Fiquei muito feliz por ter dedicado uma hora vendo essa entrevista do Cauê Moura com o pessoal do Meteoro Brasil. Porque: 1) os vídeos-ensaios do YouTube que eles fazem sobre o rebosteio do governo são diádicos, conscientes e sempre têm umas ...
Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, e as coisas, não são de verdade! | ||
Fiquei muito feliz por ter dedicado uma hora vendo essa entrevista do Cauê Moura com o pessoal do Meteoro Brasil. Porque: 1) os vídeos-ensaios do YouTube que eles fazem sobre o rebosteio do governo são diádicos, conscientes e sempre têm umas referências boas(esse aqui sobre "marxismo cultural" é um exemplo); 2) eu nunca tinha visto a cara deles. | ||
Ao assistir a entrevista, dá pra perceber que eles realmente são pessoas excelentes, e, por serem pessoas excelentes, o conteúdo não tinha como ser de outra forma. | ||
Quase no final, eles começam a falar da importância do incentivo, sugerindo que se as pessoas se elogiassem mais, a internet poderia ser um lugar menos tóxico (e quem sabe o mundo também), com uma inocência quase brega & infantil. Uma hora o Cauê fala: | ||
Sabendo o efeito que uma crítica negativa tem, um elogio deve fazer bem | ||
Daí eu me questionei por que um discurso tão bonito de respeito, amor e compaixão é tido como brega e infantil (por mim mesmo). Em que livro tá escrito que ter esperança em uma sociedade menos babaca é coisa de emocionado iludido? | ||
Escrevi que, em uma sociedade na qual somos estimulados a competir e a comprar o tempo todo e em que o “ter” se sobrepõe ao “ser”, expressões como “solidariedade” e “consciência coletiva” soam bobas. | ||
Em uma sociedade assim, lidar com emoções é coisa de gente frágil, falar de amor é coisa de "mulher". Ao valorizar a tragédia, não é surpresa que as distopias despertem mais a nossa atenção. Ver histórias de mundos que deram errado, como Black Mirror e Handmaid's Tale, nos parecem mais verossímeis. | ||
Mas tem uma questão de semiótica aí porque as distopias são representadas de forma muito mais legal do que as utopias. Sobre isso, o historiador Carlos Berriel falou na matéria: | ||
A catástrofe é concreta, e é representada por obras de alto padrão estético, enquanto as utopias positivas padecem de descrédito e estão próximas do kitsch e da ingenuidade | ||
Em um trecho do livro No Time to Spare, a Ursula K. Le Guin, rainha da ficção científica, reflete exatamente sobre essa nossa tendência de sempre pensar num futuro de merda, e o que isso diz sobre nós. | ||
Ela sugere que o que falta é um equilíbrio, mostrando que toda utopia contém uma distopia em si, assim como toda distopia contém uma utopia em si. Aí ela cita o símbolo do yin e yang como exemplo. | ||
No símbolo do yin e yang cada metade tem dentro a porção da outra, mostrando sua completa interdependência e variabilidade contínua. A imagem é estática, mas cada metade contém a semente da transformação. O símbolo não representa uma estagnação, mas um processo. | ||
Os dois dependem um do outro e estão sempre trocando de papel. O que ela diz é que no nosso mundo temos um excesso de yang, que oprime com sua insensibilidade toda a sutileza do lado yin. "Onde estão as distopias yin?", ela pergunta. | ||
E é claro que ela questiona isso como uma mulher que vive em uma sociedade patriarcal, em que o masculino impõe sua força a todo custo. Essa balança tá quebrada faz tempo. É por isso já passou da hora dos homens pensarem em formas de acessar seu yin. Trazer mais flexibilidade pra rigidez masculina. | ||
Talvez a gente esteja precisando ficar atendo ao outro, sem achar isso brega ou infantil. Ou como o psicólogo Paulo de Salles me falou: | ||
Não existe possibilidade de evolução humana no salve-se quem puder. A indiferença às necessidades do outro só nos apequena e, dessa forma, nos brutaliza, pois amortece as potencialidades que a todos nós se oferecem como seres pensantes. | ||
Até porque do jeito que tá a gente já viu que não rola. | ||
O oráculo do Bowie, um conselho pra semana: | ||
O rei de copas do Starman Tarot tem tudo a ver com os estudos que eu tava fazendo essa semana sobre xamanismo, porque o Angelis escolheu representá-lo como um xamã rastafari fumando seu cachimbo. | ||
Logo logo sai um texto que eu fiz sobre o Michael Harner, talvez a maior referência em preservação e divulgação dos saberes xamânicos. Em uma conversa absurda com o Ram Dass, ele explica o conceito de "democracia espiritual", que, na verdade, se assemelha ao conceito do próprio xamanismo: | ||
É a ideia de que não tem ninguém te dizendo no que acreditar. O trabalho não vai ser baseado em fé, mas em experiências. As pessoas poderão conduzir experimentos e ter seu próprio contato com o que eu chamo de mundo espiritual. | ||
A ideia de xamanismo perpassa por várias (ou quase todas) as tradições filosóficas mundiais. Apesar do termo ser da Sibéria, o conceito pode ser encontrado no budismo, no candomblé, nos saberes dos povos nativos do Brasil... | ||
O xamanismo tira das instituições (alooou igreja católica!) o monopólio do contato com o sagrado. E mostra que todo mundo tem capacidade de acessar seu próprio divino, que é você mesmo. Basicamente, você é seu próprio mestre, você é seu próprio deus, sua própria fonte de força, mas tem que ter sabedoria pra não cair nas armadilhas da mente, como a arrogância, a ganância, o medo & essas merda. | ||
O xamã é o cara que faz essa ponte entre o sagrado e o profano com mais naturalidade, através de estados alterados de consciência (ou estados xamânicos de consciência, como diz o Castañeda). Ele não acredita em mundos invisíveis. Ele habita esses mundos, e volta de lá pra transmitir os conhecimentos. | ||
Esse é um trabalho incessante de perceber a realidade de uma forma diferente, de perceber as camadas mais sutis das coisas que nos cercam. Não tem nada a ver com mágica. | ||
Então, acho que essa carta tá aí pra lembrar que a gente encontra força quando desperta esse xamã interior, que habita a todos nós. Como escreveu o Angelis: | ||
O rei de copas sugere que uma calma, uma criatividade e uma sábia influência estão à mão. Existe uma grande força interna para ser acessada, que traz consigo uma facilidade natural, graça e alegria. O invisível passa a ser visível, aceito e lindamente expresso. O medo é dissolvido no elixir da harmonia. | ||
Isso é lindo pra porra! | ||
Se liga aí que é hora da revisão: | ||
1. A conversa entre Cauê Moura e o pessoal do Meteoro que roubou meu coração | ||
3. A reportagem que eu fiz mostrando que a gente já vive em uma ficção científica | ||
4. Trecho da deusa Ursula K. Le Guin falando sobre utopias e distopias (em inglês) | ||
Não quis colocar o que tô ouvindo essa semana porque acho que me empolguei demais e já escrevi mais do que devia. Tenho minha listinha aqui, mas também queria ouvir uns sons novos. Então, se você tiver alguma sugestão, eu vou adorar saber. | ||
Não precisa ser nada transcendental ou místico, é só ser bom. | ||
Como sempre, valeu todo mundo que conseguiu chegar ao pé do e-mail, eu sei que não é fácil disputar atenção com o mundão. Se quiser continuar o papo, é só responder esse email ou me achar por aí nas ondas da web: no Twitter e no Insta. | ||
Se sentir no coração, pode chamar os amigos pra conhecer a news também. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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