Não que eu solte fumaça quando um padre joga água benta em mim, mas eu não sou a pessoa mais católica do mundo. Foi essa a história que eu conteina newsletter da semana passada. A ideia era explicar por que, mesmo não sendo tão católico assim...
"O segredo, o segredo mais bem guardado é que o pintor mais famoso do mundo, que sou eu, ainda não sabe como lidar com a pintura" | ||
Não que eu solte fumaça quando um padre joga água benta em mim, mas eu não sou a pessoa mais católica do mundo. Foi essa a história que eu conteina newsletter da semana passada. A ideia era explicar por que, mesmo não sendo tão católico assim, eu resolvi me dedicar à Oração de São Miguel. | ||
Durante vinte e um dias, antes de dormir, eu escutei esse áudio aqui. No começo, ele já avisa que coisas estranhas podem acontecer durante esse tempo, como sonhos bizarros ou alterações de percepções. | ||
Veja bem, eu não sou um cético. Assim como os personagens deBacurau, eu já estive sob o efeito de psicodélicos fortíssimos que dissolveram meu ego, romperam com a linearidade do tempo, me causaram mortes xamânicas e me apresentaram a entidades que eu nem sabia que existiam, como vocês puderam ler em edições anteriores. | ||
Mas confesso que não botei muita fé no áudio. Mesmo assim, joguei minha echarpe e fui, prontíssima para receber toda a graça divina. O que eu não sabia é que ela viria como um slime no prêmio da Nickelodeon. | ||
Na primeira noite, no fim da oração, ainda naquele estágio inicial do sono, eu vi uma luz muito forte se aproximando. Mas não era uma luz de boa que me trazia paz celestial, tava mais pra um farol de trem vindo em alta velocidade. Eu ia ser atropelado. Mas na hora que a luz bateu em mim, eu acordei com um pulo. | ||
Foi um legítimo susto da porra. Se São Miguel queria fazer uma entrada xtravaganza, ele conseguiu. | ||
Depois disso, não percebi muitas alterações. Tive noites relativamente tranquilas. A oração é realmente linda, e traz uma paz boa. Ainda assim, um pouco antes de acabar o prazo, no entanto, eu tive mais um sonho bizarríssimo. | ||
Sonhei que dormia e, dentro do sonho, acordava assustado porque o Jack Nicholson queria me matar. Me senti fazendo um feat. do Leonardo DiCaprio em Inception com O Iluminado. Já acordado (dentro do sonho), eu e o Felipe, meu amor, saíamos da antiga escola onde eu cursei o fundamental, no Campo Limpo, e esperávamos um ônibus, no ponto. | ||
Como tava demorando, a gente resolveu pedir um Uber, que apareceu dirigindo um caminhão. Qual não foi o meu susto quando descobri que o motorista era ninguém menos do que... Jack Nicholson. Como não queria fazer desfeita, aceitamos a carona, mas tive o cuidado de não dar meu endereço completo pra ele (no sonho era possível), mas o Felipe sem querer acabou soltando o número do prédio e do apartamento que a gente morava. | ||
Nos despedimos, agradecemos e subi para o apartamento morrendo de medo do Jack Nicholson voltar pra nos matar. Do nada, apareceu uma filha pequena, o que me deixou com mais medo ainda, porque eu não podia permitir que ela fosse assassinada por um ator psicopata. Tranquei todas as portas e janelas e fiquei esperando o Jack Nicholson aparecer com um machado. | ||
No final, ele não apareceu, mas só essa expectativa já me deixou aos nervos. Era uma aflição gigante por algo que poderia acontecer ou não. E isso foi o mais assustador. | ||
Desde então passei a anotar todos os sonhos que tenho. Nunca foram muitos, mas se tornaram mais frequentes depois dos 21 dias. Se esse período teve alguma influência em mim, acho que foi justamente essa ideia de prestar mais atenção nos sonhos. | ||
Alguns dias depois, acabei cruzando com um livro do Salvador Dalí, um cara que passou a usar o sonho como método. Conheci também algumas ilustrações que ele fez para uma edição de Alice no País das Maravilhas, e me chamou atenção essa comparação que o editor Mark Burstein fez entre o Lewis Carroll e os surrealistas: | ||
