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#2 - o ano em que a elite mudou a camisa da seleção
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#2 - o ano em que a elite mudou a camisa da seleção

Fred Fagundes
5 min
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<i>A utilização do verde e amarelo já foi um problema na camisa da Seleção Brasileira</i>
A utilização do verde e amarelo já foi um problema na camisa da Seleção Brasileira

#2 - o ano em que a elite mudou a camisa da seleção

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Transcrição do episódio:

Começa agora o quem matou a tangerina. Um podcast com posicionamento claro e que todo mundo já sabe. Mas a gente só vai falar na hora certa.

Por mais que você não goste de futebol, deve ter ficado sabendo dos fatos recentes que envolvem a Seleção Brasileira. As denúncias de abuso sexual do presidente afastado da CBF, Marcelo Caboclo, a transferência da Copa América para o Brasil, depois de Argentina e Colômbia recusarem e, por fim, a utilização política deste evento.

Semana passada, os jogadores se comprometeram a dar um posicionamento sobre a realização da Copa América no Brasil. A CBF cancelou as tradicionais coletivas pós-treino. Foi então que aconteceu algo muito curioso: o capitão Casemiro, após a vitória sobre o Equador, disse que, na hora certa, os jogadores publicariam um posicionamento.

Criou-se grande expectativa. E o ator Daniel Furlan definiu de modo brilhante no Twitter:

"O não posicionamento de jogadores de futebol é uma instituição tão sólida que quando um jogador simplesmente não se posiciona sobre seu não posicionamento isso é interpretado como um puta posicionamento"

A nota dos jogadores é tão mequetrefe que foi redigida no bloco de notas do iPhone. Fala de fatos inadequados, mas não os cita. Tem dois parágrafos, entre os cinco, de defesa pessoal e isenção a qualquer posicionamento político. E o pior: em nenhum momento cita os quase 480 mil mortos e a lentidão no plano de imunização nacional.

Eu digo ‘o pior’ porque, a partir do momento em que os jogadores prometeram se pronunciar, muitos brasileiro viram a chance do surgimento de, não heróis, mas indivíduos públicos que poderiam frustrar e enfraquecer o atual governo.

Era a esperança de muita gente que vê no futebol e nos jogadores, ainda, a oportunidade de retomada de um patrimônio brasileiro que foi surrupiado e é um grande aliado do bolsonarismo: a camisa do Brasil.

A utilização da Camisa da Seleção como símbolo político não é nenhuma novidade na América do Sul. Inclusive, até demorou pra chegar por aqui. Tornou-se impossível não relacionar o uniforme do Brasil com o Presidente da República, com a burguesia, com os alienados, os conservadores e tudo mais. O que pouca gente sabe é o seguinte:

A primeira, é que a própria elite já pediu pra camisa da Seleção não ser verde e amarela. A outra, é que poderia ser muito pior.

Mas pra contar essa história, a gente precisa relembrar a criação da camisa do Brasil.

<i>Brasil x Exeter City, nas Laranjeiras, em 1914. Foto: </i><a href="http://imortaisdofutebol"><i>Imortais do Futebol</i></a><i>.</i>
Brasil x Exeter City, nas Laranjeiras, em 1914. Foto: Imortais do Futebol.

Em 1914, quando oito associações se reuniram para fundar a Federação Brasileira de Sports, o Brasil, na base do improviso, jogou todo de branco. O uniforme possuía apenas um detalhe azul em cada manga. Quando a antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD ) foi fundada, em 1916, um novo modelo foi apresentado. A camisa era listrada em verde e amarelo.

<i>A camisa verde e amarela utilizada no Sul Americano de 1916.&nbsp;Foto:&nbsp;<a href="http://imortaisdofutebol/">Imortais do Futebol</a>.</i>
A camisa verde e amarela utilizada no Sul Americano de 1916. Foto: Imortais do Futebol.

