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#2 - o ano em que a elite mudou a camisa da seleção | ||
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Transcrição do episódio: | ||
Começa agora o quem matou a tangerina. Um podcast com posicionamento claro e que todo mundo já sabe. Mas a gente só vai falar na hora certa. | ||
Por mais que você não goste de futebol, deve ter ficado sabendo dos fatos recentes que envolvem a Seleção Brasileira. As denúncias de abuso sexual do presidente afastado da CBF, Marcelo Caboclo, a transferência da Copa América para o Brasil, depois de Argentina e Colômbia recusarem e, por fim, a utilização política deste evento. | ||
Semana passada, os jogadores se comprometeram a dar um posicionamento sobre a realização da Copa América no Brasil. A CBF cancelou as tradicionais coletivas pós-treino. Foi então que aconteceu algo muito curioso: o capitão Casemiro, após a vitória sobre o Equador, disse que, na hora certa, os jogadores publicariam um posicionamento. | ||
Criou-se grande expectativa. E o ator Daniel Furlan definiu de modo brilhante no Twitter: | ||
"O não posicionamento de jogadores de futebol é uma instituição tão sólida que quando um jogador simplesmente não se posiciona sobre seu não posicionamento isso é interpretado como um puta posicionamento" | ||
A nota dos jogadores é tão mequetrefe que foi redigida no bloco de notas do iPhone. Fala de fatos inadequados, mas não os cita. Tem dois parágrafos, entre os cinco, de defesa pessoal e isenção a qualquer posicionamento político. E o pior: em nenhum momento cita os quase 480 mil mortos e a lentidão no plano de imunização nacional. | ||
Eu digo ‘o pior’ porque, a partir do momento em que os jogadores prometeram se pronunciar, muitos brasileiro viram a chance do surgimento de, não heróis, mas indivíduos públicos que poderiam frustrar e enfraquecer o atual governo. | ||
Era a esperança de muita gente que vê no futebol e nos jogadores, ainda, a oportunidade de retomada de um patrimônio brasileiro que foi surrupiado e é um grande aliado do bolsonarismo: a camisa do Brasil. | ||
A utilização da Camisa da Seleção como símbolo político não é nenhuma novidade na América do Sul. Inclusive, até demorou pra chegar por aqui. Tornou-se impossível não relacionar o uniforme do Brasil com o Presidente da República, com a burguesia, com os alienados, os conservadores e tudo mais. O que pouca gente sabe é o seguinte: | ||
A primeira, é que a própria elite já pediu pra camisa da Seleção não ser verde e amarela. A outra, é que poderia ser muito pior. | ||
Mas pra contar essa história, a gente precisa relembrar a criação da camisa do Brasil. | ||
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Em 1914, quando oito associações se reuniram para fundar a Federação Brasileira de Sports, o Brasil, na base do improviso, jogou todo de branco. O uniforme possuía apenas um detalhe azul em cada manga. Quando a antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD ) foi fundada, em 1916, um novo modelo foi apresentado. A camisa era listrada em verde e amarelo. | ||
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Imediatamente após a utilização do novo uniforme, uma comoção tomou as ruas, clubes e bares do Rio de Janeiro. A elite carioca publicou uma carta questionando a utilização das cores da bandeira nacional num esporte tão marginalizado como o futebol. | ||
O modelo foi abandonado no mesmo ano. O uniforme branco recuperou o seu espaço e vestiu a Seleção até 1950, na fatídica Copa do Maracanazzo. A derrota para o Uruguai obrigou a CBD a desenvolver um plano de retomada da autoestima do jogador e torcedor brasileiro. E encabeçado pelo jornal Correio da Manhã, em 1953, após uma longa campanha que reforçava a falta de identidade no uniforme branco, foi lançado o concurso. | ||
E assim, 301 desenhistas e estilistas de toda a América do Sul mandaram suas opções. A única regra era bastante simples: utilização das cores da nossa bandeira. O vencedor, por ironia do destino, foi um brasileiro que nasceu e viveu parte da sua vida na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. O gaúcho Alfyr Garcia Schlee. | ||
A opção do autor foi por calções azuis e brancos, deixando o verde e amarelo à camisa. Aldyr achava que o verde ficaria incoerente com o azul e então optou pela escolha do amarelo na camisa. Quando estava pintando a versão final do desenho, ele usou as cores que tinha à mão: a camisa ficou em amarelo-ouro e o shorts tornou-se azul-cobalto. Não eram exatamente as mesmas cores da bandeira nacional, mas as tonalidades foram aceitas, e assim estão no uniforme da seleção até hoje. | ||
Tá, agora explicando porque poderia ser pior. | ||
No início dos anos 90, até a Copa de 94, a Seleção teve como fornecedora de material esportivos a Umbro. Já em 97, ocorreu a grande transformação do uniforme brasileiro nas últimas décadas: a chegada da Nike, que criou uma identidade muito grande com a Seleção. | ||
A primeira camisa da Nike é histórica. É aquela com uma listra verde em cada ombro e também nas mangas utilizada em 1998. No entanto, esta não foi a primeira sugestão. Pois é, a camisa poderia ter sido outra. E bem diferente. | ||
O perfil do Twitter do Lacasaca postou em 2019 a imagem do primeiro projeto da Nike para a camisa da Seleção em 1997. É uma das coisas mais horríveis que eu já vi em matéria de uniforme. A camisa tem um Brasão da República no centro, meio que em marca d'água. Lembra da camisa de 1994, com os 3 símbolos da CBF representando as Copas? Então, é mais ou menos isso, só que com o Brasão da República, uma gola azul cheia de estrelas e o meião amarelo. | ||
E olha que o uniforme é de autoria do Drake Ramberg, responsável por kits históricos da Nigéria, do Arsenal, do PSV, entre outros. O cara fez essa atrocidade na camisa da Seleção, o que a tornaria muito mais difícil de vestir depois da apropriação política em 2018. Consegue imaginar? Graças a deus, o modelo foi recusado. | ||
Muita gente se pergunta: será que um dia vamos retomar esse uniforme? Utilizar por aí sem medo de ser confundido com negacionistas? Ou até possuir vontade de vestir essa camisa? | ||
Essa última pergunta me pega. Sempre lembro de um capítulo do livro de memórias do Juca Kfouri. Ele conta uma história sobre a Copa de 70. Se não me engano, ele estava na faculdade de jornalismo, na USP. Um professor agendou a prova no dia e horário do jogo do Brasil. Ele questionou e sugeriu que a prova fosse remarcada. Na mesma hora, os colegas o criticaram por estar assistindo a Copa e torcendo pela seleção dos milicos. Juca respondeu: | ||
"A Ditadura já me tirou muita coisa. Mas o futebol ela não vai conseguir" | ||
Vale o mesmo para a camisa. Governos passam. Presidentes, de República e Federação, passam. O futebol fica. | ||
E é como disse o Juca. O futebol, a seleção, a camisa. Isso é nosso. Ele pode até usar. Mas ele não vai conseguir tirar da gente. | ||
Ele não. | ||
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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com. | ||