Não é questão de torcer pro cara morrer, mas Deus sabe o que faz, né.
#11 - preciso ter empatia? | ||
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Transcrição do episódio: | ||
A definição de empatia envolve 3 componentes: afetivo, cognitivo e emocional. | ||
O afetivo baseia-se na compreensão. | ||
O cognitivo refere-se a capacidade em deliberar sobre os estados mentais para chegar a uma conclusão. Já o emocional lida com o grau de respostas que o objeto causa em sua consciência. | ||
Ou seja, antes de você determinar se sente de fato empatia por alguém, há essa complexa soma entre componentes. O que pode explicar a demora e variação de emoções, que pode ir de indiferença, até tristeza, ódio ou euforia. | ||
Isso pode ficar ainda mais explícito quando se trata de despedidas. Por mais que a morte tenha diferentes pontos de vista por crenças e religiões, o distanciamento eterno de uma pessoa é chocante em diversos aspectos. Nada se compara a dor de perder um amigo ou parente. | ||
Mas a vida muitas vezes nos coloca do lado de fora do círculo familiar da pessoa com a saúde em risco. Não apenas como espectadores, mas personagens que tiveram a rotina influenciada por atitudes do paciente. | ||
E embora ensinamentos religiosos preconizem que não devemos desejar mal ao próximo, uma pergunta permeia nosso consciente: é muito errado desejar a morte de alguém? | ||
Há pouco mais de 1 ano o articulista Hélio Schwartsman escreveu um artigo chamado “torço para que Bolsonaro morra”. Segundo o artigo, uma morte de Bolsonaro, naquele momento, era defensável se estivermos seguros de que ela acarretaria um número maior de vidas preservadas. | ||
Por um lado ele estava certo. Sem Bolsonaro, a equipe ministerial, seria outra, as vacinas ofertadas no final do ano passado seriam adquiridas e muitas vidas seriam salvas. Mas o Hélio é incoerente quando usa um elemento filosófico, que é o consequencialismo. Ele verdadeiramente burla os componentes da empatia para justificar um desejo. Isso não tem apelo para que as pessoas sintam-se à vontade para repetir: é, taí. Eu também quero a morte do presidente. | ||
Só existe um sentimento capaz de eliminar por completo qualquer tipo de empatia com a morte. O desprezo. E tem uma história que explica isso muito bem. | ||
Na década de 50, um dos principais jornais do Brasil tinha nome: Diário Carioca. Todo estudante de jornalismo aprende um pouco sobre ele. O impresso introduziu o lede e o sub-lede nas matérias e foi um dos primeiros a exibir manchetes curtas, diretas, ao contrário das prolixas da época. | ||
O Diário foi um grande apoiador de Getúlio Vargas no fim da Primeira República em 1930, mas o amor durou pouco e a linha editorial passou a defender a constitucionalização do país. | ||
Em 1950, com a vitória de Getúlio Vargas para presidente, o Diário consolidou-se como oposição. Fez grande campanha contra o Última Hora, que apoiava Getúlio, e defendeu o pedido de impeachment apresentada por políticos do partido da União Democrática Nacional do Brigadeiro Eduardo Gomes. | ||
Quando ocorreu o suicídio de Getúlio, em 1954, a redação do Diário virou uma festa. Era música, champanhe e cachaça para tudo que é lado. Repórteres e fotógrafos celebravam o que eles consideravam o resultado de anos de oposição ao governo. Foi então que Prudente de Morais Neto, um dos diretores do jornal, interrompeu a festa aos berros. Ele dizia: “Vocês não entenderam nada! Nada! Ele ganhou de novo!” | ||
Morais foi um homem sábio. E ele tinha a convicção que, com o ato de suicídio, Getúlio entraria para a história. Como de fato aconteceu. | ||
Bolsonaro está longe de cometer suicídio como Getúlio. Bolsonaro está longe inclusive de ser um Getúlio. | ||
Tem muita gente questionando se a morte não seria um alívio para Bolsonaro. Há quem acredite que ele deva pagar em vida os transtornos e crimes cometidos. Uma utopia se levarmos em consideração o sistema judicial brasileiro e outros exemplos, como o Coronel Brilhante Ustra, que admitiu cometer sessões de tortura e morreu de velhice numa confortável casa na vila militar de Santa Maria. Ou até mesmo o Fernando Collor, autor de um dos maiores rombos financeiros da história do Brasil e que hoje é Senador eleito e passa o dia postando meme no Twitter. | ||
Esse sentimento de justiça dos homens é fofo, eu diria. Simpático, confortável, não compromete a consciência de ninguém. Isso te faz uma pessoa empática com a situação. Você cumpre o básico, se colocando no lugar do doente. E ninguém quer morrer. | ||
Não sou de criar grandes expectativas nas notícias do estado de saúde do presidente. Prefiro praticar a indiferença. Algo que talvez tenha faltado aos jornalistas do Diário quando Getúlio morreu. Não que eles tivessem grande influência na história, ou eu até mesmo eu faça, mas se cada um tratar a passagem do Bolsonaro como apenas estatística, pode acreditar: o discurso dele vai ser enterrado junto. E você não vai se sentir nada mal. | ||
Eu evito fazer o papel fiscal de consciência alheia. Esse episódio só gostaria mesmo de ressaltar o direito pessoal de cada um torcer ou não para o fim de alguém. Somos seres humanos e ritualizamos a morte. Dessa vez não seria diferente. | ||
Mas Bolsonaro, bom, Bolsonaro é o presidente da morte. Bolsonaro vai morrer. Se não agora, uma hora ele vai morrer. Quando eu não sei. Mas eu tô atento. Tô ligado. Tô ansioso. Até porque eu sou jornalista, não sou coveiro. | ||
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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com. |