Imediatamente após a utilização do novo uniforme, uma comoção tomou as ruas, clubes e bares do Rio de Janeiro. A elite carioca publicou uma carta questionando a utilização das cores da bandeira nacional num esporte tão marginalizado como o futebol. 

O modelo foi abandonado no mesmo ano. O uniforme branco recuperou o seu espaço e vestiu a Seleção até 1950, na fatídica Copa do Maracanazzo. A derrota para o Uruguai obrigou a CBD a desenvolver um plano de retomada da autoestima do jogador e torcedor brasileiro. E encabeçado pelo jornal Correio da Manhã, em 1953, após uma longa campanha que reforçava a falta de identidade no uniforme branco, foi lançado o concurso.

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E assim, 301 desenhistas e estilistas de toda a América do Sul mandaram suas opções. A única regra era bastante simples: utilização das cores da nossa bandeira. O vencedor, por ironia do destino, foi um brasileiro que nasceu e viveu parte da sua vida na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. O gaúcho Alfyr Garcia Schlee.

A opção do autor foi por calções azuis e brancos, deixando o verde e amarelo à camisa. Aldyr achava que o verde ficaria incoerente com o azul e então optou pela escolha do amarelo na camisa. Quando estava pintando a versão final do desenho, ele usou as cores que tinha à mão: a camisa ficou em amarelo-ouro e o shorts tornou-se azul-cobalto. Não eram exatamente as mesmas cores da bandeira nacional, mas as tonalidades foram aceitas, e assim estão no uniforme da seleção até hoje.

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Tá, agora explicando porque poderia ser pior.

No início dos anos 90, até a Copa de 94, a Seleção teve como fornecedora de material esportivos a Umbro. Já em 97, ocorreu a grande transformação do uniforme brasileiro nas últimas décadas: a chegada da Nike, que criou uma identidade muito grande com a Seleção.

A primeira camisa da Nike é histórica. É aquela com uma listra verde em cada ombro e também nas mangas utilizada em 1998. No entanto, esta não foi a primeira sugestão. Pois é, a camisa poderia ter sido outra. E bem diferente.

O perfil do Twitter do Lacasaca postou em 2019 a imagem do primeiro projeto da Nike para a camisa da Seleção em 1997. É uma das coisas mais horríveis que eu já vi em matéria de uniforme. A camisa tem um Brasão da República no centro, meio que em marca d'água. Lembra da camisa de 1994, com os 3 símbolos da CBF representando as Copas? Então, é mais ou menos isso, só que com o Brasão da República, uma gola azul cheia de estrelas e o meião amarelo.

E olha que o uniforme é de autoria do Drake Ramberg, responsável por kits históricos da Nigéria, do Arsenal, do PSV, entre outros. O cara fez essa atrocidade na camisa da Seleção, o que a tornaria muito mais difícil de vestir depois da apropriação política em 2018. Consegue imaginar? Graças a deus, o modelo foi recusado.

Muita gente se pergunta: será que um dia vamos retomar esse uniforme? Utilizar por aí sem medo de ser confundido com negacionistas? Ou até possuir vontade de vestir essa camisa?

Essa última pergunta me pega. Sempre lembro de um capítulo do livro de memórias do Juca Kfouri. Ele conta uma história sobre a Copa de 70. Se não me engano, ele estava na faculdade de jornalismo, na USP. Um professor agendou a prova no dia e horário do jogo do Brasil. Ele questionou e sugeriu que a prova fosse remarcada. Na mesma hora, os colegas o criticaram por estar assistindo a Copa e torcendo pela seleção dos milicos. Juca respondeu:

"A Ditadura já me tirou muita coisa. Mas o futebol ela não vai conseguir"

Vale o mesmo para a camisa. Governos passam. Presidentes, de República e Federação, passam. O futebol fica.

E é como disse o Juca. O futebol, a seleção, a camisa. Isso é nosso. Ele pode até usar. Mas ele não vai conseguir tirar da gente.

Ele não.


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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com.