Nossa primeira final
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Nossa primeira final

Oi, vim buscar o Arthur. Eram 16:30 do dia 19 de outubro de 2022, dia de nossa primeira final juntos e eu estava buscando meu filho na escola antes do horário normal de saída. Não era um dia normal. Aquele dia que eu já sabia que ia lembrar p...

LM Sencier
5 min
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Oi, vim buscar o Arthur. Eram 16:30 do dia 19 de outubro de 2022, dia de nossa primeira final juntos e eu estava buscando meu filho na escola antes do horário normal de saída. Não era um dia normal. Aquele dia que eu já sabia que ia lembrar pra sempre na vida. 

-Filho, sabia que o papai vai lembrar pra sempre de hoje? É nosso primeira final juntos no Maraca.

-Sim, você já disse isso dez vezes, mas e se perder, papai? 

-Perder, filho? Como assim? Nós somos -Flamengo, a gente não pensa em derrota nunca, a gente vai e vence. 

-Ah tá! Papai, cadê meu Oreo? 

-Tá aqui filho.

No nosso ritual de ir pro jogo do Flamengo algumas coisas não podem mudar. O Oreo no carro a caminho do maraca é uma delas. É a mandinga inicial da nossa jornada rubro negra, o primeiro sorriso de uma noite que terá alguns outros.

O engarrafamento é chato. A gente não gosta. Mas confesso que tem suas vantagens. É a hora do nosso momento que ele fala a palavra que mais gosto de ouvir: 

-Pai, tá chegando? Pai, buzina. Pai, acelera logo. Pai, pq não anda? Pai, e se nosso carro voasse? Pai… pai… pai… 

-calma filho. Estamos chegando.

Do estacionamento pra esquina que a gente para pra tomar uma cerveja e um Guaracamp, parte do ritual, é uma caminhada rápida, tranquila. Olhamos para os dois lados para atravessar, pulamos os buracos da rua, não pisamos nas linhas do chão . Pronto, pausa. Uma Heineken e um Guaracamp seguidos de um xixi na árvore. A mesma árvore. Sempre. Sim, voce já sabe, faz parte do ritual.

Dessa vez o caminho final pro Maracanã foi interrompido. Pessoas voltando e sugerindo não ir agora. Tentativa de invasão e muito gás de Pimenta.

Papai, o que é gás de pimenta? 

-Um negócio que arde o nariz e os olhos, amigão. 

-Ih, legal, quero cheirar gás de pimenta. 

Sorrisos, mesmo em um momento raro de tensão que ele nem passou perto de perceber. Teríamos mais alguns ainda com a bola rolando. Esses ele perceberia.

Demos a volta. Fizemos um caminho diferente. Tranquilo. Ele já reconhece: Olha ali o Maraca. Olha Ali nossa entrada.

Entramos. Chegamos. Coluna 42, Fila AA. Ritual. Sempre. Tio Mesquita e o Dindo Marcos estão juntos. Os outros amigos que sempre sentam no mesmo lugar também. Vai rolar a bola. Todo ritual até aqui é pra esperar esse momento. Bola rolando. 6 minutos, gol. Nosso olhar se cruza, os gritos se juntam e o primeiro abraço é sempre, sempre nosso. Mas em segundos são 5, 10, 15 abraços juntos. Nossa família do Maraca comemora junto. A gente se olha novamente, gritamos Vamo, segue o jogo.

-Filho? (Sim, dessa vez eu que chamei)

-Oi, papai

-Dorivaldiola fez o Pedro ter ebola, é bola na rede dos rival (sic) a toda hora. 

Diz a canção do Futparodias. A gente vê junto. A gente canta junto. Arthur ri e pergunta:

-Papai, vai ser fácil né?

-Acho que não filho. Final nunca é fácil.

Mais 80 minutos de jogo. Disputado. Podíamos ter feito mais. Impedimento por milímetros. No maraca, nossos amigos juravam que tinham visto: não tava. Não tava.

-Tava impedido, papai?

-Não dá pra ver filho

-Como eles disseram que não tava

-Sei lá. Devem ter visão de super homem.

E prece que eu já sabia. No segundo tempo o Corinthians domina, empata. Mas no momento ruim a gente sabe o que fazer. O gol do adversário é (quase) sempre seguido do hino do Flamengo. Ele já sabe. Ele canta. O Flamengo segura. 

E vamos aos penais. Final nunca é fácil. Nem deveria mesmo, precisamos ter história pra contar para nossos filhos, netos.

-Caraca, Papai. Vai pros pênaltis igual meu vídeo game né? 

-É filho. A mesma coisa.

Vai começar.

Gol deles.

Filipe Luís na bola. Cássio defende. Eu tiro o boné, esfrego o rosto. Me sento. Cabeça baixa. Arthur também se abaixa, pega meu rosto e força minha cabeça pra cima. 

-Papai, vamos virar. Aqui é Flamengo. A gente não pensa em derrota, lembra?

Ali não podia mais dar errado. As pernas ganharam força, o pulmão se encheu de ar novamente, os gritos foram mais altos. A cada gol do Flamengo ou penal perdido do adversário nosso ritual de comemoração se repetia até a última cobrança. Rodinei na bola. Silêncio. Gol. Campeão. Explosão. Eu abri os braços pra ganhar o abraço, o primeiro como sempre, não veio. Arthur estava de olhos fechados, gritando sozinho, os punhos serrados se sacudiam no ar. Ali era ele e o Flamengo. Era o momento deles. Arthur e Flamengo. Eu entendi que o amor que o Papai sente agora é dele também. Chorei. Esperei. Admirei. Arthur abre os olhos e pula no meu colo. O abraço dele é seguido por muitos outros, como sempre. Somos campeões. O nosso primeiro juntos, no estádio, como pai e filho, como amigos, como Flamenguistas, como meu pai também me ensinou, me levou, me mostrou, como eu consegui também. E o meu amor rubro-negro virou nosso amor. O Flamengo agora é dele também. A minha segunda casa virou nossa segunda casa. E o ritual? Esse sempre foi nosso mesmo.

-Filho?

-Oi, Papai

-Obrigado

-Mas porque, pai?

-Por fazer meu dia mais inesquecível do que seria.

-De nada papai. Agora me empresta o celular?

-Depois do túnel, filho.

E seguimos. Até a próxima.

Luiz Marcelo Sencier, Pai do Arthur e tetracampeão da Copa do Brasil