PunkYoga #5: Distopia de nós todos
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PunkYoga #5: Distopia de nós todos

Fiquei muito feliz por ter dedicado uma hora vendo essa entrevista do Cauê Moura com o pessoal do Meteoro Brasil. Porque: 1) os vídeos-ensaios do YouTube que eles fazem sobre o rebosteio do governo são diádicos, conscientes e sempre têm umas ...

Nathan Fernandes
7 min
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Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, e as coisas, não são de verdade!

Fiquei muito feliz por ter dedicado uma hora vendo essa entrevista do Cauê Moura com o pessoal do Meteoro Brasil. Porque: 1) os vídeos-ensaios do YouTube que eles fazem sobre o rebosteio do governo são diádicos, conscientes e sempre têm umas referências boas(esse aqui sobre "marxismo cultural" é um exemplo); 2) eu nunca tinha visto a cara deles.

Ao assistir a entrevista, dá pra perceber que eles realmente são pessoas excelentes, e, por serem pessoas excelentes, o conteúdo não tinha como ser de outra forma. 

Quase no final, eles começam a falar da importância do incentivo, sugerindo que se as pessoas se elogiassem mais, a internet poderia ser um lugar menos tóxico (e quem sabe o mundo também), com uma inocência quase brega & infantil. Uma hora o Cauê fala:

Sabendo o efeito que uma crítica negativa tem, um elogio deve fazer bem

Daí eu me questionei por que um discurso tão bonito de respeito, amor e compaixão é tido como brega e infantil (por mim mesmo). Em que livro tá escrito que ter esperança em uma sociedade menos babaca é coisa de emocionado iludido?

Me lembrei dessa reportagem que fiz sobre a importância da ficção científica em nos ajudar a entender nosso mundo real e presente.

Escrevi que, em uma sociedade na qual somos estimulados a competir e a comprar o tempo todo e em que o “ter” se sobrepõe ao “ser”, expressões como “solidariedade” e “consciência coletiva” soam bobas.  

Em uma sociedade assim, lidar com emoções é coisa de gente frágil, falar de amor é coisa de "mulher". Ao valorizar a tragédia, não é surpresa que as distopias despertem mais a nossa atenção. Ver histórias de mundos que deram errado, como Black Mirror e Handmaid's Tale, nos parecem mais verossímeis.  

Mas tem uma questão de semiótica aí porque as distopias são representadas de forma muito mais legal do que as utopias. Sobre isso, o historiador Carlos Berriel falou na matéria:

A catástrofe é concreta, e é representada por obras de alto padrão estético, enquanto as utopias positivas padecem de descrédito e estão próximas do kitsch e da ingenuidade

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Em um trecho do livro No Time to Spare, a Ursula K. Le Guin, rainha da ficção científica, reflete exatamente sobre essa nossa tendência de sempre pensar num futuro de merda, e o que isso diz sobre nós. 

Ela sugere que o que falta é um equilíbrio, mostrando que toda utopia contém uma distopia em si, assim como toda distopia contém uma utopia em si. Aí ela cita o símbolo do yin e yang como exemplo. 

No símbolo do yin e yang cada metade tem dentro a porção da outra, mostrando sua completa interdependência e variabilidade contínua. A imagem é estática, mas cada metade contém a semente da transformação. O símbolo não representa uma estagnação, mas um processo. 

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Os dois dependem um do outro e estão sempre trocando de papel. O que ela diz é que no nosso mundo temos um excesso de yang, que oprime com sua insensibilidade toda a sutileza do lado yin. "Onde estão as distopias yin?", ela pergunta. 

E é claro que ela questiona isso como uma mulher que vive em uma sociedade patriarcal, em que o masculino impõe sua força a todo custo. Essa balança tá quebrada faz tempo. É por isso já passou da hora dos homens pensarem em formas de acessar seu yin. Trazer mais flexibilidade pra rigidez masculina.

