Use mais a palavra *NÃO*

Atualmente boa parte do meu dia está dedicado a programação. Atividades como escrever código, conversar com meus sócios, time e clientes, resolver bugs e atender solicitações consomem boa parte do meu dia.

Estamos em um momento de crescimento e sempre chega a hora de contratar novos programadores. Gosto bastante de fazer isso e já tenho mais de 20 anos de estrada entrevistando, contratando e demitindo programadores, e por isso acho que já aprendi um bocado (principalmente aqueles aprendizados que não estão nos livros).

E desde o ano passado tenho observado uma tendência um tanto assustadora.

A pandemia veio e muitos segmentos de mercado foram prejudicados diretamente. Seja pelo fechamento de escritórios, indústrias ou lojas, como também com o consumo de várias áreas. Atualmente eu estou focado no segmento de varejo de moda, e a pergunta que sempre faço é: "qual foi a última vez que você comprou uma roupa?"

E é muito lógico isso né? Afinal, não tenho nenhum evento pra ir, tampouco estou indo para o escritório todos os dias, festinhas e balada então, quase nem me lembro como é.

Digo isso pelo seguinte. Nós programadores não podemos dizer que sofremos o mesmo efeito durante a pandemia. A busca pela "transformação digital", tão falada pelo mercado, de repente passou de um plano a ser executado nos próximos anos para uma necessidade urgente para a sobrevivência da empresa.

E aí que os programadores entram! O mercado está muito doido! Os salários estão cada vez mais altos e os profissionais estão cada vez mais pressionados por entrega de valor pra ontem.

E os caras de negócio estão com a corda no pescoço. Vendo as reservas, investimentos e vendas indo pro ralo, tentando desesperadamente se  "reinventar" e começar a operar suas empresas digitalmente.

E a salvação são os programadores!

Só que, fazer software já é difícil normalmente. Com esse cenário onde tudo é urgente e nada é realmente bem pensado, desenhado e planejado, fazer software se torna um desafio muitas vezes maior. E pior, com toda a galera de negócio no seu pé totalmente em pânico!

Nesse cenário, jornadas insanas durante a semana e no fim de semana, a ocorrência de muito mais bugs que o normal, funcionalidades pela metade, soluções que não se encaixam ou não se integram direito com as outras se tornam regra e não a exceção. E o caos impera!

Programadores em geral são seres peculiares. Tem uma grande dificuldade de dizer NÃO. E na grande maioria dos casos que eu vi, eles realmente vestem a camisa das empresas! E não é fácil dizer NÃO quando o futuro da empresa está praticamente nas suas mãos.

A natureza mais introspectiva, pensamento lógico e muitas vezes a "falta de malícia empresarial" deixaram os programadores totalmente estressados no último ano. Só não estão piores que profissionais de saúde.

Então soma-se o mercado totalmente doido em busca de programadores ao ambiente hostil que esse profissional, se encontra torna um terreno muito fértil para uma rotatividade altíssima nas empresas. E quando um programador abandona o barco, aquele caos tende a piorar muito! Não é nada fácil para outra pessoa começar de onde o desenvolvedor anterior parou.

Considero a falha na comunicação da galera de negócio com a galera técnica o grande fator que torna ainda pior o que já está terrível. E quando digo falha na comunicação é o pessoal de negócio escutar mais o que o programador está dizendo.

Ele está dizendo NÃO, mas não necessariamente com essas 3 letras. Muitas vezes está tentando ajudar com o máximo que pode. Só que tem um limite pra isso! E esse limite que só aparece depois de um burnout. Que quando dá tudo certo acontece após a entrega uma etapa do projeto. 

Nas últimas semanas entrevistei vários programadores e mais da metade deles responderam que estavam cansados, quando perguntei o motivo que eles estão buscando uma nova oportunidade.

Eu sempre repito que uma das nossas mais importantes funções como empreendedor é não criar uma "fabrica de câncer". É conseguir criar um ambiente de trabalho que seja sustentável pra nós e para quem está nessa jornada com a gente.

O mito de que o único jeito de alcançar o sucesso é ralando 14 horas por dia pra construir o melhor produto possível, definitivamente não é sustentável. Nem para o empreendedor e nem para o time, que será cobrado por esse empreendedor que "se dedique como ele para alcançarem o sucesso juntos".

Temos que parar de romantizar o comportamento workaholic e começar a se dedicar a criar empresas sustentáveis pra nós e para quem trabalha com a gente. Não existe NADA de errado em empreender trabalhando 40 horas por semana.  Qualquer um que exigir mais do que isso de você estará inevitavelmente investindo fortemente em uma fábrica de câncer.

Nenhum dinheiro vale isso!

Sua vida, sua saúde e seus relacionamentos são prioridade. Não abra mão disso nunca.