Os Sith Venceram.
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Os Sith Venceram.

“Você já ouviu falar na tragédia de Darth Plagueis?”

Silas Chosen
10 min
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“Você já ouviu falar na tragédia de Darth Plagueis?”

*Spoilers. Muitos spoilers*

Sith happens. 
Sith happens. 

Tem um momento em Star Wars Episódio IX - A Ascensão Skywalker onde o filme prometeu uma guinada. E eu, tolo, envolto na excitação de estar vendo mais um Star Wars no cinema, acreditei. É mais ou menos do “meio pro começo”, quando nossos heróis estão na primeira parte da caça ao tesouro. 

O ritmo do filme, a falta de propósito para quase todas as ações dos personagens e a pior coisa já feita num filme dessa saga já estavam evidentes, e incomodando muito. Mas nem tinha passado uma hora de filme ainda. As atuações estavam segurando. O malabarismo digital para não eliminar Carrie Fisher do filme ainda parecia lógico. Ninguém tinha feito nenhuma revelação estúpida que recontextualizava 40 anos de história a troco de absolutamente nada.

Os protagonistas precisavam achar um MAGUFINHO* que ia apontar para outro MAGUFINHO que ia funcionar através de TECHNOBABBLE para levar os heróis ao objetivo. Sem problemas aí. Meio diferente pra Star Wars mas ok. Então a Rey sai da nave. Acho que porque “sentiu algo”. 

O Chewbacca sai da nave também. Devia estar quente lá dentro, sem ar condicionado. E ele tem os pêlos todos, enfim. Daí aparece o Kylo Ren, tenta atropelar a Rey, (ele queria matá-la? Não? Ué) ela dá uma pirueta. Aí prenderam o Chewbacca, putz! 

Tudo bem. Nada nessa última cena fez sentido. Star Wars sempre foi “cinema pipocão”, mas até mesmo nas temidas prequels os personagens eram coerentes, as motivações eram claras, a história fazia sentido. Os atores estavam congelados, mas dava para entender o que estava acontecendo. Mas ok. No final da cena em questão, a Rey solta um raio e destrói o transporte que levava o Chewie. 

BOom.
BOom.

Wow.

Um personagem apresentado no filme original, em 1977, amado, icônico, inimitável (o que nunca impediu ninguém de tentar) foi morto por conta de um erro da protagonista da história. Sem chance de voltar. A Rey sentiu. Eu senti. Milhões de vozes sentiram. 

A coragem necessária para criar um ponto de virada DESSES, que iria repercutir no resto do filme como algo dramático, intenso, iria modificar completamente a vida dos personagens, e seria escrutinado pelos fãs da saga pelo resto de nossas vidas. 

É claro que eles tinham que voltar atrás. O briefing do filme tinha deixado claro: nenhuma crise, nenhum conflito, nenhuma consequência.

Quando Colin Trevorrow foi convidado a se retirar da direção do Episódio IX, sentiu-se um alívio parecido com aquele que acompanhou a notícia de que Rian Johnson ia cuidar do Episódio VIII. Trevorrow tinha dirigido Jurassic World, um filme objetivamente ruim, e O Livro de Henry, um filme objetivamente insano. Culparam - você já sabe - as DIFERENÇAS CRIATIVAS (mais sobre isso abaixo). 

Trouxeram então de volta o J.J. Abrahms, que tinha iniciado essa trilogia toda. Estava tudo bem. Em O Despertar da Força o J.J. tinha conseguido um resultado milagroso: fez uma ponte entre a Trilogia Clássica e nosso cinema contemporâneo, sem deixar de lado a velha guarda de fãs. Se o filme é derivativo e meio previsível, podemos perdoar. O talento de J.J. para cenas de ação, para escalar os atores perfeitos para papéis perfeitos, para começar uma história com o pé na porta foi essencial. 

Em 2017, Rian Johnson pegou tudo isso e fez uma lição de casa muito mais centrada no que os personagens significavam, nos lembrou de porque nos apaixonamos pela saga em primeiro lugar, fazendo um filme sobre culpa e redenção que elevou a saga como um todo. 

