Curto demais a ideia dos chakras. Me agrada particularmente essa cena de Avatar, em que o mestre do Aang compara o nosso corpo ao fluxo de um rio. Como se o corpo fosse uma corredeira, com pequenas quedas de água. Se alguma queda tiver bloque...
"Sentir a ventania que me habita e saber que posso ser brisa, porque sei ser trovão" | ||
Curto demais a ideia dos chakras. Me agrada particularmente essa cena de Avatar, em que o mestre do Aang compara o nosso corpo ao fluxo de um rio. Como se o corpo fosse uma corredeira, com pequenas quedas de água. Se alguma queda tiver bloqueada, seja por galhos ou pedras, a água não flui. | ||
O ideal é que o percurso esteja desbloqueado pra que a água possa percorrer todo o caminho e seguir seu rumo natural. Assim, segundo a tradição indiana, também funciona o maior fluxo de energia no nosso corpo, que vai da base da coluna até o topo da cabeça, em sete pontos principais, cada um representado por uma cor. | ||
Mas, em vez de pedras e galhos, esses pontos (ou chakras) são bloqueados por sentimentos como a raiva e o medo. Ou seja, desbloquear os chakras é, na verdade, aprender a lidar com os próprios sentimentos. | ||
Então quem tem o cartesianismo ferido ao ouvir falar de vibrações e energia pode entender essa ideia apenas como uma metáfora colorida. | ||
Daí que, nas últimas semanas, um chakra específico (dos sete principais) vem atraindo minha atenção como um imã. É o terceiro chakra, o umbilical, também chamado de plexo solar. Ele é ligado à cor amarela, ao poder pessoal, e bloqueado por coisas como a vergonha e a vitimização. | ||
Meu foco começou a voltar pra isso quando descobri que o KL Jay, dos Racionais, usa um esparadrapo no umbigo. “Aí ele tampa o chacra”, disse o dj numa entrevista antiga pra Trip. E completou: | ||
Esse chacra aqui, do umbigo, ele recebe toda a energia que tá no ambiente – e, incrível, você coloca o esparadrapo, você fica protegido. (...) O mal e o bem existem, né? E são coisas invisíveis, que você não vê, mas que sente, entende? | ||
Achei curioso, um cuidado bonito com essa cicatriz que é a única que todo ser humano mantém ao longo da vida. Esse buraquinho que, por um breve período na vida, foi por onde a gente se nutriu. Como se nos plugassem um cabo e transferissem tudo o que é necessário pra formar um ser humano. Melhor entrada USB. | ||
Fiquei com vontade de fazer o teste. Vou fazer. | ||
O fato é que isso teria passado batido se não aparecesse esse outro vídeo indicado pela minha mãe, em que o Gabriel Saananda, um terapeuta ayurveda, explica o conceito dos chakras. Em um momento, ele fala uma coisa bonita sobre o plexo solar, relacionando ele com os outros chakras. | ||
Saananda lembra que — seguindo os chakras linearmente da base da coluna até o topo da cabeça — o plexo solar é o último chakra antes do coração. Durante muito tempo, ele conta que trabalhou os chakras linearmente, fazendo exercícios e meditando sempre sobre o primeiro, passando para o segundo e o terceiro. Mas ele não conseguia passar para o quarto, porque sempre sentia um bloqueio. | ||
Daí ele aprendeu uma meditação em looping, na qual, em vez de meditar sobre os chakras linearmente, um de cada vez, ele fazia exercícios do primeiro junto com o terceiro, do segundo junto com o quarto, como loopings. | ||
Assim, ele compreendeu que não é possível chegar ao coração aquele que não tem as pernas bem firmadas no plano material e no instinto de sobrevivência (que corresponde ao desbloqueio do primeiro chakra, o básico); para assim dar condições de desenvolver relações de poder mais saudáveis (que corresponde ao desbloqueio do terceiro chakra); indo para a individualidade e a capacidade de sentir prazer (do segundo chakra); para que então o coração se abra (chegando ao chakra cardíaco, que representa nossas emoções). | ||
Ou seja, nossas questões emocionais são indissociáveis de como a gente interage com a matéria, com os outros seres humanos e com a gente mesmo. E isso faz muito sentido porque, de fato, as nossas emoções não são um corpo estranho que surgem na nossa cabeça, elas são derivadas das nossas interações interpessoais. | ||
Nós não somos o Tom Hanks preso numa ilha, estamos interagindo a todo momento com o ambiente, com as pessoas e com nossas próprias tretas. | ||
Isso também quer dizer que não existe uma hierarquia entre os chakras. Não dá pra trabalhar o coronário (que fica no topo da cabeça e representa nossa ligação com o Universo, nos dando clareza) se o básico não estiver em equilíbrio. | ||
Se isso é verdade, então, ao cuidar do plexo solar (ou de qualquer outro), eu acabo cuidando também dos outros chakras por cascata. Logo, manter-se equilibrado é um exercício ininterrupto de vigiar os nossos próprios sentimentos. | ||
