Não sei como foi a semana aí, mas aqui foi bem corrido. Com duas reportagens grandes, várias entrevistas e uma apresentação pra fazer, eu passei os últimos dias sambando nas horas pra poder dar conta de tudo.
O desconhecido talvez nunca deixe de sê-lo, mas é imperativo interrogá-lo na nossa casa, nos nossos termos. | ||
Não sei como foi a semana aí, mas aqui foi bem corrido. Com duas reportagens grandes, várias entrevistas e uma apresentação pra fazer, eu passei os últimos dias sambando nas horas pra poder dar conta de tudo. | ||
Na quinta, tinha uma entrevista marcada com um pesquisador fodão. Na correria, não consegui ler o livro dele pra elaborar as perguntas que precisava e isso ficou bem gritante quando fui falar com ele. Percebendo que eu não tinha feito a lição de casa, o pesquisador fodão sugeriu gentilmente que a gente remarcasse a conversa pra outro dia, depois que eu tivesse tempo para ler o livro. | ||
Fiquei puto, porque bagunçou todo o meu cronograma. E meu ego não reagiu bem à crítica, por mais educada e por mais certa que ela estivesse. No primeiro momento, achei que ele tava desqualificando meu trabalho e pensei: "Como ousas?". É muita cara de pau! | ||
Mas aí lembrei que realmente, ele tinha razão. Se jogássemos a conversa mais pra frente, a chance do trabalho sair melhor era grande, já que eu poderia me preparar mais. No fundo, o pesquisador fodão, tava me ajudando, mas com a mente nublada por um ego ferido eu não tava conseguindo ver com clareza. | ||
O que me ajudou foi lembrar de um dos quatro compromissos da filosofia tolteca. Essa civilização pré-colombiana que viveu no México baseava "o caminho para a liberdade" em quatro ideias principais: seja impecável com a sua palavra, dê sempre o melhor de si, não tire conclusões e... não leve nada para o lado pessoal. Foi esse último que segurou meu ímpeto de mandar as coisas que eu não gosto à merda. | ||
No livro Os Quatro Compromissos da Filosofia Tolteca, Dom Miguel Ruiz explica que se alguém na rua te chama de estúpido, sem te conhecer, sem saber das suas lutas, a pessoa está, na verdade, falando sobre ela mesma. | ||
Você leva para o lado pessoal porque concorda com o que está sendo dito. Assim que concorda, o veneno passa através de você e o prende no sonho do inferno. | ||
Segundo essa ideia, levar as coisas pro lado pessoal te torna uma presa fácil dos "feiticeiros das palavras". Claro que isso não se aplica ao pesquisador fodão, porque ele não me insultou. Mas o fato de eu ter ficado ligeiramente puto mostra uma verdade muito inconveniente pra mim: de fato, eu não havia me preparado. | ||
Me lembra a ideia dos arquétipos do Christopher Vogler. Usando como base a ideia da Jornada do Herói, do Joseph Campbell, ele sugere que toda história (incluindo a história da nossa vida) é composta por personagens que representam arquétipos. Às vezes vários arquétipos se encontram em uma mesma pessoa, incluindo a gente mesmo. | ||
Tipo, agora que eu tô passando um conhecimento aqui, me encaixo no arquétipo do sábio, mas muitas vezes eu represento o aprendiz, ou o aliado que dá apoio a alguém, ou o herói da minha própria história. Engraçado que nunca somos os vilões. Esse arquétipo geralmente fica reservado para os outros que nos fazem mal, sem entender que muitas vezes somos nós quem fazemos mal a nós mesmos. | ||
No livro A Jornada do Escritor(que eu uso como base pra Oficina Xamânica de Escrita Psicodélica), o Vogler cita um exemplo interessante, quando um crítico de cinema resolveu falar mal do método de roteiro que ele havia criado. Ele identificou no cara o arquétipo do guardião do limiar, uma pessoa que está ali para barrar o avanço do herói. Apesar de parecer ser um empecilho, o guardião não tem nada contra o herói, ele só tá fazendo o trabalho dele de proteger um limiar. Não é pessoal. | ||
Sabendo identificar isso, em vez de rebater as críticas e iniciar uma briga, o Vogler convidou o cara para discutir o assunto em uma palestra sobre o método de roteiro dele. O cara aceitou. E, ao ter alguém ali para rebater as suas ideias ao vivo, o Vogler saiu fortalecido, porque suas ideias ganharam mais força ainda quando questionadas e explicadas de forma certa. | ||
Ou seja, o Vogler identificou que não é proveitoso brigar com um guardião de limiar. Os heróis mais espertos sabem que, por não ser nada pessoal, eles podem usar a força do guardião ao seu favor. E, assim, ultrapassar a barreira que o guardião guardava. | ||
