PunkYoga #11: Senhora do mundo dentro de mim
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PunkYoga #11: Senhora do mundo dentro de mim

Na semana passada, fui obrigado a interromper a newsletter por um simples motivo: eu não consegui escrever. Tava tudo meio corrido, preferi escrever com calma depois. Agradeço aos amigos que sentiram falta e vieram saber se eu tava vivo. 

Nathan Fernandes
8 min
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"Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me/ Quando quis tirar a máscara/ Estava pegada à cara/ Quando a tirei e me vi ao espelho/ Já tinha envelhecido"

Na semana passada, fui obrigado a interromper a newsletter por um simples motivo: eu não consegui escrever. Tava tudo meio corrido, preferi escrever com calma depois. Agradeço aos amigos que sentiram falta e vieram saber se eu tava vivo. 

Na sexta-feira, dia 27, eu cheguei aos 31 anos com a estranha sensação de que tá tudo bem. Nos últimos dois anos, tenho dado mais atenção a essa tarefa de tentar entender os mistérios do Universo (e a mim mesmo), e isso tem me feito abrir umas portas dentro da mente que eu nem achei que tivessem chave. 

O último ritual com ayahuasca que participei me empurrou pra dentro de uma dessas portas, porque me fez ver uma ligação entre comportamentos que eu vinha realizando nos últimos meses, mas nem tinha me ligado. 

É o seguinte: há uns meses, eu tenho sentido vontade de perfumar a casa com incenso. Acho bonita a ideia de deixar o ar ao seu redor cheiroso. Principalmente, porque isso traz uma sensação tranquilizadora de bem-estar. Tipo, eu me sinto melhor em um ambiente cheiroso do que em um lugar cheirando merda. A questão é que a gente nunca pensa em perfumar o ar até sentir algum cheiro bom vindo do nada, fechar os olhos e pensar: "Caralho, que gostoso!". 

É como se o cheiro não fosse sentido pelo nariz, mas direto pelo cérebro. É como se o ar perfumado pelo incenso fizesse uma ruptura no tecido do espaço-tempo e te levasse pra um lugar onde não existem boletos. 

Outra coisa que tem me trazido aconchego é a ideia de controlar o meu próprio ar. Parece simples, mas não é. Respirar é automático, a gente quase nunca presta atenção em como tá respirando. 

Uma vez entrevistei uma psicóloga, prauma reportagem sobre meditação, que me disse que a respiração é o "termômetro das emoções". E é mesmo, porque a forma como você respira diz muito sobre o que você tá sentindo. Ninguém respira ofegando quando tá de boa.

Se isso é verdade, então podemos controlar as emoções ajustando a respiração. É por isso que respirar fundo e tranquilamente em um momento de estresse acalma. É um controle consciente sobre o vento que entra e sai do nosso corpo — o que nem sempre é fácil. 

Pois estava eu nesse último trabalho de ayahuasca, quando pedi para um amigo me aplicar um sopro de rapé (uma mistura indígena feita com tabaco e casca de árvore em pó, que não tem nada a ver com aquele rapé de potinho).

O rapé é usado de formas variadas por várias etnias do Brasil.Esse estudo que eu li da UFAM, que analisou o uso na reserva do Médio Purus (AM), diz que, naquela região, o rapé aparece como "uma espécie de inversor de comportamentos ou posição dos sujeitos, transformando raiva em calma, conflito em harmonia ou inimigos em amigos". E segue:  

O rapé é ainda o mediador da comunicação e da viagem do xamã a outros domínios do cosmos. 

Não tem o efeito psicodélico do chá, mas ajuda a concentrar quando a cabeça tá avoada. Por isso, pedi um sopro pro meu amigo. Sentado na minha frente, antes de soprar no meu nariz, ele assoprou em volta da minha cabeça, como se tivesse afastando qualquer nuvem carregada que pudesse estar nublando meus pensamentos. 

Isso já me despertou a atenção para o vento. 

Daí ele assoprou o rapé no meu nariz com um tepi (uma espécie de canudinho largo) e o meu corpo entrou em ebulição que nem água. Parecia que estava sendo fervido numa chaleira. 

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A única coisa que eu consegui fazer foi começar a me assoprar pra ver se o calor passava. E passou. Era como se eu tivesse o controle dos ventos. E, de fato, em uma escala pessoal, eu tinha mesmo esse poder. 

Era como se eu tivesse completa ciência de que eu trazia todos os elementos naturais dentro de mim. Mas o vento era especial. Mais do que senti-lo dentro de mim, eu ERA o vento. Ao aliviar a temperatura do meu corpo com meu próprio sopro, eu estava manipulando um elementonatural ao meu favor. E isso fez eu me sentir ligado à natureza, como se não houvesse fronteira entre mim e o ar ao meu redor. 

Importante lembrar que eu estava sob o efeito do DMT. E nada é absurdo quando você tá com a consciência expandida. 