É disso. 
É disso. 

Muita gente não gostou por motivos legítimos. Muita gente não gostou porque tem medo de crescer. Muita gente não gostou porque é racista e machista. Muita gente não gostou porque Star Wars tem que ser um passeio pela infância sem riscos e sem dificuldade. Não pode ser outro Cinema.

J.J. Abrahms então ficou entre uma cruz cinematográfica e uma espada falsa. O filme precisa ser amado. E Os Últimos Jedi foi um filme odiado… Ou assim pareceu, dado o esperneio dos infantes na Internet. Ninguém parece ter prestado atenção no universo de gente, críticos e público em geral, que amaram o filme. Ou nos números da bilheteria. A Bolha da Internet gritou - algo precisa ser feito. 

O resultado é que A Ascensão Skywalker tem somente uma função: agradar o público. E talvez nunca saberemos** quem realmente deu a primeira ordem (há) do tal briefing, o princípio do fim: tem que reverter tudo que os fãs reclamaram no filme anterior. J.J. não tinha só que ignorar forte vários elementos do filme anterior, além de fazer um filme que não andasse nem pra frente e nem pra trás. Ainda tinha que construir o filme em volta do que tinha sobrado de conteúdo da Carrie Fisher.

O diretor então focou no que ele considera suas forças: energia, velocidade, surpresas. O problema é… Que isso nunca foi força alguma. Quando seus filmes funcionam, funcionam muito mais pela humanidade dos personagens e pelo já mencionado casting certeiro. Missão Impossível III só não é completamente apagado da memória pelos sucessores porque tinha um Phillip Seymour Hoffman ali. Star Trek tem um monte de pataquadas inacreditáveis, mas Chris Pine e Zachary Quinto (e porque não, Zoe Saldana, Karl Urban e Simon Pegg) seguram o filme muito bem.

O infame preceito da “Mystery Box” é muito legal para fazer uma Ted Talk, mas para criar uma história coerente por si só é inútil. Quando, em Star Trek Além da Escuridão, Benedict Cumberbatch revela que é Khan, é quase cômico como Kirk e Spock continuam ali sem REALIZAR porque aquela revelação deveria importar. Já viu aqueles filmes que usam “o choque pelo choque”? Aqui o que vale é a “surpresa pela surpresa”. E ela é igualmente esquecida na pizza depois do cinema. Então bora lá responder perguntas que não importam nada para ninguém. 

A sacada genial de Rian Johnson, de subverter a ideia de que os pais da Rey seriam importantes, resolvia tão lindamente essa bobagem de Mystery Box. Não só porque libertava o Episódio IX de ter amarras tão chinfrim, mas porque encaixava-se tematicamente na mais necessária mensagem da saga: a grandeza não depende de herança, depende de coragem e bondade. Ela pode vir de qualquer lugar.

Mas J.J. e Chris Terrio e quem mais que tome decisões lá dentro só pensavam em reprisar o que deu certo. Porque nada pode dar errado dessa vez. Vamos limar qualquer arco e crescimento que “personagens sem importância” como Finn e Poe possam ter tido em Os Últimos Jedi (o arco do Poe em Os Últimos Jedi é, de longe, uma das melhores coisas dessa trilogia). 

Vamos inclusive fazer a pior coisa que um filme da saga já fez, legitimando um bando de babacas misóginos e dando a eles o que querem: defenestrar a Kelly Marie Tran porque a personagem dela ousou ser “mulher”, “asiática”, “importante” e “a voz de um tipo de inocência que nasceu com a saga, mas ninguém lembra”. O filme poderia ter sido coerente, quiçá bem escrito. Se ainda legitimasse esgoto da internet, ainda assim seria imperdoável. 

A maior vítima.
A maior vítima.