De fato, o pesquisador fodão não me conhecia, ele não tinha nada contra mim. Na verdade, apesar de mexer com meu ego, ele estava me ajudando. E, se eu mantivesse a cegueira, poderia transformar uma ajuda em um desastre. | ||
Pareço muito sábio falando isso agora, mas levou um tempinho pra entender, elaborar isso e não me tornar o vilão que põe a culpa nos outros. | ||
O que eu tô ouvindo: | ||
O traço poético dos Racionais MC's é inegável. Tanto que o álbum Sobrevivendo no Infernovirou obra obrigatória do vestibular da Unicamp. Mas, apesar de eu ter crescido entre o Capão Redondo e o Jardim Ângela, a realidade que o Mano Brown canta nunca foi a minha. Só nos últimos dias decidi escutar o disco com a atenção que ele merece. | ||
Redescobri uma forma potente de contar histórias que é muito mais sofisticada do que muita bosta que empurram pela nossa goela. Mas isso todo mundo já sabia. | ||
O que me surpreendeu foi a camada cósmica-transcendental do disco. Já na capa, o álbum traz uma cruz, um salmo e um título que remetem à questão religiosa de forma bem explícita. E isso fica evidente em letras como Capítulo 4, Versículo 3: | ||
Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor Pelo rádio, jornal, revista e outdoor Te oferece dinheiro, conversa com calma Contamina seu caráter, rouba sua alma Depois te joga na merda sozinho Transforma um preto tipo A num neguinho | ||
Mas os Racionais vão além do cristianismo. Eles conseguem fazer essa separação entre religião (com seus dogmas e crenças inventados pelo homem) e espiritualidade (o sagrado que habita a todos e independe das instituições religiosas) de um jeito foda, como em Tô Ouvindo Alguém me Chamar: | ||
Tem uns baratos que não dá pra perceber Que tem mó valor e você não vê Uma pá de árvore na praça, as criança na rua O vento fresco na cara, as estrelas, a lua | ||
É exatamente quando não fala do cristianismo que os Racionais acessam mais profundamente essa camada cósmica-transcendental que é invisível pra muita gente. Talvez porque a política e as questões sociais sejam inseparáveis da espiritualidade, que precisa ser pautada em uma experiência material pra existir. | ||
O oráculo do Bowie, um conselho pra semana: | ||
Depois da tempestade, vem a bonança, como diria a minha avó. O Ás de Copas do Starman Tarot representa esse sentimento de preenchimento e completude, depois de uma jornada longa e cansativa. | ||
A carta ainda traz essa flor de lótus maravilhosa no pé da ilustração, mostrando a pureza que a gente alcança depois de superar as águas lamacentas do apego e do desejo. Existe beleza, depois do sofrimento. | ||
Como diz o Angelis: | ||
O Ás de Copas traz a energia da regeneração. (...) Se abra conscientemente para receber esse nutritivo fluxo de calma, fluindo essa energia para sua vida e vendo-a renascer em uma nova vida. | ||
O engraçado é que essa mesma carta saiu num jogo que fiz dias atrás. Talvez tenha algo aí de que eu precise rememorar. De fato, calma e abundância são coisas que a gente precisa sempre lembrar que merece. | ||
É lindo demais quando os amigos conseguem captar mensagens que a gente não deixa explícito. Mostra que tem uma conexão e uma razão pra alguém ler isso aqui. | ||
A Jéssica me mandou uma mensagem muito bonita, depois da news da semana passada, sobre minha experiência solitária com o cogumelo. Olha só: | ||
Nunca respondi antes pq não sou muito de responder quando não tenho tanto o que falar (hahaha), e a gente tem visões espirituais bem diferentes. Mas é bom demais ler, conhecer e entender. Obrigada por se revelar neste texto :) respondi dessa vez porque tinha isso pra falar: agradecer o compartilhar :) | ||
Apesar de seguir uma religião específica, ela sacou que minha ideia aqui não é falar de religião. Eu mesmo, nem tenho uma. A ideia é discutir ideias e compartilhar esses ensinamentos que nos ajudam a caminhar por esse "vale de lágrimas" que é o Brasil de 2019 e a própria vida. | ||
Se eu me baseio muito em filosofias renegadas e num misticismo esotérico, é porque acho que temos muito o que aprender com essas escolas que nos ensinam a sentir e a encontrar forças em nós mesmos. | ||
Vai pela sombra e fica na paz de Bowie. | ||
Com amor, | ||
Nathan | ||
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