá-las pra direcionar um incentivo pra mim mesmo? 

Essa semana fui a um seminário e fiquei feliz por ter ouvido a fala da professora Flora Süssekind. Citando alguém que eu não conhecia, ela disse:

Cada homem para existir, terá que descobrir seu modo de existência. 

Acho que tem a ver com isso de se assumir. Eu não posso ser guiado pelo mapa de outra pessoa. Eu não preciso ser o Gabriel García Márquez ou a Natalia Ginzburg pra ser escritor. Sou eu que tô abrindo o meu próprio caminho no meio do mato com uma foice. Claro que to muito bem amparado, mas não posso delegar pro outro a criação do meu sistema de crenças. 

Na fala, ela também questionou a ideia de projeto de vida. Projeto pressupõe a ideia de uma coisa com início, meio e fim. Por isso, uma expressão como "projeto de vida" soa inadequada. O melhor seria trajeto, que dá mais a ideia de um caminho a ser percorrido. 

Fez sentido pra mim, porque me fez entender que ser escritor, no meu caso, não faz parte de um projeto de vida, mas, sim, do meu trajeto pessoal. Projeto é o que vem no meio disso, como as histórias que eu tô buscando escrever, ao mesmo tempo em que lido com as inseguranças. 

O oráculo do Bowie, um conselho pra semana

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Esse 2 de Ouros do Starman Tarottem tudo a ver com o que eu escrevi acima. Fala sobre a ideia de uma confiança que nasce não de uma vontade de ser forte, mas da certeza de que esse é um resultado natural do trabalho que você vem se dedicando. 

O Angelis representou a carta com um personagem que surfa em uma prancha com o símbolo do infinito, mostrando que ele é firme e equilibrado, apesar dos desafios. O autor escreve:

Surfando as ondas da sua vida, você aprende a superar o drama e retornar ao equilíbrio, deslizando constantemente.  

Qualquer pessoa que já tentou ficar em pé em cima de uma prancha sabe o quanto isso é difícil. Ninguém fica em pé de primeira, mas uma hora vai. 


Escrever dez edições semanais de uma newsletter pessoal dá trabalho e envolve a superação de várias barreiras. Até porque constância não é uma característica muito forte minha. Então, seguindo essa ideia de ser mais gentil comigo mesmo, me dou um tapinha no ombro e me parabenizo pelo esforço. 

Mas agradeço muito mais a quem chega nos rodapés das edições e ajuda a construir isso junto comigo. Não existe satisfação pessoal sem rede de apoio. 

Como sempre, quem quiser continuar o papo, é só responder esse e-mail ou me achar lá no Insta ou no Twitter

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.

Com amor,

Nathan

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