#10 - a CPI da Nike
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#10 - a CPI da Nike

Algumas CPIs acabam em meia pizza.

Fred Fagundes
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#10 - a CPI da Nike

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Transcrição do episódio:         

Começa agora o quem matou a tangerina. Um podcast que pagaria um Pay Per View pra ver uma CPI sem o senador Marcos Rogério.

O Brasil tem acompanhado atentamente os desdobramentos da CPI da Covid. Afinal, é a primeira grande CPI em tempos de redes sociais. O Twitter, inclusive, vem pautando algumas perguntas e até mesmo estratégias da oposição do governo. Há ainda um interesse midiático de alguns senadores mais VTzeros que, claro, tentam capitalizar com vídeos e frases de potencial viral. 

A Comissão Parlamentar de Inquérito é uma importante ferramenta fiscalizadora. Ela não tem exatamente o poder de julgar e muito menos competência para punir os investigado. Porém, o relatório final que é encaminhado ao Ministério Público ou à Advocacia Geral da União, esse sim, caso avaliado de maneira imparcial, pode render punições administrativas e penais. E é aqui que mora o problema.

Todo bom brasileiro já ouviu falar que CPI acaba em Pizza. Aliás, você sabe de onde vem essa expressão? Vem do futebol. Do Palmeiras. Na década de 60, o Verdão atropelava geral com a Academia de Futebol. Um timaço que ganhava tudo, mas que tinha problemas entre seus dirigentes. As brigas políticas se multiplicavam nos bastidores. Foi então que os cartolas decidiram marcar uma reunião para resolver as divergências. Depois de mais de 8 horas de discussões, a fome bateu e os dirigentes foram para uma pizzaria ali pelos lados de Perdizes, na zona oeste de São Paulo, onde fica a sede do Palmeiras. Dezenas de garrafas de vinho, e muita pizza, depois, eles entraram em acordo, se resolveram e a paz voltou a reinar no Palestra. 

Tudo foi acompanhado pelo jornalista Milton Peruzzi, que no dia seguinte escreveu na Gazeta Esportiva: Crise do Palmeiras termina em Pizza. E daí surgiu a nova definição para evento demorado que não tem o resultado esperado: dar em pizza. 

Mas é injusto falar que toda CPI termina em pizza, viu. Essa percepção popular é reforçada pelos grupos que estão entre os investigados e buscam diminuir a comissão, e também pelo fato da CPI não ter o caráter punitivo. Essa frustração ocorre pela ausência de algo que as comissões não podem proporcionar, não via instrumento próprio. A maior parte das CPI rendem relatórios que, se não geram punições judiciais, pelo menos causam grande decréscimo na lisura dos envolvidos. 

Um exemplo de comissão que não terminou em pizza? Talvez meia, mas não uma inteira? Eu tenho. Tinha tudo pra dar errado e virar chacota, um capítulo do nosso folclore político. Estou falando da CPI que investigou, entre outras coisas, porque o Brasil perdeu o penta em 98.

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Bom, 98 você lembra, né? Se não lembra, já deve ter ouvido falar. Copa na França, Brasil favorito, Ronaldo jogando bem, seleção nem tanto, chegamos na final contra os donos da casa. Horas antes do jogo, o anúncio: Ronaldo estava fora. Sem explicação nenhuma. Zagallo simplesmente confirmava Edmundo ao lado de Bebeto no ataque. Na hora do jogo, eis que tá lá, Ronaldo fardado, pronto pra aquecer. Se dizia na época que poderia até ser um erro na distribuição das escalações. Mas antes mesmo do final do jogo a informação era que Ronaldo havia passado muito mal na manhã daquele domingo e, por precaução, o ideal seria ficar de fora. 

Milhares de teorias sobre essa crise do Ronaldo surgiram nos dias seguintes. Muitos o acusavam de amarelar, outros diziam que a UEFA havia comprado a Copa e os problemas de Ronaldo eram um factoide para os jogadores brasileiros explicarem o abatimento em campo, tinha até uma história do Pedro Bial ter se relacionado com a Suzana Werner, que era esposa do fenômeno, enfim, tinha de tudo.

Pra piorar a história, dias depois, em agosto, vazou um áudio do Edmundo denunciando que a escalação do Ronaldo era exigência de um contrato de gaveta entre CBF e Nike.

"A Nike tem força (na seleção). Ela negociou direto com o presidente. Quer dizer, o presidente é que levou a porcentagem na negociação. (...) o negócio da Nike é uma coisa verdadeira (...) tem um contrato que o Ronaldo tem que jogar todos, todos os jogos, os 90 minutos."

Mas… Teve gente lá em Brasília que não se convenceu com a nota e a explicação da fornecedora. Afinal, investigar a CBF já era desejo antigo de alguns parlamentares. A gravação do Edmundo, como não tinha valor jurídico, não serviu como prova. Mas foi essencial para a criação de um apelo popular que exigia esclarecimentos. Assim, surgiu uma das CPIs mais curiosas dos últimos tempos. A CPI da Nike. 