Dadas as recentes revelações, a gente até consegue acreditar naquela ladainha de “Diferenças Criativas”. Com mais e mais redutos confirmando que o suposto “roteiro da versão de Colin Trevorrow” vazado recentemente é mesmo verdadeiro, podemos ver exatamente quais os caminhos precisos que as Forças Mandantes queriam evitar. 

Como uma presença maior de Rose. Como Finn sendo um “Spartacus”, criando uma revolução nos stormtroopers. Com um monte de elementos lógicos que saíram de Os Últimos Jedi. Com Luke Skywalker fazendo mais do que uma aparição bobinha, definitivamente assombrando Kylo Ren como ele prometeu que faria (apesar de que, convenhamos: que cabelo fabuloso colocaram no velho Luke hein). Mais uma ideia de fechar arcos lógicos, e não de voltar atrás e ter um “antigo vilão” sem sentido. Uma redenção completamente torta, mas “com precedentes preciosos”. Mas acima de tudo, lembrando que qualquer um pode ser um Jedi. 

Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Anthony Daniels, Lupita Nyong’o, Mark Hamill. Todos eles mereciam estar num filme muito melhor porque entregam trabalhos mais do que decentes dado o material. Adam Driver mostra porque é um dos melhores atores de sua geração, conseguindo fazer uma virada disfuncional e barata de personagem parecer honesta e doída. 

Ian McDiarmid retorna àquela canastrice tão querida de caras, bocas e a voz de Palpatine, sem culpa alguma do que a decisão de seu retorno faz não só com essa trilogia, mas as outras também. John Williams não só dá as caras como faz seu melhor para nos dar um cobertor quentinho de nostalgia e de dramatização. Até levou indicação ao Oscar, batendo o próprio recorde.

Há um paralelo com a realidade que o filme realiza meio sem querer, mas que os dois anteriores já tinham cuidado de estabelecer. De que o mal nunca morre. Se a metáfora de Star Wars sempre foi que a amizade, a lealdade, a rebeldia e até mesmo a democracia podem subverter o autoritarismo, a maldade e a busca de gente péssima por poder, novas trilogias só podem significar que essa luta precisa ser constante, pois o mal vai retornar. 

O mal retornou tanto numa galáxia muito distante quanto no nosso planetinha, e ninguém são vai discordar disso. O problema é que o mal não é um fim em si mesmo, o mal é uma consequência de inúmeros outros percalços da nossa existência. Infelizmente, se o Palpatine ressuscitou uma vez, nada impede ele de ressuscitar novamente. A esperança morre, e vida longa ao império.

O cinema pop precisa ser capaz de ser mais inteligente. Na hora em que a coisa mais importante que temos na nossa cultura, a nossa habilidade de contar histórias imortais, se dobra perante um mercado imprevisível, neo-fascistinhas de fralda com um megafone nas arrobas, o medo de não ser aceito e a primeira diretriz de “agradar”, nós perdemos tudo.

Ganhei.
Ganhei.

Perdemos a temática. Perdemos qualquer atitude que tenha consequência. Perdemos a esperança. Perdemos exemplos. Perdemos um pedaço da imaginação. 

Mas nem todo mundo perdeu.

Os Sith venceram. 

* MAGUFINHO é como eu vou chamar um McGuffin, termo cunhado pelo Alfred Hitchcock para descrever um “dispositivo do enredo, na forma de algum objetivo, objeto desejado, ou outro motivador que o protagonista persegue, muitas vezes com pouca ou nenhuma explicação narrativa”, segundo a Wikipedia. 

** Se você chegou aqui, deve ter lido o artigo todo e percebido que não fizemos nenhuma questão de abordar certos boatos sensacionalista que tem tão pouco a ver com Cinema e tem muito mais a ver com “como as pessoas acham que o cinema funciona”, que vieram com hashtags e tudo mais. Não podemos assistir um filme de maneira coerente à luz de boato infundado no canto de um fórum de internet. Não podemos levar em conta explicações que funcionam mais para explicar que o mundo é que nem a gente pensa, e menos para explicar que sim, esse é o mesmo diretor de Star Trek Além da Escuridão.