Para Carroll e os surrealistas, o que alguns chamam de loucura é percebido por outros como sabedoria. | ||
Apesar de trazer esse componente de loucura, é impossível não pensar sobre o que os sonhos realmente querem dizer. Eles são puro nonsense ou trazem algum significado? Por que eles são importantes para a psicanálise e a neurociência? | ||
Tava pensando nisso quando o Henrique me passou o link do podcast da Ilustríssima com o Sidarta Ribeiro para ouvir. O Sidarta é neurocientista e acabou de lançar o livroO Oráculo da Noite, em que ele fala justamente sobre os sonhos. | ||
Em certa altura da conversa, ele fala que apesar da ciência e do capitalismo terem conseguido construir coisas maravilhosas, eles também construíram uma profunda desesperança. Ele diz: | ||
A sociedade que mais pode transformar o mundo, aparentemente não pode sonhar o mundo. (...) Se a ciência dos últimos 500 anos é uma antítese das religiosidades, do paleolítico até a Idade Média, agora chegou a hora de uma síntese. Nós precisamos dessa sabedoria ancestral que olha para os sonhos com reverência e também com desconfiança. (...) Precisamos recuperar a capacidade de sonhar o futuro. | ||
Daí ele questiona se essa ideia que a gente tem de que as coisas não vão nos afetar não seria o resultado dessa incapacidade de sonhar o futuro: | ||
As pessoas acham que a Amazônia pode queimar, que o cerrado pode queimar e isso não as afeta. Será que é porque perderam a capacidade de fazer uma viagem introspectiva pela sua vivênci todas as noites e perceber onde isso vai nos levar? | ||
Segundo ele, a gente nunca teve tanta possibilidade e melhorar o mundo, mas ao mesmo tempo vivemos num deserto psíquico emocional tão grande que nos impede de sair dessa situação. | ||
Isso me lembrou do filmePássaros de Verão, do mesmo diretor que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro porO Abraço da Serpente. Na história, uma tragédia gigantesca acontece com uma família de uma etnia indígena da Colômbia. O tempo todo a matriarca da família tenta alertar os outros com os avisos que ela capta dos sonhos dos outros. O filme termina com um canto que diz: "Se nós tivéssemos escutado os sonhos..." | ||
Ainda tô avaliando o impacto que a oração de São Miguel teve em mim, mas, com certeza, recuperar a capacidade de sonhar foi o maior deles. | ||
O oráculo do Bowie, um conselho pra semana: | ||
O Angelis diz que essa representação do Príncipe de Paus (ou Cavaleiro de Paus) doStarman Taroté um alien meio Ziggy Stardust, um jovem destemido pronto pra embarcar em uma aventura. Ele traz a energia do fogo e essa ideia de movimento, de ação. | ||
Nada o segurará e ele é rápido para dar um sorriso e avançar sem medo até o fim. | ||
Talvez seja um bom tempo pra botar as coisas pra andar. Eu tô nesse momento em que tô com a Oficina Xamânica de Escrita Psicodélica pronta pra ser lançada, mas ainda estou esperando não sei o quê pra lançar. Então a carta me veio como um tapa. Acho que preciso refletir mais sobre esse arquétipo. | ||
Mas é importante saber também que, como todo serzinho inconsequente, esse príncipe não mede os riscos e pode acabar se dando mal ao apressar as coisas. No fundo, é aquela coisa do equilíbrio, né: um pouco de droga, um pouco de salada. | ||
Recebi algumas dicas bem boas depois da última edição. Por causa da oração de São Miguel, a Jéssica me passou essa outra oração que quase arranca pedaço. É bem bonita, mas dá uma chacoalhada também. Aprecie com moderação. | ||
O Ramon Fontes também me indicou o livro/peça/filmeA Alma Imoral, do rabino Nilton Bonder, que faz essa conexão entre tradição e transgressão e reflete sobre essa linha fina que separa o sagrado do pecado. Ainda não li, mas já tá aqui no topo da minha lista. | ||
Queria dar um salve pro pessoal novo que tem chegado. Podem tirar o sapatinho e se sentir em casa. É sempre bom trocar ideia com gente nova e aprender também. Como sempre, tô lá no Insta ou no Twitter. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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