A História de Zé-Bocó e o Santo que fazia Milagres
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A História de Zé-Bocó e o Santo que fazia Milagres

Fiquei sabendo de um caso, que escutei por acaso lá perto de Catiguá. Catiguá é uma cidade; pequena, é bem verdade, que fica um pouco prá lá da região de Rio Preto; e que trato com respeito pelo povo cordial. Mas vou contar, afinal, um caso q...

Ti Bianchini
5 min
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Fiquei sabendo de um caso, que escutei por acaso lá perto de Catiguá. Catiguá é uma cidade; pequena, é bem verdade, que fica um pouco prá lá da região de Rio Preto; e que trato com respeito pelo povo cordial. Mas vou contar, afinal, um caso que, por sinal, fiquei sabendo através de um cabra, que me deu dez motivos prá acreditar naquela história maluca, que não me saiu da cuca, e que a vocês vou contar:

Existia um vilarejo, pelo Brasil sertanejo, onde tinha uma igrejinha e um padre prá rezar. E o padre era devoto: nem mesmo com terremoto saía daquele altar. Acontece que um dia veio na carroceria de um velho caminhoneiro a estátua de um santo, que o padre dizia tanto praquêle povo faceiro: “Esta imagem tão bonita; praquêle que acredita, este santo é milagreiro!”

A cidade, em romaria, pegou a imagem fria e levou até o altar. E o padre, imponente, dizia praquela gente, com ar de inteligente: “Deixe o santo descansar!”. A cidade então fez festa; fez novena; fez seresta; e sob a guarda do padre foi deixado aquele santo; aquela imagem que, por encanto, tinha o dom do milagre.

Havia, naquelas banda, vilarejo onde se anda de charrete e de cavalo, um cabra chamado Zé, que vivia andando a pé, e que teve um estalo: “Se eu roubá o bendito, eu passo a vida bonito, sem nunca mais passá fome!”. O Zé era um cabra tonho, que ficou com este sonho de um dia ser um homem muito rico e respeitado, ao invés deste coitado de quem todos tinham dó. E assim foi planejada para aquela madrugada pelo pobre Zé-Bocó uma maneira porreta de roubar a estatueta e para casa levar. Existia, no entanto, um problema que nem  o santo era capaz de resolver: como efetuar o furto, sem aquele padre astuto nem, ao menos, perceber? De fato, era bem penoso roubar o santo valioso da enorme fortaleza; e exigia destreza do nosso caro ladrão. Mas conseguiu adentrar na igreja e no altar e, sem fazer estardalhaço, pôs o santo embaixo do braço e conseguiu escapar. Só deixou um bilhetinho, escrevendo direitinho prô padre não lhe bater, porque o pobre coitado pegara o santo emprestado, mas iria devolver.

Chegou no seu sitiozinho, onde morava sozinho, e sem fazer alarido, foi entrando escondido e, num banquinho vermelho foi colocando a figura, e da maneira mais pura, colocou-se de joelhos. Porém, para seu espanto, aquela imagem do santo pôs-se, com ele, a falar:

- Que queres, meu caro Zé? Lhe darei o que quiser se, para isso, rezar... 

O Zé, bastante assustado, percebeu que era pecado aquilo que tinha feito: pegar o santo, deste jeito, sem nem mesmo saber direito se seria recompensado. 

Mas o Zé era inocente: o seu pedido “indecente” era para simplesmente não precisar trabalhar, e nem pegar numa enxada, e nem labutar em nada, pra poder se alimentar. E o santo, sem demora, fez o Zé, na mesma hora, na Loteria acertar.

Mas veio a ganância burra, que nossa cabeça empurra pra gente fazer maldade; e o Zé pediu, então, prá vencer as eleição prá prefeito da cidade. Aí o santo, comovido, atendeu a este pedido do Zé, que daquele jeito, deixava de ser Bocó para virar Zé-Prefeito.

Acontece que existia uma certa Ana Maria, por quem Bocó tinha apreço. Era moça recatada; não acreditava nada naquela estátua de gesso. Mas o Zé, apaixonado, tentou de todos os lado um meio de a conquistar; mas ela havia dito que achava ele até bonito, mas que por causa do santo não iria se entregar. Só que o Zé, matreiro, foi pedir pro padroeiro prá com ela se casar.

Acontece, no entanto, que desta vez este santo não realizou seu sonho:

- Lamento, mas seu pedido não pode ser atendido; pois eu não sou “Santontonho”!

Foi aí que o Zé-Bocó viu se reduzir a pó o seu sonho mais profundo, que todo o dinheiro do Mundo não poderia comprar: “Que adianta a regalia, se com a Ana Maria eu não posso namorar?”. A vida era deste jeito: nosso pobre Zé-Prefeito  começou a perceber que de nada adiantaria pedir por Ana Maria, pois não ia receber. E então, enraivecido, fez seu último pedido para aquela imagem fria:

- Seu santinho-do-pau-oco! Faça voltar, daqui a pouco, tudo como aquele dia, quando aqui você chegou, e sem querer me tirou o amor de Ana Maria!

O santo, com seu segredo, fez num estalar de dedo tudo voltar ao normal. E o Zé, do mesmo jeito, deixou de ser Zé-Prefeito prá ser Bocó afinal; e como era perigoso deixar o santo ao gozo de toda aquela cidade, o Zé, com uma marreta, pegou a estatueta e a quebrou na metade.

E assim terminou a saga do Zé-Bocó, que hoje paga prá não se meter com santo. E, por tremenda ironia, é casado com a Maria, a quem ele adora tanto.