#7 - fazer rir na terapia
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#7 - fazer rir na terapia

Sentir-se agradável e gentil está muito relacionado com a nossa insegurança. Isso é evidente. Vou explicar.

Fred Fagundes
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<i>Mas nem um sorrisinho?</i>
Mas nem um sorrisinho?

#6 - fazer rir na terapia

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Transcrição do episódio:         

Começa agora o quem matou a tangerina. Um podcast que um dia já foi pretensioso, mas não durou nem uma semana. 

Você acorda, sobrevive e chega até a hora de dormir com um único objetivo: não incomodar quem cruza o seu caminho. Ou seja, dar bom dia, ser educado, prestativo. Não precisa saber trocar um pneu. Se souber, melhor, mas o único dever compartilhado por todos que vivem numa sociedade organizada é ser minimamente agradável.

Mas o que é ser exatamente agradável numa conversa? Alguns falam sobre o bom senso. Mas o bom senso é uma das coisas mais subjetivas que existem. A suficiência é diferente entre partes envolvidas. Ao mesmo tempo, não há uma cartilha ou linha separatória do que se pode falar, fazer, pensar, agir ou aturar. A referência própria é sempre o nosso limite e os índices de tolerância são muito diferentes. 

Sentir-se agradável e gentil está muito relacionado com a nossa insegurança. Isso é evidente. Vou explicar. 

De um lado, eu. O contratante. Ansioso e preparado. 

Do outro, a contratada. Profissional da área da saúde. Psicóloga, pra ser mais exato. Concentradíssima, com anotações aos montes e se aproximando talvez da penúltima ou antepenúltima sessão do dia. 

Não é fácil ser entretenimento na terapia. E eu tento. Eu me esforço. Eu me preocupo muito com isso. Já cogitei até fingir que desliguei o Skype pra ver se ela não vacila e desabafa um “meu deus que homem chato” após o tradicional “até semana que vem”. 

Será que eu sou o paciente mais irritante da semana? 

Eu tô quase pagando o dobro da consulta para compensar a vida horrível que ela tem por minha causa. 

Mas, olha, algo de bom aconteceu. 

Nessa última sessão eu fiz uma piada. Falei que estava devendo tanto dinheiro pra ela que a última vez que paguei foi via TED, porque ainda não tinha PIX. E não é que ela achou engraçado? Foi então que eu descobri que fazer a médica rir é igual fazer um bebê de 3 meses abrir um sorriso, você se sente a pessoa mais agradável do mundo. 

E a parte boa é que foi bem no finalzinho da sessão, o que me deixou mais leve. Um sentimento de vitória, quase um aplauso em cena aberta. Por um motivo eu pensei: talvez nem precise de terapia semana que vem. E foi aí que tudo fez sentido.

Não rir faz parte da disciplina classe médica. É um profissional que precisa manter a seriedade para dar a sensação de cuidado. Sem contar que se trata de algo que demanda muita concentração, sem tempo para sorrisinhos ou coisa parecida. Fez sentido. Confirmei a sessão da semana que vem. 

E fiz o TED. Não menos alegre. Mas com uma baita inveja de quem é médico e pode ser desagradável sem culpa no horário comercial. 

O lance é que a nossa preocupação em agradar passa muito pelo receio de não conseguir ser alguém no mundo. Fazer a diferença, sabe. Os pequenos momentos de gentileza compensam atitudes maiores, como, sei lá, plantar uma árvore, adotar um animal na rua, derrubar um regime capitalista. 

E mesmo sabendo que nós também não estamos bem, a gente sai por aí, ajudando do jeito que pode, se preocupando. Se preocupar, inclusive, já é alguma coisa. Eu acredito muito que a indignação, mesmo com pouca ação pontual, nos leva a pequenas atitudes que vão despertando um resultado mais concreto lá na frente. Mesmo que demore. Sem problema. 

Nada nos faz mais agradável do que ser lembrado.

Descobrir que alguém lembrou de você quando precisou. Tempos difíceis vivemos. E é normal que desabafos de amigos ou familiares aumentem. Se alguém te pediu ajuda ou um conselho, é porque em algum momento você falou a coisa certa. Mas às vezes a gente quer ajudar de novo e não sabe como. Nessa horas, se você não souber o que falar, não fale. Apenas seja gentil. 

Tá todo mundo mal e precisando de gentileza. Estranho mesmo é achar que tá tudo bem. Isso não é nada agradável. É coisa de psicólogo mesmo.

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Sobre o autor: Fred Fagundes é jornalista, produtor de podcasts e dono das melhores vagas em estacionamentos. Em caso dúvidas ou sugestões, entre em contato via redes sociais ou pelo e-mail: qmat.podcast@gmail.com.