PunkYoga #38: Sem tempo, irmão
0
0

PunkYoga #38: Sem tempo, irmão

Continuo aqui na saga de transformar a PunkYoga em um livro. Não é fácil alinhar prazo e criatividade. Às vezes nossas vontades e nossa mente funcionam em um relógio diferente daquele que conta horas e minutos. 

Nathan Fernandes
6 min
0
0
Email image

Continuo aqui na saga de transformar a PunkYoga em um livro. Não é fácil alinhar prazo e criatividade. Às vezes nossas vontades e nossa mente funcionam em um relógio diferente daquele que conta horas e minutos. 

Esse tipo de reflexão passa não só pela minha cabeça, mas pelas coisas que eu escrevo também. É o caso de um dos trabalhos legais que eu fiz e que saíram esses dias. 

Acontece que eu saí da Galileu há dois anos, com muita vontade de escrever sobre o tempo. Na época, eu tava empolgado com a teoria da gravidade quântica em loop, sobre a qual eu escrevi aqui, e o trabalho do Carlo Rovelli, e achei que seria interessante escrever sobre um conceito tão abstrato. 

Não rolou. 

Mas, desde então, eu venho me aprofundando nessa ideia, através dos estudos em filosofias africanas, indígenas e orientais, aprendendo como essas culturas entendem ou entendiam a passagem do tempo e como isso molda as nossas vidas. 

Ano passado, conheci o trabalho do Gust, da Torus, e adorei a praticidade dele, fazendo marcas e pessoas refletirem sobre a relação que temos com o tempo. Somei a isso esse sentimento que temos de que a pandemia mexeu com o nosso senso de realidade e vendi a ideia de uma matéria para a Elástica. 

O resultado é esse aqui: "A desordem do tempo", um recorte da pesquisa que eu venho fazendo ao longo de três anos, aplicado ao momento atual.  

Acho o tema fascinante, porque penso que se uma coisa tão inquestionável quanto o tempo pode ser questionada, então tudo pode. Citando um trecho da matéria: 

“Nosso presente não se estende a todo o universo. É como uma bolha perto de nós”, escreve Carlo Rovelli. Assim, quando medimos o tempo, estamos, na verdade, comparando-o em relação a uma outra coisa: quando dizemos o ano em que estamos ou a hora atual, estamos analisando a posição da Terra em relação ao Sol. Para medir o tempo, precisamos sempre de dois referenciais. Mas isso só para nos situarmos em nosso planeta, uma vez que para o Universo esse tempo localizado é irrelevante.

“Não existem dois tempos: existem legiões de tempo. Um tempo diferente para cada ponto no espaço”, analisa Rovelli. “Nas leis elementares que descrevem os mecanismo do mundo, não existe diferença entre passado e futuro — entre causa e efeito, entre memória e esperança, entre remorso e intenção.” 

Nós só enxergamos o tempo como uma linha reta que parte do passado em direção ao futuro, porque esse é o modelo ocidental que nos foi imposto. Para outras culturas não é assim. É por isso que, além do tempo de Einstein, falei também do tempo de Exu. 

“Essa ideia de progresso atrelada ao futuro, que é focada no amanhã, na inovação, é uma característica do tempo ocidental. O tempo africano não é o tempo da pressa”, pontua a pesquisadora Aza Njeri, professora doutora em Literaturas Africanas e pós-doutora em Filosofia Africana. “E como eu me relaciono com esse tempo, sendo que estou inserida numa sociedade que preza pela correria? Sempre tento pensar que as coisas acontecem no tempo que elas têm que acontecer. Isso me deixa menos ansiosa.” 

Entender que existem outros modelos de pensamento, para além do ocidental, também foi o que guiou outro trabalho que publiquei essa semana. A convite do Léo, do Yahoo!, eu falei da importância dos movimentos de quebrada para a formação das pessoas que estão fora do que é considerado um ser humano pelo ocidente. 

O resultado é esse aqui: "Cultura da quebrada: com esquerda dividida, funk e rap se firmam como oposição ao governo", um texto em que falei com as rappers Rosa Luz, Preta Rara e o Bruno Ramos, que é articulador nacional do Movimento Funk. 

Na entrevista, o Bruno disse: 

Quando eu falo que o funk é uma ameaça ao capitalismo, quero dizer que ele é uma ameaça a esse molde de sistema no qual operam os homens brancos, héteros, cis. O crime perfeito criado por essas pessoas foi o racismo. O funk rebate a possibilidade deles terem controle sobre a nossa criatividade.

É nesse sentido que os movimentos culturais de periferia são perigosos. Porque eles não curvam a cabeça para quem os oprime. A criminalização é um dos resultados dessa "desobediência". 

Pra fechar a semana eu ainda tive uma live com a Pam, a Bruxa Preta, falando sobre descolonização & magia, como parte do projeto Abre Caminhos, que venho fazendo com a banda Madre Terra. A live foi cheia de problemas técnicos, mas ainda assim conseguimos compartilhar muita coisa inspiradora e acender uns faróis na mente. Dá pra ver aqui e aqui

Não é coincidência que esses três trabalhos atravessem essa ideia de pensar novas formas de enxergar o mundo fora do padrão ocidental-branco-europeu-capitalista. Cada vez mais eu venho tentando alinhar meu trabalho com isso, e não posso deixar de me sentir grato por conseguir. É um esforço consciente que tem valido à pena, porque me tira de um universo escasso e me coloca em contato com um multiverso cheio de possibilidades. 


O que eu tô lendo/ vendo/ ouvindo:


Como falei, sigo trabalhando no livro do PunkYoga. E isso tem me dado mais trabalho do que imaginei. Mas, ao mesmo tempo, fico feliz em poder dedicar tanto esforço e atenção pra mim mesmo, coisa que eu nem sempre fiz. 

Tô me mudando de São Paulo, prestes a ter uma nova vida e isso também tem consumido boa parte dos meus pensamentos. Mas não posso deixar de me sentir animado com as possibilidades que isso me traz. Volto em breve com mais novidades. 

No meio de caixas bagunçadas, móveis espalhados e burocracias mil, resolvi parar uns minutos pra dar um alô a quem me lê por aqui. Espero ter honrado seu tempo. 

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie.

Com amor y anarquia,

Nathan

Se você chegou aqui através de um link, deve tá pensando: "Como eu assino essa newsletter tão maneira?". Ora, é só deixar seu e-mail aqui. Se não curtiu e tá aqui lendo esta última linha, admiro sua capacidade de autoflagelação.