Conto: O Diário (Parte III)
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Conto: O Diário (Parte III)

Acabei de reler o livro um ano depois, num domingo cinza e chuvoso.

Gisele Lance
2 min
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Acabei de reler o livro um ano depois, num domingo cinza e chuvoso.

Pensei em quebrar o "protocolo" e ir até a casa do Sr. Edgar, senti um forte impulso de visitá-lo, alguma coisa parecia me dizer que tinha que ir vê-lo.

Caia uma chuva torrencial naquele domingo... 

Está bem, devo admitir que a chuva não era tão forte assim, e... bem, era domingo, toda segunda já tínhamos nossa resenha marcada... 

Pois bem, no dia seguinte, cheguei ao Sebo e estava tudo fechado; as janelas, a porta frontal e o portão lateral que levava à residência na parte de cima da livraria.

Bati na porta, bati palma, assoviei, por vezes gritei o nome do Sr. Edgar...

Repeti esse processo, aumentando a intensidade da palma, do sopro e da voz, e nada de Sr Edgar.

 Depois de muito alvoroço, a proprietária da loja de crochê ao lado, numa "velocidade Dorival Caymmi", veio ao meu encontro com um pacote de seda turquesa e um envelope.

Fiquei ali paralisado por vários minutos.

Voltei para a casa nem me lembro como, só lembro-me de estar sentado na cama, pegar o envelope (depois de hesitar fazê-lo muitas vezes) e ler as seguintes palavras sem rodeios:

_ Filho, vou ser internado hoje e sei que não voltarei do hospital com vida.

Deixo-te este livro, queria eu poder deixar-te a obra toda do autor, bem como meu estimado Sebo, e até a Biblioteca de Alexandria, infelizmente não está no poder das minhas mãos fazê-lo.

Só tenho mais três coisas a lhe dizer:

-Não vá a meu velório e enterro.

-Continue lendo e relendo os clássicos, com a calma e cuidados de sempre.

-Você é como um filho para mim, tenho orgulho do homem que você se tornou. Amo-te muitíssimo.

Seu amigo e tutor:

Edgar Macedo

 Abri o pacote e era; "O Idiota".

Quis sorrir e imaginar uma anedota que Sr. Edgar faria com o título do livro, mas a dor era cortante demais.

O luto não me permitiu ler, não li nem jornal, nem receita de bolo, por bastante tempo...

Quando o padecimento diminuiu e a saudade de ler aumentou, entendi que era hora de voltar aos clássicos.

Voltei a ler. Voltei para os braços ternos da literatura.  Tempos depois, ironicamente numa tarde chuvosa e cinza de segunda-feira...

Continua...

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