Como começar um roteiro, uma história, uma apresentação, um vídeo?
"Por onde eu começo?" | ||
Essa perguntinha já deve ter surgido para você no momento de criar um roteiro, uma apresentação, um discurso, uma redação, um artigo. Essa dúvida também não é diferente para roteiristas de um filme ou série. | ||
A verdade é que sempre nos falam que boas histórias precisam ter começo, meio e fim. Mas nunca nos ensinaram como fazer bons começos, meios e fins. O que faz um começo de história ser bom? Existe técnica para responder a isso? | ||
A resposta é sim. E vou te ajudar neste artigo. | ||
Hoje olharemos para bons começos de história, e para isso pegaremos emprestado o começo do filme "Money ball", ou em português "O homem que virou o jogo", com Brad Pitt. A história de um homem que mudou a indústria do beisebol para sempre. | ||
Mas antes disso vamos à teoria rápida. | ||
Teoria: Como estruturar o começo de uma história? | ||
A principal função de um começo de história é deixar a audiência curiosa até o final do filme. Simples assim. | ||
Como fazer isso? É o que veremos agora: | ||
O protagonista e o processo de criação de Empatia | ||
O começo de qualquer história é o início do processo de criação de empatia da audiência com o/a protagonista. Ou seja é o momento de apresentar o/a protagonista e sua vida. | ||
Vulnerabilidades e Valores Universais REAIS | ||
Para gerar empatia, é preciso um(a) protagonista que seja como a audiência: imperfeito(a), vulnerável, com fortalezas, com fraquezas e alguém que carrega valores comuns a muita gente (valores universais, tais como ser amado(a), reconhecido(a), pertencente, etc). Essa imperfeição mostra para a audiência que aquele protagonista é real (ou que poderia ser real). | ||
O(a) protagonista é um espelho, ou uma metáfora para a nossa própria vida. | ||
O Universo à volta do personagem | ||
Para apresentar o personagem, não adianta falarmos apenas: "Olá essa é a Chapeuzinho Vermelho, imperfeita e vulnerável". Isso não é o bastante. É preciso MOSTRAR que ela é imperfeita e vulnerável, portanto, é necessário faze-la viver um EVENTO/CENA e observar suas ações e reações. | ||
No caso da Chapeuzinho, ela no inicio da história ingenuamente faz escolhas erradas e é enganada pelo Lobo Mau. suas ações e reações mostram como ela é vulnerável e imperfeita. Ao mesmo tempo, percebam que ela não é vulnerável por ser displicente, ela é ingênua. Para uma garotinha, isso é plausível. Sempre busque a verdade do seu personagem e pense no que ele(a) realmente faria. Caso contrário, a empatia não acontece. | ||
Portanto, para apresentar um personagem empático apresente onde ele(a) vive, quem está à sua volta, quais seus hábitos, ações, pensamentos, sentimentos, e qualquer informação que ajude a audiência entender o contexto que o/a protagonista vive, e quem ele(a) verdadeiramente é. | ||
Um grande conflito (incidente incitante) | ||
Quando a audiência tiver identificada com o/a personagem, é chegada a hora de plantar um evento chamado incidente incitante, que é um grande conflito. Esse é o momento mais importante para o início da história. | ||
O incidente incitante é um momento onde a vida do protagonista (o/a qual a audiência já se identificou) sai do equilíbrio, colocando seus valores mais profundos em risco. É um "ponto sem volta". | ||
Quando a vida de um(a) personagem sai do equilíbrio profundamente, automaticamente se dispara o desejo de voltar o equilíbrio, motivados por alguma razão humana e profunda. | ||
Exemplo: Quando Marlyn, o pai de Nemo, perde o único filho que ele tem no início da história, tudo que ele mais deseja é encontrar o filho novamente. Ele é motivado pelos instintos de sobrevivência mas principalmente pelo senso de proteção que ele tem pelo filho. Algo que todo mundo é capaz de entender. Portanto, mesmo Marlyn sendo um peixe e vivendo no fundo do mar, ele é um pai REAL, como qualquer homem da Terra. | ||
Obeservação: o incidente incitante não precisa ser um evento negativo na vida de um personagem. Pode ser algo positivo. Um incidente incitante pode ser uma promoção no emprego, pode ser ganhar na loteria, pode ser casar com a pessoa que sempre sonhou. O ponto é que independente se o evento for positivo ou negativo, é preciso que seja algo que tira a vida do(a) protagonista do equilíbrio e force-o(a) a agir e buscar algo. | ||
Quando o incidente incitante acontece, a sua audiência deve querer saber como a história vai acabar. E é assim que criamos o começo de uma história. | ||
Então vamos para um exemplo. | ||
PRÁTICA: ANÁLISE DE MONEYBALL | ||
Navegaremos cena a cena para mostrar como o personagem é apresentado, como ele é vulnerável, imperfeito, o universo a sua volta, o contexto que está vivendo e como um incidente incitante acontece. | ||
Cena 1: | ||