De repente, todo o lance com os incensos, o sopro do rapé e o controle de respiração passou a fazer sentido. Era tudo uma forma de manipulação de ar. Daí essas ideias se fundiram numa singularidade vermelha que eu entendi como sendo uma orixá. Era Iansã, senhora dos ventos e das tempestades, também conhecida como Oyá. Para quem Maria Bethânia canta: 

Senhora das nuvens de chumbo/ Senhora do mundo dentro de mim

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Não que ela tenha aparecido na minha frente, eu só senti uma presença. E, por algum motivo, minha mente não teve dúvidas de que era Iansã. Foi bonito. 

Apesar de ter um respeito imenso pelo candomblé e pela umbanda e de tentar me aprofundar nessas mitologias, sinto que meu conhecimento sobre elas ainda é muito raso. Mas isso não me impediu de sentir essa conexão com uma orixá que eu conheço pouquíssimo. 

O ar tá ligado à mente, à razão, à cabeça, ao estímulo intelectual e à troca. E acho que o fato de eu escrever uma newsletter semanal pra compartilhar os estudos que tenho feito devem explicar minha ligação com esse elemento. 

Eu sou ar. E saber disso é uma forma de entender e equilibrar as questões que rondam minha cabeça. É como ganhar um mapa que te mostra um caminho quando você tá perdido. 

Não podia ter ganhado um presente melhor nesses 31 anos. 

O que eu tô ouvindo:

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Nessa pegada de tentar entender mais sobre as filosofias de matriz africana, eu fiquei em choque quando o meu amigo Vinil me apresentou esse projeto:Memórias Afro Atlânticas. São gravações de músicas cantadas por sacerdotes e sacerdotisas de candomblé na década de 1940. 

As gravações foram feitas por um linguista americano chamado Lorenzo Turner, e elas foram descobertas recentemente nos EUA pelo antropólogo Xavier Vatin, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. 

É impressionante porque isso me faz lembrar que eu não sei nada sobre a história do candomblé. Nunca fui educado pra isso. Cresci com medo de pronunciar a palavra "Exu", sem nem saber o que era. Não é estranho pensar que a gente não aprende nada na escola sobre uma das culturas que formam o Brasil? Isso tem nome, né, é racismo e ignorância. 

Esse projeto é uma chance da gente poder se conectar com essas forças de uma forma diferente, seja por curiosidade etnográfica ou espiritual. Tem noSoundcloude noYouTube

O Oráculo do Bowie, um conselho pra semana:

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As primeiras coisas que eu notei nessa representação da Rainha de Espadas, doStarman Tarot,foram a coruja e o livro voador. É claro que isso só pode ter a ver com inteligência e sabedoria. Por isso, essa rainha é tida como uma mulher racional, objetiva e pragmática. Ela sabe dizer não e estabelecer seus limites.

Sempre que eu tiro uma carta, além de ler a interpretação do Angelis, eu também procuro outras interpretações na internet. Todas que eu encontrei falavam da ligação dessa carta com um elemento... Adivinha qual? O AR.

Pois é, de 78 cartas, eu tirei justamente uma que se relaciona diretamente com o tema dessa edição da newsletter. Eu vô matá o Carl Jung com essas sincronicidades...

Por ser afastada do fogo, ela é tida como uma rainha fria, além de expressar poucas emoções (água) e ser desconectada com o corpo (terra). Ou seja, essa beesha é ar puro. Mas ela é justa, traz equilíbrio, e, apesar de poder indicar problemas, consegue administrar tudo com sua esperteza. 

Isso me lembra que os conhecimentos que eu tô adquirindo têm me deixado muito menos ansioso com as coisas, porque eu tenho tentado me firmar mais no momento presente em tudo que eu faço, semoverthinking. Quando você consegue trabalhar e entender sua presença (tipo no momento presente), a ansiedade meio que evapora, ela perde a razão de existir. Porque você passa a lidar com as questões no instante em que elas precisam de atenção. Não antes, nem depois. Com isso, os problemas deixam de ser um problema. Acho que isso é um tipo de sabedoria.

Então, se alguma treta aparecer por aí nesses próximos dias, lembra de não se desesperar e de resolver as coisas à moda da Rainha de Espadas: com ponderação, com calma e com um kimono samurai Starman que é um escândalo. 


Salve as forças dos guerreiros e guerreiras que chegarem ao rodapé de mais uma edição. Nessa semana, eu abri a carta com um verso do Fernando Pessoa, que tá no poemaTabacaria. 

Foi uma dica da Julia Rodrigues, uma anja fotógrafa e psicanalista na minha vida. Ela me passou esse vídeo do Abujamra declamando o texto do Pessoa, com aquela dramaticidade que só ele tinha. Coloca o foninho, fecha o olho e boa viagem. 


Você achou essa edição muito viajandona? Tenho cuidado em compartilhar as mirações da ayahuasca, porque sei que isso pode soar absurdo. Mas se você chegou até aqui eu sei que vai receber a ideia de coração aberto e sem julgamento. 

Como o tema era ar, nem me preocupei em não parecer aéreo.

Se curtiu, lembra de chamar os amigos. E, se quiser continuar o papo, continuo lá no Insta e no Twitter

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.

Com amor,

Nathan

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