A quantidade de pessoas xarope que a gente tromba na vida prova a dificuldade de manter esse equilíbrio. Aliás, a quantidade de xaropice que a gente mesmo já fez na vida prova a dificuldade de manter esse equilíbrio. | ||
Mas a gente segue tentanto, né. Cada um com suas técnicas, seja meditando ou colocando um esparadrapo no umbigo que nem o KL Jay. | ||
O que eu tô ouvindo: | ||
Sempre me dei mal com essas retrospectivas de fim de ano que o Spotify faz, porque durante muito tempo eu usava Apple Music e aí eu ficava sem saber coisas como a minha música mais tocada e os artistas que eu mais ouvi no ano. Era terrível. | ||
Esse ano acabei assinando Spotify por causa do plano família, e realizei o sonho da retrospectiva própria. | ||
Mas ainda sinto saudades da Apple Music, porque, além da rádio Beats 1, que tinha uns programas bem fodas, eu descobria coisas como o Stéphane San Juan, esse percursionista francês que morou quinze anos no Brasil e já gravou com a Elza e o Caetano. | ||
No disco Saved by the Drums, ele mistura jazz, com macumba e samba de um jeito absurdo, como nessa faixa Eleguá, que homenageia o ifá, culto iorubá dedicado ao orixá da sabedoria, que foi apresentado a San Juan pelo músico Wilson das Neves. | ||
O Oráculo do Bowie, um conselho pra semana: | ||
Achei bem bonita a carta A Força do Starman Tarot. Fazia tempo que eu não tirava um arcano maior, e esse parece ter vindo em boa hora. | ||
Na representação, uma mulher domina dois leões, trazendo atras de si duas mandalas simétricas que representam os padrões de partículas que se colidem. O Angelis explica: | ||
As mandalas de partículas representam o poder fenomenal e a energia que é intrínseca à natureza. Como um espelho, elas refletem a potência da humanidade que aguarda para ser lançada. | ||
O feminino na carta não é por acaso, representa a capacidade desse arquétipo em abraçar os obstáculos com leveza e jogar luz nas questões de sombra. Não quer dizer que ela não tenha medo, mas ela o enfrenta. | ||
E isso me leva ao documentárioMercury 13, que fala de mulheres aviadoras que participaram de um programa espacial da Nasa, na década de 1960, o qual levaria mulheres ao espaço, antes dos homens. Infelizmente, o programa foi cancelado porque... bem, eram mulheres. | ||
Escrevi mais sobre isso nesse texto que fiz sobre os 50 da missão Apollo 11. Nele, eu cito a fala da filha de uma dessas aviadoras, que comenta no documentário como a chegada das mulheres à Lua poderia ter impactado a sociedade: | ||
Não só inspirando meninas a se formarem em engenharia, não, mas levando mulheres a posições de poder real, implementando práticas e políticas que poderiam ter representado esse componente humanitário da mulher, em oposição ao bélico dos homens. | ||
A força não precisa ser bélica, ela pode ser humanitária. Me lembra uma lição que aprendi uma vez com o rapé (medicina sobre a qual eu falei bastante nessa edição). | ||
Durante um rito, senti necessidade de levar um sopro, eu estava me sentindo desconfortável e achei que o rapé pudesse aliviar. Quando o Edu Sereno me aplicou, achei que a força do sopro iria me fazer vomitar. Me preparei fortemente pra isso, como se tivesse num barco pronto pra entrar numa tormenta, num misto de preparação com ansiedade. | ||
Mas não saiu nada. E eu voltei a ficar bem. | ||
Dentro da minha cabeça, uma voz (ou minha consciência) me lembrou que as dificuldades dos desafios se dissolvem quando são encarados com mais leveza. Tipo, eu sabia que viria um desafio, mas quem disse que esse desafio seria uma tormenta? | ||
Às vezes, a gente se prepara para o pior, sem nem saber se aquilo vai ser o pior mesmo. Não é porque é um desafio que ele precisa ser difícil. Ou como coloca o Angelis: "A força de continuar, com poder e integridade, por mais terríveis que sejam as circunstâncias, evoca o amor unido ao poder da paixão". | ||
Tirei essa frase do topo de um post lindo que o Ramon fez esses dias, e que tem tudo a ver com a edição em que eu escrevi sobre Iansã. | ||
Conheci ele fazendo essa reportagem sobre hiv e arte pra Trip. O Ramon é escritor, pesquisador desse núcleo ótchymo da UFBA, chamado NuCuS (Núcleo de Pesquisa e Extensão em Cultura e Sexualidade) e sempre me traz umas referências pesadíssimas. | ||
Gratidão pelas joias, Ramon. | ||
E valeu todo mundo que tá sempre me abastecendo com essas riquezas também, seja com um comentário despretensioso ou uma indicação marota. Isso é demais. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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