PunkYoga #29: Para quem rezam as bruxas
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PunkYoga #29: Para quem rezam as bruxas

Lembro bem a primeira vez que ouvi sobre a Pam. Foi na época que eu tava procurando personagens pra reportagem que fiz com a Julinha, sobre bruxaria. 

Nathan Fernandes
7 min
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"Para viver na confusão do mundo com um mínimo de sofrimento, o segredo é fazer com que o maior número de pessoas embarque nas suas ilusões"

Lembro bem a primeira vez que ouvi sobre a Pam. Foi na época que eu tava procurando personagens pra reportagem que fiz com a Julinha, sobre bruxaria

Queria encontrar alguém que falasse de magia, mas que também falasse de política. E aí dei de cara com as leituras de tarô da Bruxa Preta, que são "uma ferramenta de cura e libertação", como ela mesma define. Nas postagens do Insta, a Pam passeia entre assuntos tão diferentes quanto masculinidade tóxica e autocuidado, sempre com uma visão não dogmática. 

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Quando deparei com o que ela faz me lembrei de uma camiseta que vi na internet uns anos antes, que dizia: "Você sofreu lavagem cerebral para achar as características eurocêntricas o epítome da beleza". Até conhecer o trabalho da Pam, eu nunca tinha percebido que essa lavagem cerebral transcendia a questão da beleza e também se estendia à espiritualidade. Afinal, mesmo que a espiritualidade seja um conceito que valoriza a dissolução das diferenças, ela é praticada por humanos, que ainda chafurdam na lama do racismo estrutural que envolve todos os aspectos da sociedade. 

A Pam deixa isso muito claro, compartilhando seus mergulhos na fluidez da consciência através de uma perspectiva muito sólida e material. Ela nos lembra que, se Jesus era um hippie comunista e Buda era um subversivo anárquico, as questões espirituais não podem se descolar do social. Ignorar as diferenças entre as pessoas é fingir não perceber que o acesso ao conhecimento é um privilégio. É continuar observado as coisas por trás de um véu da Gucci de ilusão. 

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Se hoje a Pam fala de bruxaria marginal e espiritualidade decolonial com a desenvoltura de uma poetisa, isso tem tudo a ver com a forma como ela despertou para esses assuntos:

Começou a rolar um incômodo nos padrões, em como as crenças foram construídas. Até que caiu a ficha da espiritualidade. Eu sempre tive o meu tipo de contato, seja pela bruxaria, ou pela umbanda… Então, acredito que o que me fez despertar foi a percepção de que existe algo maior e melhor para nós do que tudo o que fomos condicionados a acreditar.

Foi essa percepção que a ajudou a se empoderar e a desenhar por si própria um caminho dentro da espiritualidade:

Atualmente, eu estou na linha das religiões de matriz africana, porque é sobre se encontrar, se conectar, e aperceber nesse sentido. Mas, com a autonomia espiritual, o estudo de outras crenças sempre se faz necessário, tem muita coisa e informação, e, obviamente, a gente não consegue absorver tudo. Mas faço o que posso. Tenho focado em um determinado tema, e, assim que o termino, sigo para o próximo depois de um tempo para absorver o conhecimento e aplicar na vida e para não gerar conflito de ideias.

 A magia me parece uma coisa líquida, amorfa. Ou melhor, ela é fluida. Quem consegue pegá-la com a mão dá a ela forma que quer. Mas quem disser que a domina está mentindo. 

Na série animada The Midnight Gospel, que estreou essa semana na Netflix, um dos personagens explica que, assim como uma lição passada de geração em geração, a magia é transmita como se fosse uma corrente do mestre para o discípulo.

Acontece que nem sempre existe um mestre disponível. E, de vez em quando, acontece uma explosão nas sinapses do discípulo que o faz perceber que ele mesmo pode assumir o arquétipo do mestre. 

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Acho que isso exige muita maturidade e não dispensa estudos, pelo contrário. Mas me parece bastante compatível com a ideia de que, na verdade, não existem mestres. O objetivo de todo caminho espiritual é que você se torne o seu próprio mestre. E existem várias portas que dão neste fim. E eu me identifico bastante com o caminho da Pam:

Atualmente, estou desenvolvendo a mediunidade dentro de um terreiro, então digamos que eu atrele o conhecimento da umbanda com uma espiritualidade mais autônoma. Acredito que nós temos que ir pelo caminho que se aplique a nossa realidade. A minha foi autônoma, porque, em primeiro lugar, não tive incentivo, nem acesso à muita coisa. Estive solitária em vários momentos. Penso que não me cabe dizer o que seria mais adequado, porque a espiritualidade, ainda que com suas diversas maneiras de existir, é pessoal demais. Por isso, é muito importante se conhecer, se entender — e ter aquela rede de apoio ajuda muito.

Não surpreende, portanto, que ela tenha moldado sua magia fincando as raízes em terra firme, o que permite uma relação muito mais sincera com os seus sentimentos.  

Eu sou da honestidade, desde que comecei sempre falei que o meu maior incômodo era essa positividade tóxica que nos incita a acreditar, como se pessoas não pudessem sentir dor, ou como se tivéssemos controle das realidades que nos cerca, em relação à questão social.

Pessoas que conseguem transformar o seu íntimo em fonte de originalidade, ao mesmo tempo em que expõem suas lutas internas, adquirem uma camada de beleza diferente. Mas nem é isso o que mais me impressiona na Pam. 

Em um outro episódio de The Midnight Gospel, um personagem diz que gosta de pessoas que oferecem às outras uma lente diferente para enxergar o mundo. É justamente isso que a Pam faz ao compartilhar suas histórias.

O que eu tô ouvindo:

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Fiquei muito surpreso quando descobri que esse mantra sombrio e sedutor de Kali era da Nina Hagen. Minha imagem dela ainda tava congelada na música "Garota de Berlin", do Supla. É um mantra poderoso, que ouço bastante nesses dias. Gosto de como ele consegue alterar toda a atmosfera ao meu redor e me teletransportar pros rituais de Shiva. 

O que eu tô lendo:


Dois amigos (o Michell e o Ale) disseram que eu ia me apaixonar por The Midnight Gospel, essa série que estreou agora na Netflix, do mesmo criador de Hora da Aventura. A questão é que eu não só me apaixonei, como agora quero casar e ter dois filhos com essa série. 

Acertaram meu gosto em cheio. O que prova que ou eu sou muito previsível, ou eles sabem que eu me atraio por qualquer coisa que fale de expansão da consciência e espiritualidade.  

Eu nem vou falar muito da série aqui, porque eu provavelmente vou falar mais dela nas outras cartas. Mas fica a dica. 

Espero que todos estejam se cuidando e vibrando alto. Fiquem bem e se cuidem. Se quiser trocar uma ideia ou dizer o que achou da carta dessa semana, é só responder esse e-mail, ou me achar lá no insta ou no twitter

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.

Com amor,

Nathan

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