O primeiro texto que eu escrevi sobre hiv/aids foi bem mecânico. Foi um dossiê da Galileu, que eu fiz com a rainha Cris Kist. Não tá na minha parede da fama dos melhores textos, mas, mesmo assim, recebi um e-mail com um convite pra falar sobr...
Vencer a mim mesmo é a questão, questão que não me vence Minha cabeça falante fala pra caralho e aí my talking head stop makin' sense | ||
O primeiro texto que eu escrevi sobre hiv/aids foi bem mecânico. Foi um dossiê da Galileu, que eu fiz com a rainha Cris Kist. Não tá na minha parede da fama dos melhores textos, mas, mesmo assim, recebi um e-mail com um convite pra falar sobre ele em um evento. E eu fiquei desesperado, porque não sabia nada sobre o assunto além do que já tava no texto. | ||
Encaminhei o e-mail pra Cris e falei: "Acho melhor você ir porque tenho medo de falar merda rs". O e-mail acabou indo pra pessoa que tinha me mandado o convite. Eu devo ter ficado umas duas horas com a cabeça enfiada entre as pernas, desejando que aquele fosse o dia da Data Limite do Chico Xavier — mas acabou que a moça era elegante e fingiu que nem viu. | ||
Corta para: três anos depois eu phyníssima recebendo dois prêmios de jornalismo por uma outra matéria sobre hiv— um da Unesco, que recebi no México, e um Vladimir Herzog, um dos mais importantes do Brasil. | ||
Acho que dá pra perceber que houve uma clara mudança entre a pessoa que tinha medo de falar merda e a que recebeu o reconhecimento, né? | ||
O que mudou foi que eu me aprofundei e mudei muito minha percepção sobre o tema. Entendi que quanto mais eu escrevo sobre hiv/aids, mais eu entendo sobre jornalismo: porque testa minha sensibilidade, me mostra como um dado simples pode impactar a vida de uma pessoa e, sobretudo, me ensina sobre linguagem. | ||
Gosto muito da definição da umbanda, de que: | ||
A palavra é regida pelo elemento fogo: ela pode tanto aquecer, quanto queimar. | ||
Isso fica óbvio no caso do hiv/aids. Já na década de 1980, o Herbert Daniel questionava o uso em maiúsculas do termo "HIV/AIDS", como se quisesse roubar o protagonismo da vida das pessoas. Ele defendia o uso do termo em minúsculas e, com isso, queria tirar um peso das costas de gente que já carregava muita coisa. | ||
Outro exemplo é o termo "aidético", que já causa ojeriza só de ler de tão estigmatizado que é. Sente o peso que esse termo carrega. O tanto de história sofrida, o tanto preconceito que cabe ali dentro. É por isso que hoje preferem dizer que a pessoa "vive com hiv", o que é mais preciso e muito diferente. | ||
Eu só fui entender esse poder das palavras escrevendo sobre hiv, mas isso ressoa em tudo. Você sabe as palavras que usa pra agradar alguém, ou pra ofender. Você sabe que as palavras têm um tipo de poder bizarro que come a sua mente e te deixa dias remoendo a mesma fala, tanto pro bem, quanto pro mal. | ||
Um psicanalista me explicou uma vez como uma palavra dita na infância pode ressoar a vida inteira. Se você cresce ouvindo que é um fracassado, por exemplo, provavelmente, vai acreditar nisso e cair num ciclo de bosta, ou vai passar a vida toda tentando provar o contrário. Mas sempre orbitando esse "feitiço" que te lançaram. | ||
Uma das funções da psicanálise é justamente transformar essas palavras de ordem, em palavras de poder. E isso, pra mim, é magia. | ||
Não é a toa que o escritor Christopher Vogler diz: | ||
O poder curativo das palavras é seu aspecto mais mágico. Escritores, assim como xamãs ou curandeiros das culturas ancestrais, têm o potencial de serem curativos. | ||
É esse o tipo de mágica que eu tento colocar nos textos que eu faço, e é esse o tipo de mágica que tá nas reportagens mais recentes que eu escrevi sobre o assunto. | ||
Tanto em Robô travesti, autoteste e PrEP são opções para conter epidemia de HIV no Brasil, da Galileu, em que eu foquei mais na prevenção e nas explicações científicas; quanto em O Núcleo Macio da Aids, em que eu foquei mais nessa questão da linguagem e na parte artística. | ||
Eu passei a ter muito mais consciência nas palavras que eu falo ou que eu escrevo. Às vezes, dá merda, porque, né, a gente é humano... Mas ficar atento ao que você diz ou escreve é uma forma interessante de se manter alinhado. | ||
O que eu tô ouvindo: | ||
O Ale sempre gosta de colocar umas músicas muito chapadas pra ouvir. Foi assim que eu descobri esse disco maravilhoso: Jah-Van, um tributo de reggae ao Djavan. | ||
O nome parece uma piada que ficou séria demais, mas depois de ouvir o Criolo cantando "Cigano" você já tá cantarolando a letra e balançando a cabeça. Tem ainda Ivete Sangalo, Black Alien, Arnaldo Antunes, Chico César, Seu Jorge, Rincon Sapiência e uma galera... | ||
Nunca fui fã de Djavan, o que me faz achar engraçado quando a gente retoma esses artistas que a gente passa a vida inteira ouvindo, mas nunca escutou de verdade. | ||
Oráculo do Bowie, um conselho pra semana: | ||
Às vezes a rotina deixa a gente com um ânimo meio nhé. Não tá nem bom, nem ruim, tá nhé. Aquele marasmo, aquela falta de animação. Daí você encontra um amigo que dá uma mexida nas suas ideias, uma desanuviada na mente e você fica mais feliz. | ||
Acho que esse 3 de copas, do Starman Tarot, é sobre esse tipo de celebração que só acontece quando você encontra gente que tem uma mágica escondida, que você não sabe o que é, mas que te faz bem. | ||
Mais do que isso, talvez seja lembrar que essa possibilidade de felicidade tá sempre dentro da gente esperando pra sair. Ela não é importada. Diz o Angelis: | ||
Possibilidade latente de transformação em êxtase, só esperando as condições certas para se manifestar. | ||
Nesse momento de dedo no cu & gritaria política, é importante saber silenciar a mente. Mas também é legal compartilhar ideias, dividir umas esfihas e umas frustrações e se cercar de gente que te permite deixar as máscaras no tapetinho da entrada. | ||
Se liga aí, que é hora da revisão: | ||
Uma das coisas boas que as matérias sobre hiv me trouxeram foram amigos como o Ramon. Eu nem sabia como era um poeta antes de conhecer ele. E agora eu sou presenteado com uns comentários lindos tipo esse: | ||
sua escrita cósmica yoga punk me agrada. tem uma sombra com a perspectiva de uma luz de vagalume que mostra as possibilidades de caminhos. ela olha pro alto, pro cosmos, e de vez em quando se distrai com o isqueiro e tampa da caneta bic encontrados no chão. | ||
Bonito ele ter reparado que essa ponte entre o céu e o inferno é justamente o que me interessa. | ||
Valeu todo mundo que consegue chegar aqui no pé da news. Se quiser continuar o papo, é só responder esse email, ou me acha lá no Twitter e no Insta. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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