Meu cabelo também é "ruim"
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Meu cabelo também é "ruim"

O título do post é provocativo. Mas é pra refletir. 

Rica Perrone
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O título do post é provocativo. Mas é pra refletir. 

Quando surgiu a polêmica do BBB eu não entendi como racismo. Simplesmente porque o tal "lugar de fala" anda muito cômodo no Brasil. Só um fala, o resto engole. 

Eu fico muito preocupado com o conceito usado hoje em dia onde acusação é condenação. E mais ainda quando vejo que as pessoas tem o poder de interpretar a intenção alheia e criar um crime onde, muitas vezes, não tem. 

O jogador do Londrina disse que foi chamado de "macaco". O do Brusque diz que não chamou.  O que temos é que o Celsinho (da foto acima) tem um cabelo grande. Nós sempre falamos, seja loira, homem, preto, branco, japones, que um cabelo mais duro é "cabelo ruim".

É "ruim" de pentear, de cuidar, etc.  Eu tenho cabelo "ruim".  Acho que posso falar sobre ele, não? 

E isso sempre foi uma brincadeira. Eu sou branco, meu cabelo é bem parecido se eu deixar crescer. De modo que não é uma exclusividade do negro ter um cabelo grande ou deixa-lo grande. Menos ainda tê-lo crespo. 

Então, porque você tem certeza que alguma provocação de jogo sobre o cabelo do rapaz é relacionado a cor? 

Você acha que o Ibra não ouviu a vida toda que ele tinha que cortar aquele cabelo dele? Que o Valderrama ou o Biro Biro não eram sacaneados pelo cabelo? Que eu não ouvi a vida toda que meu cabelo era "ruim", ou que não me deram 200 apelidos quando eu deixava crescer? 

Alguém fez isso por racismo comigo? Não. Então vamos racionalizar a "compaixão".  Porque nós temos por quem sofre racismo e não temos por quem é criminalizado sem certeza dele ter cometido um crime?

Que horas a gente se torna irresponsável e arrogante ao ponto de julgarmos a intenção de alguém com absoluta certeza?

Veja bem. Não há qualquer camera ou registro do "macaco". A única coisa que está dita pelo árbitro na súmula é que ele diz pro Celsinho "Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha".  (Eu nem sabia o que era isso)

Todo mundo do futebol já ouviu coisa BEM pior. E então pra participar de uma onda precipitada de julgamento as pessoas começam a julgar o rapaz e destruir um acusado a troco de achismo. 

Talvez o acusado seja racista. Talvez não. Talvez ele tenha provocado exatamente porque o Celsinho já foi vítima de críticas ao seu cabelo e se incomodou com isso. Desestabilizar. Coisas do jogo. 

Talvez.

Mas o "talvez" é o exato ponto onde a gente interrompe nosso ímpeto de julgar e dá a qualquer cidadão o direito de defesa e o beneficio da dúvida. 

Isso, inclusive, é lei. 

Lei, no Brasil, hoje, é parecer engajado, meter dedo na cara e julgar pessoas de modo que você pareça alguém melhor. 

Mas não te faz melhor. Te faz tão covarde quanto. 

Eu vivo rodeado de pretos. Vivo no futebol, no samba, enfim. Voces sabem. Dos que se ofendem aos que não ligam. Dos que acham mimimi aos que olham tudo "por ele ser preto". 

Duvido de ambos.  

Mas não posso decidir isso por nenhum deles. E nem você. 

Ser preto não é necessariamente o motivo pelo qual você cita alguma característica dele pra xingar numa discussão. Embora possa ser o motivo, ele não é obrigatoriamente o motivo. 

E isso basta pra que a gente tenha, pelo menos, calma antes de destruir a reputação de alguém com um CRIME que não temos certeza se ele cometeu. 

Meu cabelo é "ruim" também. Sou julgado todo dia por coisas que não disse na internet. Minha intenção é determinada por terceiros e não por mim quando escrevo ou falo algo.  Todo dia alguém me rotula de algo que não sou. Todo dia pessoas me contam que me "odeiam" por algo que não fiz, mas que falaram que fiz. 

Eu tenho lugar de fala.  

RicaPerrone