Talvez a gente esteja precisando ficar atendo ao outro, sem achar isso brega ou infantil. Ou como o psicólogo Paulo de Salles me falou: 

Não existe possibilidade de evolução humana no salve-se quem puder. A indiferença às necessidades do outro só nos apequena e, dessa forma, nos brutaliza, pois amortece as potencialidades que a todos nós se oferecem como seres pensantes.

Até porque do jeito que tá a gente já viu que não rola. 

O oráculo do Bowie, um conselho pra semana:

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O rei de copas do Starman Tarot tem tudo a ver com os estudos que eu tava fazendo essa semana sobre xamanismo, porque o Angelis escolheu representá-lo como um xamã rastafari fumando seu cachimbo. 

Logo logo sai um texto que eu fiz sobre o Michael Harner, talvez a maior referência em preservação e divulgação dos saberes xamânicos. Em uma conversa absurda com o Ram Dass, ele explica o conceito de "democracia espiritual", que, na verdade, se assemelha ao conceito do próprio xamanismo:

É a ideia de que não tem ninguém te dizendo no que acreditar. O trabalho não vai ser baseado em fé, mas em experiências. As pessoas poderão conduzir experimentos e ter seu próprio contato com o que eu chamo de mundo espiritual.

A ideia de xamanismo perpassa por várias (ou quase todas) as tradições filosóficas mundiais. Apesar do termo ser da Sibéria, o conceito pode ser encontrado no budismo, no candomblé, nos saberes dos povos nativos do Brasil... 

O xamanismo tira das instituições (alooou igreja católica!) o monopólio do contato com o sagrado. E mostra que todo mundo tem capacidade de acessar seu próprio divino, que é você mesmo. Basicamente, você é seu próprio mestre, você é seu próprio deus, sua própria fonte de força, mas tem que ter sabedoria pra não cair nas armadilhas da mente, como a arrogância, a ganância, o medo & essas merda.  

O xamã é o cara que faz essa ponte entre o sagrado e o profano com mais naturalidade, através de estados alterados de consciência (ou estados xamânicos de consciência, como diz o Castañeda). Ele não acredita em mundos invisíveis. Ele habita esses mundos, e volta de lá pra transmitir os conhecimentos. 

Esse é um trabalho incessante de perceber a realidade de uma forma diferente, de perceber as camadas mais sutis das coisas que nos cercam. Não tem nada a ver com mágica. 

Então, acho que essa carta tá aí pra lembrar que a gente encontra força quando desperta esse xamã interior, que habita a todos nós. Como escreveu o Angelis:

O rei de copas sugere que uma calma, uma criatividade e uma sábia influência estão à mão. Existe uma grande força interna para ser acessada, que traz consigo uma facilidade natural, graça e alegria. O invisível passa a ser visível, aceito e lindamente expresso. O medo é dissolvido no elixir da harmonia. 

Isso é lindo pra porra!


Se liga aí que é hora da revisão:

1. A conversa entre Cauê Moura e o pessoal do Meteoro que roubou meu coração

2. O vídeo do Meteoro sobre a mamadeira de piroca cultural

3. A reportagem que eu fiz mostrando que a gente já vive em uma ficção científica

4. Trecho da deusa Ursula K. Le Guin falando sobre utopias e distopias (em inglês)

5. Conversa de doido entre o Ram Dass e o Michael Harner


Não quis colocar o que tô ouvindo essa semana porque acho que me empolguei demais e já escrevi mais do que devia. Tenho minha listinha aqui, mas também queria ouvir uns sons novos. Então, se você tiver alguma sugestão, eu vou adorar saber.

Não precisa ser nada transcendental ou místico, é só ser bom. 

Como sempre, valeu todo mundo que conseguiu chegar ao pé do e-mail, eu sei que não é fácil disputar atenção com o mundão. Se quiser continuar o papo, é só responder esse email ou me achar por aí nas ondas da web: no Twitter e no Insta.

Se sentir no coração, pode chamar os amigos pra conhecer a news também. 

Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. 

Com amor,

Nathan

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