Há umas semanas atrás, eu percebi que tava meio desanimado. Não tava nem triste, era só desgostoso com a vida. Sem razões aparentes.
"O céu está exatamente no meio do peito do homem que tem fé" | ||
Há umas semanas atrás, eu percebi que tava meio desanimado. Não tava nem triste, era só desgostoso com a vida. Sem razões aparentes. | ||
Percebi que eventos fora de casa me faziam ter preguiça. E eu trabalho em casa, né, então, além do Felipe, meu amor, realmente, eu não tenho muita necessidade de interagir com a sociedade. Se eu tivesse que pegar um metrô pra fazer qualquer coisa, a chance disso acontecer era baixa. Tipo, se fosse pra fazer algum trampo, tudo bem, mas se fosse alguma coisa pra mim, talvez não tivesse tanta necessidade assim. E com isso fui ficando bastante em casa. | ||
Investigando, entendi que tava faltando uma coisa que eu sempre tive, mas que naquele momento parecia carcomida: vontade. | ||
Coisas que antes me davam algum tipo de satisfação tinham perdido o brilho. Tudo bem que eu nunca fui uma pessoa que se possa dizer "nossa, como é rueiro esse menino", mas senti que tinha alguma coisa estranha nesse sentido. | ||
E aí eu fiz uma projeção pra entender ondeesse comportamento me levaria. Se eu continuasse assim, em poucos dias, já estaria preferindo afundar a cara no travesseiro, em vez de fumar um e ouvir Kamasi Washington na casa do meu amigo; em algumas semanas, iria preferir ficar acariciando meu cobertor de zebra a ir aplaudir o pôr do Sol na Praça do Pôr do Sol — mentira, que isso eu não faço... Mas faria. Me convidem. | ||
Era claramente um comportamento nocivo. Pensei que, se problemas como a depressão começam por algum lugar, eles poderiam começar daí. E isso me preocupou, porque tenho me atentado bastante para a saúde mental. Se toda essa busca por filosofias e cosmologias faz algum sentido é exatamente para ter clareza e leveza na mente. | ||
Daí eu meio que entendi que essa minha falta de vontade de sair de casa vinha de um tédio muito grande e uma má vontade em relação às coisas, de achar que não teria nada de interessante nos lugares em que fosse. | ||
E aí eu me toquei que isso é de uma arrogância tão grande que constrangeria até Fernanda Montenegro vestida de Bia Falcão, em Belíssima. | ||
É como dizer que eu não tenho nada para aprender. Mas como eu posso falar uma merda dessas se eu sou parte de um cosmos infinito. Se eu não dou conta nem de ler minha estante toda, imagina se dou conta de todos os mistérios do Universo. Imagina o tanto de conhecimento que tem por aí, esperando. | ||
Refleti sobre isso enquanto tava apurando as informações pro podcast que eu criei com o André: o Brisas Cósmicas, que a gente lançou essa semana. A ideia é lançar em toda Lua cheia. E o tema do primeiro foi justamente a Lua. Falei sobre cosmologia indígena e paganismo, o André falou sobre o futuro da exploração espacial e a gente brisou nas missões Apollo. | ||
O tanto de coisa que coube em uma hora de programa me fez perceber que é realmente muita arrogância achar que eu não tenho mais nada com o que me impressionar. | ||
Lembrei que, há alguns meses, eu escrevi algo parecido nesse texto para a Editora Aleph, em homenagem aos 50 anos do pouso na Lua. Eu usei esse trecho deO Grande Gatsby, em que o Fitzgerald escreve sobre a chegada dos colonizadores na América: | ||
Durante um momento, breve mas cheio de encantamento, os homens devem ter prendido a respiração diante deste continente, compelidos a uma contemplação estética que nem compreendiam nem desejavam, face a face, pela última vez na história, com alguma coisa que correspondia plenamente à capacidade que os seres humanos têm de maravilhar-se. | ||
Fico pensando: o que será que um homem que acha que o "descobrimento" foi a última oportunidade de maravilhamento acharia de seres humanos andando na Lua? O que eu escrevi foi: | ||
Fitzgerald errou, não apenas por cravar o descobrimento como nossa última grande chance de deslumbramento, mas por não compreender que a história da humanidade, assim como a história pessoal de cada um que faz parte dela, é cíclica. E que, portanto, a capacidade de maravilhar-se é constante. | ||
Agora, eu guardo essa ideia no bolso pra pegar ela e usar quando quiser ser arrogante. | ||
Me desculpem o avançado da hora, mas essa semana tive duas reportagens especiais pra entregar. E o "especiais" nesse caso não tem nada de glamuroso, quer dizer "trabalho pra caralho". Achei que nem conseguiria escrever a newsletter essa semana, mas, se você está lendo este rodapé, é porque eu fui bem sucedido. | ||
O problema é que não vou conseguir compartilhar o que eu ando ouvindo, nem o tarô do Bowie. Mas tá tudo bem, não quero que um prazer se transforme em uma fonte de preocupação. | ||
Nos vemos então na semana que vem. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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