A vovó era benzedeira. benzia de espinhela caída, mau olhado e outras coisas que não tenho a menor ideia do que sejam, mas era boa benzedeira. Lembro dela com os raminhos de ervas e de costurando um pedaço de tecido. vinha bebê, menino e men...
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Minha infância girava em torno do quintal e da casa dela. Dividíamos essa vó com o grilinho, a Beth, com o zuis, com as gêmeas, com o emílio, meu primo Oculos e com todos os meninos e meninas que brincavam debaixo da mangueira, que fumavam ramo de bucha seca bancando faroeste, que também eram netos e netas porque ali era a casa da vó. vó Angelina. tinha mangueira, lenha, tacho, forno de barro, bananeira, cerca de bucha. vaquinhas de bucha, carrinhos de óleo de amendoim e chinelos e uma imensidão que nossa imaginação multiplicava. tinha vinho e cotuba no domingo. macarrão servido numa bacia e um mundaréu de gente. talvez eu soubesse, mas já não me lembro o motivo, uma lata com serragem úmida com duas garrafas. uma na horizontal em baixo e outra vertical no centro. um tacho em cima e um fogo lento. cozinhava roupa, sabão, banha de porco ou apenas poções mágicas em uma grande pá de madeira que viravam doces e compotas. Imagina qualquer coisa, essa coisa era feita da maneira mais complicada, difícil e com ritual próprio. O vovô no alpendre que contou todas as piadas porcas e infames aos netos com 5, 6 anos. o vovô era um caso a parte, fica para outra história. Tudo isso para falar do pão da vó. ela fazia bolachinha de pinga, mas o pão... ahhh o pão! sabe a maneira de fazer difícil e com ritual, o pão era a perfeição das técnicas, dos aromas, do se demorar e complicar. Fermento caseiro, a quarta parte em três de farinha. amassa, amassa, descansa, cobre com o cobertor que se usa para passar roupa. monta o cilindro, cilindra, cilindra, cilindra ad eternum até dobrar e fazer bolhinha de ar no final. molda o pão. descansa... horas e horas até ficar pronto. enquanto isso lenha no forno de barro, lenha vira carvão, arrasta carvão para o canto. coloca o pão. Pão assado vai para a lata. e o aroma sobe ao céu e Deus se alegra abençoando a vó, sua casa e seus netos. Ganhei uma medalhinha de Maria, reza a lenda que benzida pelo Papa Paulo VI e ganhei também o dom de mãos que fazem pães. se minha casa é digna de bençãos, agradecido sou pela herança recebida. (08/08/2017) | ||