A história começa com o Gerente Geral do Oakland Athletics, Billy Beane (Brad Pitt) perdendo o campeonato de beisebol para os Yankees. Nitidamente ele fica frustrado, irritado, quebrando e jogando o radio pela janela do carro. | ||
No dia seguinte, ele vai conversar com o dono/investidor do Oakland. Na conversa ele revela estar extremamente frustrado, ferido e sem perspectivas de conseguir melhorar no ano seguinte. Seu time não tem dinheiro para competir com os grandes times. E pelo visto não terá mais dinheiro no ano seguinte. | ||
Para piorar, o dono do time diz que ele é apenas um técnico mediano treinando um time mediano, diz que ele precisa superar a derrota e afirma que Billy vai ter que se virar para achar novos talentos com pouco dinheiro. Se sentindo sem esperanças ele vai embora da sala do dono, sem nenhum tipo de apoio que o ajudaria de fato para temporada seguinte. | ||
Pausa: Vejam como o protagonista é apresentado. Em um momento importante da sua vida, onde ele está enfraquecido, vulnerável e aparentemente sem muitos recursos para virar o jogo. | ||
Cena 2: | ||
Billy está sentado em uma mesa com senhores conselheiros do time. Todos estão palpitando sobre quem seriam possíveis jogadores que eles poderiam selecionar para a próxima temporada para reforçar o time em desfalque. Nitidamente os achismos deles não parecem satisfazer Billy. Falam sobre características irrelevantes, tais como "o garoto de uma cara boa", "ele pode ser um super star", "ele está velho", entre outros. Então, Billy força os senhores conselheiros para pensar diferente, dizendo que aquilo não é suficiente para eles competirem contra os grandes times. Ele é desacreditado como se fosse um ingênuo e desagrada a todos. | ||
Pausa: Billy agora começa a mostrar que é um cara de opiniões fortes, mostra ser um homem duro nas palavras, e mostra também que ele está buscando saídas onde ninguém está acreditando existir. Será que ele vai encontrar alguma coisa? | ||
Cena 3: | ||
Billy tenta mais uma alternativa. Ele tenta negociar com o time Cleveland Indians, liderado por Mark Shapiro. Na sala estão diversos homens da confiança de Shapiro. Billy tenta fazer uma troca, uma compra ou uma venda de jogadores. Entre os oferecidos está um jogador chamado Garcia. Nesse momento, um rapaz (chamado Peter Brand) sussurra no ouvido de um conselheiro que sussurra no ouvido de Mark Shapiro, que nega a oferta pelo jogador. Billy pensa que Peter Brand aconselhou Mark Shapiro a não negociar. | ||
Billy sai da sala de reunião, entra na parte administrativa para encontrar Peter Brand e começa a interroga-lo. Quem é você? O que você faz? Por que Shapiro te ouve? Billy descobre que ele é analista de atletas, em seu primeiro emprego da vida, e aparentemente, Peter não se sente tão ouvido por Shapiro quanto Billy achava. Peter revela que ele havia sussurrado ao conselheiro a aceitar o Garcia, e não negado. Eles descem para o estacionamento e Peter revela como ele enxerga a indústria do beisebol, através de estatísticas, números e indicadores, deixando Billy intrigado. | ||
Pausa: Esta cena mostra uma luz no final do túnel para Billy. Ele encontra uma possível saída. Será que Peter Brand pode ajudar a encontrar talentos para o time, que nenhum dos conselheiros conseguiria? | ||
Cena 4: | ||
Na mesma noite, Billy liga para Peter para avisar que ele contratou Peter. No seu primeiro dia, alguns sinais agradam Billy. Ao pedir 03 analises de jogadores, Peter chega com 51 analises. Billy pede para Peter explicar as analises que ele faz. | ||
Através de números, linhas de código, e cruzamento de dados, eles chegam e indicadores que indicam quão valiosos são os jogadores, indicadores que ninguém consegue enxergar. Ele explica que as pessoas não escolhem jogadores por pre conceitos diversos, sem olhar as qualidades que ele realmente carrega. | ||
Peter acredita que existe facilmente um time campeão inteiro menosprezado pelos pré conceitos que eles conseguiriam pagar com a pouca grana que eles tem. | ||
Ao ver o que o Peter é capaz de enxergar, ele passa a ter a convicção de que esse é o caminho a ser seguido. Contratar os atletas mais renegados da indústria mas que apresentam boas estatísticas em suas funções específicas. E assim, Billy toma a decisão de mudar todo o time, começar a contratar as sugestões de Peter e mandar embora as estrelas do time. A fala que representa isso é Billy falando para Peter: "Se prepare Pete, nós vamos apostar tudo nisso". | ||
Pausa: Nesta cena Billy encontra a saída que ele precisava para virar o jogo. Ele está disposto a arriscar seu emprego e tudo que ele tem para vencer o campeonato. Desejos estão declarados e a história começa. Mas é claro que essa busca não será nada fácil. E assim começa Moneyball. | ||
Espero que tenham gostado. | ||
To be continued... |