Sou neto de D. Angelina!
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Sou neto de D. Angelina!

A vovó era benzedeira. benzia de espinhela caída, mau olhado e outras coisas que não tenho a menor ideia do que sejam, mas era boa benzedeira. Lembro dela com os raminhos de ervas e de costurando um pedaço de tecido.  vinha bebê, menino e men...

Domingos
2 min
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Vovó,vovô e tia Cida
Vovó,vovô e tia Cida


A vovó era benzedeira. benzia de espinhela caída, mau olhado e outras coisas que não tenho a menor ideia do que sejam, mas era boa benzedeira. Lembro dela com os raminhos de ervas e de costurando um pedaço de tecido.  vinha bebê, menino e menina, vinha adulto para a vó benzer. Muito católica, devota de Maria, fazia terço e festa junina, atendia a todos que procuravam.  lembro também que ela era vó ( que vó!), mas uma vó muito gostosa, daquelas que te colocam ajoelhado no milho com a cara na parede, que me fazia abraçar e beijar o Dú depois de uma briga, nunca correu atrás de mim para dar uma cintada. era também onipresente e seu olhar já dizia tudo. não foi uma ou duas vezes que me castigou, foram muitas, tanto quanto foram as estrepolias que fizemos em sua casa. imagina uma casa de vó, com cheiro, gosto e coisas de vó.

Minha infância girava em torno do quintal e da casa dela.  Dividíamos essa vó com o grilinho, a Beth, com o zuis, com as gêmeas, com o emílio, meu primo Oculos e com todos os meninos e meninas que brincavam debaixo da mangueira, que fumavam ramo de bucha seca bancando faroeste, que também eram netos e netas porque ali era a casa da vó. vó Angelina. tinha mangueira, lenha, tacho, forno de barro, bananeira, cerca de bucha.  vaquinhas de bucha, carrinhos de óleo de amendoim e chinelos e uma imensidão que nossa imaginação multiplicava.  tinha vinho e cotuba no domingo. macarrão servido numa bacia e um mundaréu de gente. talvez eu soubesse, mas já não me lembro o motivo, uma lata com serragem úmida com duas garrafas. uma na horizontal em baixo e outra vertical no centro. um tacho em cima e um fogo lento. cozinhava roupa, sabão, banha de porco ou apenas poções mágicas em uma grande pá de madeira que viravam doces e compotas.  Imagina qualquer coisa, essa coisa era feita da maneira mais complicada, difícil e com ritual próprio. O vovô no alpendre que contou todas as piadas porcas e infames aos netos com 5, 6 anos. o vovô era um caso a parte, fica para outra história. Tudo isso para falar do pão da vó. ela fazia bolachinha de pinga, mas o pão... ahhh o pão! sabe a maneira de fazer difícil e com ritual, o pão era a perfeição das técnicas, dos aromas, do se demorar e complicar. Fermento caseiro, a quarta parte em três de farinha. amassa, amassa, descansa, cobre com o cobertor que se usa para passar roupa. monta o cilindro, cilindra, cilindra, cilindra ad eternum até dobrar e fazer bolhinha de ar no final. molda o pão. descansa... horas e horas até ficar pronto. enquanto isso lenha no forno de barro, lenha vira carvão, arrasta carvão para o canto. coloca o pão. Pão assado vai para a lata. e o aroma sobe ao céu e Deus se alegra abençoando a vó, sua casa e seus netos. Ganhei uma medalhinha de Maria, reza a lenda que benzida pelo Papa Paulo VI e ganhei também o dom de mãos que fazem pães. se minha casa é digna de bençãos, agradecido sou pela herança recebida. (08/08/2017)