O deputado Aldo Rabelo, do PCdoB-paulista, deputado federal, que fez o requerimento ao então presidente da Câmara. Sabe quem era? Michel Temer. O pedido era exclusivamente para investigar a regularidade do contrato entre CBF e Nike. Rabelo citou o artigo 2º da Lei Geral do Desporto, que dispõe sobre "soberania, autonomia e identidade nacional" de entidades esportivas. 

Isso foi em março de 1999, tá? Somente em outubro de 2000 que a CPI foi constituída. O lobby da CBF, que tinha o apoio de dezenas de deputados e outros financiadores de campanha, conseguiu arrastar a investigação durante todo esse tempo. Uma porção de CPIs que estavam engavetadas foram realizadas, o que serviu de argumento para a demora. E olha o time escalado pra CPI. 

Presidente: Aldo Rabelo. Vice-presidente: Nelo Rodolfo. 2º vice-presidente: Pedro Celso. E o vice-presidente, Eurico Miranda, ex-presidente do Vasco e um dos últimos cartolas a moda antiga do futebol brasileiro. Para muitos, foi Eurico que melou a CPI. Não sozinho, claro. A relação tensa de Eurico com a Rede Globo que fez o bambu gemer.

No comecinho de 2001, o Jornal Nacional exibiu uma grande reportagem sobre a mansão de 460 mil dólares de Eurico na Florida adquirida por meio de negociações não declaradas no exterior. Paralelamente, o outro vice, Nelo Rodolfo, pediu cassação do mandato do Eurico. Ou seja, o clima era péssimo e a CPI ia perdendo toda credibilidade. 

Mas antes de acabar, o depoimento que não poderia faltar. Ronaldo Nazário. Era 10 de janeiro de 2001. Entre fotos e autógrafos, Ronaldo chegou para dar a sua versão da relação com a Nike. Porém, os deputados estavam mais curiosos para entender o que realmente aconteceu naquele jogo contra a França. Ronaldo respondeu perguntas como a Geraldo Magela, do PT do DF, que queria saber se a crise prejudicou a atuação do atleta. "Se eu joguei mal ou não, é opinião de cada um", respondeu. 

Já Jurandir Juarez (PMDB-AP) provocou risadas ao afirmar que Ronaldo não lembrava que havia acontecido antes do jogo. Ronaldo respondeu. "Eu lembro. Só não lembro do que sonhei quando estava dormindo", disse, antes de confirmar o número do quarto e o que lanchou antes do jogo.

Ficou para um jovem congressista pernambucano a melhor pergunta do dia. Eduardo Campos, presidenciável que faleceu em acidente aéreo em 2104, protagonizou com Ronaldo um diálogo digno de CPI. Vou tentar reproduzir. Eu sou o Eduardo Campos e a Gabi, minha namorada e tá aqui do lado, é o Ronaldo. 

Eduardo Campos: – O Zagallo tinha… No esquema tático da Seleção, você tinha um papel… É fato, foi noticiado à época em alguns jornais, você tinha um papel na marcação do Zidane ou… ou isso é conversa do…

Ronaldo: – Quem tinha? Eu tinha um papel?

Eduardo Campos: – Sim, na… no esquema tático, na marcação do Zidane?

Ronaldo: – Isso vai ajudar muito na… na… na CPI?

Eduardo Campos: – Vai. Eu acho que vai. Senão, não teria perguntado.

Ronaldo: – Tudo bem. Eu não me recordo da marcação no Zidane, quem tinha que marcar.

Eduardo Campos: – Não recorda.

Ronaldo: – Tu diz na hora do gol do… do…

Eduardo Campos: – Não. Na hora do gol, não.

Ronaldo: – … ou durante o jogo?

Eduardo Campos: – Durante o jogo.

Ronaldo: – Ah, eu não me recordo quem deveria marcar o Dunga… o… o Zidane. Acho que quem deveria não marcou muito bem, também, não é?

Eduardo Campos: – Porque foram dois, né? (Risos.)

Ronaldo: – Pois é. Satisfeito, Deputado?

Eduardo Campos: – Satisfeito.

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59 reuniões, 37 horas e 16 minutos. Cento e vinte e cinco depoentes, 2.160 indagações feitas. Após brigas entre deputados que quase viraram lutas, a CPI Nike foi encerrada sem nem ter um relatório aprovado, num golpe onde 10 dos 25 integrantes da CPI foram trocados por influência da "bancada da bola". Porém, 33 pessoas foram indiciadas. Entre elas, Ricardo Teixeira, Hélio Viana, que era sócio do Pelé, e Juan Figer, acusado de tráfico de jogadores.

A relação entre Nike e CBF foi ficando cada vez mais tumultuada. Em 2015, José Maria Marin, vice-presidente da CBF, foi preso com outros 6 executivos da Fifa em Zurique. Já em 2019, Ricardo Teixeira foi banido do futebol por corrupção e acusado pelo Departamento de Justiça americano de ter recebido suborno para votar no Catar como sede da Copa de 2022. Ele cumpre prisão domiciliar na Florida. E até hoje a gente não sabe quem deveria marcar o Zidane nas cobranças de escanteio. 

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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com