Em 1996, o desaparecimento de 3 jovens no Tijucal, em Cuiabá, ocasionou uma investigação repleta de mistério, reviravoltas, teorias da conspiração e, principalmente, na luta solitária de uma mãe que clama por justiça.
#13 - os 3 do Tijucal | ||
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Transcrição do episódio: | ||
Lá por 2004, ainda no comecinho da faculdade, a professora de uma matéria que eu não lembro o nome levou uma pessoa até a nossa sala para um exercício com a turma. Era uma espécie de entrevista coletiva, onde todos tinham que fazer no máximo 3 perguntas e, ao final, redigir uma matéria sobre a história contada. A entrevistada se chamava Odilza Sampaio. Ela era vice-presidente de uma associação que apoiava mães que tiveram os filhos desaparecidos. | ||
Aquela aula me marcou muito. A história da Dona Odilza era pesadíssima. Continha drama, mistério, crimes, corrupção e, posteriormente, até mesmo política. Um caso que repercutiu em Mato Grosso na metade dos anos 90, mas nunca teve conclusão. Ele ficou conhecido como Caso Tijucal. Um crime que mereceu um desdobramento mais digno, mais honesto. Eu vou contar essa história pra vocês. | ||
Era feriado de 1º de maio de 1996. Dona Odilza estava em casa. Aproveitou a folga pra consertar alguma imperfeições do telhado e cuidar do quintal. Ela nem tinha visto que os filhos haviam saído. Mas isso não era problema. Os moleques não eram de dar dor de cabeça e só tinha um lugar que eles poderiam estar. A Praça do Popeye, ponto de encontro da maioria dos jovens da região, em especial nos finais de semana e feriados. | ||
Já era quase no final da tarde quando Wellington, de 16 anos, um dos filhos de Odilza, entrou aos prantos em casa. Ele acusava medo e pedia socorro a mãe antes de anunciar o que havia testemunhado. O irmão dele, Marcos Henrique, de 19 anos, e os amigos Vilmar da Silva Fernandes e Ednelson Soares, ambos de 16, haviam sido sequestrados por três homens que obrigaram eles a entregarem numa Brasília vermelha. | ||
Já na madrugada do dia 2, iniciou-se uma grande busca pelo bairro, com a ajuda de líderes comunitários, comerciantes e forças da segurança pública. A única pista era a Brasília vermelha e os relatos de Wellington sobre as feições dos sequestradores. | ||
As procuras duraram meses. Por se tratar de um bairro periférico e pessoas simples, a Polícia Civil desde sempre trabalhou com a hipótese de que os desaparecidos tinham envolvimento em pequenos assaltos e furtos. E os sequestros haviam sido uma vingança pessoal ou até mesmo atitude de gangue. E mesmo sem provas de qualquer envolvimento dos garotos com organizações criminosas, a polícia direcionou a investigação para esse caminho. | ||
Foi aí que dona Odilza começou a sua jornada solitária. Ela foi em todas bocas de fumo da região questionar os traficantes se eles sabiam de algo. Ela implorava, mesmo sabendo que ninguém admitiria um crime. Mas ela pedia, principalmente, para saber se os 3 rapazes tinham algum histórico de ações ilícitas. E jamais alguém afirmou ter visto o Marcos, Vilmar ou o Ednelson fazendo algo de errado. | ||
Dona Odilza decidiu levar o caso para a esfera nacional. Entrou em contato com a Associação dos Familiares Vítimas de Violência e o fato ganhou repercussão na mídia. Pressionada, a Secretaria de Segurança Pública reforçou as investigações e chegou a 2 nomes: o ex-policial civil João da Silva Mendes, conhecido como "Mestre Caravellas" e o comerciante Sebastião Correa Leite. Caravelas foi apontado por Wellington, a única testemunha, como um dos autores do sequestro. Já Sebastião seria o mandante. | ||
Com a prisão preventiva dos investigados, Odilza mandou o filho Wellington morar no Rio de Janeiro, com familiares, pensando na proteção do garoto. As ameaças eram constantes e havia um grande medo de retaliação. E o pior aconteceu. Um ano depois, Wellington também desapareceu na capital carioca. | ||
Mestre Caravellas confessou o crime de sequestro, porém, nunca relatou a motivação e nem o que foi feito com o corpo dos garotos sequestrados. Ele foi acusado a 22 anos de prisão. A pena caiu para 8. E depois de 4 anos, ele ganhou o direito de cumprir a pena em liberdade. Sebastião ficou menos de 2 meses preso. Ele teria contratado Caravellas para dar um susto num jovem que havia roubado a bicicleta do filho. Porém, nunca teve provas de que se tratava de um dos filhos ou amigos de Odilza. | ||
Com a popularidade do crime, outros pais e mães começaram a denunciar a maneira pouco transparente que os crimes de sequestro e desaparecimento eram tratados na região. Estima-se que, de 96 a 98, 28 jovens e adolescentes que moravam na região do bairro Tijucal foram mortos como queima de arquivo. Apenas 3 continuam desaparecidos. O filho de Odilza e os dois amigos daquele feriado. | ||
Mas o que impede Caravellas de falar onde estão os corpos? Bom, além da abertura de um novo processo nas costas deles, no caso, de homicídio, para Odilza trata-se de medo. Numa entrevista ao Circuito MT em janeiro de 2019, ela afirma: | ||
O Caravellas não fala com medo de morrer, e tem gente muito grande por trás disso tudo, eu tenho certeza | ||
Mas se houve assassinato, onde estariam os corpos? Essa pergunta é parte importante do enredo. Já houve a informação de que eles foram deixados nas ruínas de um hospital abandonado. Mas a teoria mais curiosa envolve o depoimento não oficial de um ex-presidiário que teria ajudado na desova. Segundo ele, os corpos foram enterrados na região do Centro Político, onde em 2005 foi construído, pasmem, o novo prédio da Assembleia Legislativa. | ||
É isso mesmo. O Legislativo do estado, a Casa de Leis, segundo uma testemunha, foi levantado onde estão corpos enterrados a mando de servidores da polícia de Mato Grosso. | ||
E o que diz o Ministério Público? Bom, o crime já prescreveu, e até o momento não há um fato novo que indique a reabertura do inquérito. Na época, a Polícia Civil disse ainda não haver conexão entre as mortes dos quase 30 adolescentes do Tijucal em pouco mais de 2 anos. | ||
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Já Odilza, bom, ela segue investigando. Atual presidente da Associação Local dos Familiares Vítimas de Violência, ela estudou Direito, aprendeu a montar processos e levou o caso para instituições Internacionais, como a italiana Macond e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica. E também vive com a rotina de ameaças e atentados. Há alguns anos, Odilza chegou a levar seis facadas enquanto trabalhava no Conselho Tutelar. | ||
Depois de 2004, eu vi Odilza apenas uma vez. Em 2015, pra um material especial de Dia das Mães que eu colaborei. Ela mostrou os recortes de jornal que ainda tem e disse que um dia ainda se desfaz de tudo aquilo jogando na frente do fórum regional. Mas essa descrença dura pouco. Logo ela já recupera o fôlego e diz o que ainda realmente deseja. Ela acredita que só vai considerar os filhos como mortos, tanto o Marcos quanto o Wellington, no momento que encontrar os corpos. E que um dia ainda vai aparecer alguém que vai falar o que realmente aconteceu naquele maio de 1996. | ||
Um crime que deixe se ser perfeito. É só o que ela pede. | ||
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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com. |