Digital Twins: fácil na teoria, desafios na prática
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Digital Twins: fácil na teoria, desafios na prática

#0006: Uma hype do mercado de tecnologia para AEC é falar sobre as maravilhas e grandes possibilidades que se abrem quando falamos de modelos digitais de estrutura reais, mas qual o ônus e o bônus de tal approach?

Tiago Ricotta
12 min
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#0006: Uma hype do mercado de tecnologia para AEC é falar sobre as maravilhas e grandes possibilidades que se abrem quando falamos de modelos digitais de estrutura reais, mas qual o ônus e o bônus de tal approach?

Conceitos, sempre eles (1/7)

Se você está no mundo de tecnologia para Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC) em algum momento da história você deve ter se deparado com o termo Digital Twins (Gêmeos Digitais).

tudo é um e um é tudo - já dizia Fullmetal Alchemist
tudo é um e um é tudo - já dizia Fullmetal Alchemist

Geralmente o termo é usado como uma forma de atrair atenção para uma junção de Internet of Things (IoT - Internet das Coisas) & modelos digitais (muito associado com BIM) e assim discutir sobre como a operação e coleta de dados podem influenciar na tomada de decisão tanto na parte de projeto como na parte de operação de equipamentos e empreendimentos de diferentes escalas.

Claro que podem existir milhões de outras interpretações e formas de ler o tema, principalmente se você está ativamente pesquisando sobre o assunto, logo, não se ofenda se esse for o caso, estamos aqui para trazer pontos de vistas e concordar em discordar caso se trilhe este caminho. 😉

Como já estamos habituados, vamos definir alguns conceitos antes de saltar do avião sem paraquedas:

O que são Digital Twins?

Um Digital Twin (Gêmeo Digital) é uma representação virtual de um objeto ou sistema que abrange seu ciclo de vida, é atualizado a partir de dados em tempo real e usa simulação, aprendizado de máquina e raciocínio lógico para ajudar na tomada de decisão.

O que é a IoT?

A Internet das Coisas (Internet of Things - IoT) descreve uma rede de objetos físicos - “coisas” - que são incorporados com sensores, software e outras tecnologias com o propósito de conectar e trocar dados com outros dispositivos e sistemas pela Internet. Esses dispositivos variam de objetos domésticos comuns a ferramentas industriais sofisticadas.

Em teoria é possível construir virtualmente através de um modelo digital um ativo (objeto / empreendimento / cidade) e realizar o seu monitoramento em tempo real através dos sensores que estão conectados neste ativo.

Na prática existem alguns desafios para serem superados, vamos começar então a discussão.

Como se cria um Digital Twin? (2/7)

Como arquitetura de solução existem algumas possibilidades e caminhos que podem ser trilhados, não existe uma única forma de construir algo do tipo, é possível fazer isto com uma arquitetura de vendors (fechada), aberta (padrões neutros) ou um misto dos dois.

Em uma arquitetura fechada, utilizando o que os principais vendors de tecnologia acabam disponibilizando (Amazon, Microsoft, Google..), no geral temos a seguinte configuração:

Fonte: Autor
Fonte: Autor

Basicamente, seria necessário:

1. Dispositivos com sensores conectados na internet;

2. Banco de dados para coleta dos dados dos sensores nos dispositivos e informações gerais dos próprios dispositivos, objetos / empreendimentos e empresas / usuários;

3. Serviços em nuvem para captura dos dados dos sensores, infraestrutura (storage e banco de dados) e trigger de eventos (possivelmente opcional);

4. Do lado de projetos, o modelo digital e as informações do ativo;

5. Aplicação web do Digital Twin conectando tudo;

Em uma arquitetura aberta / mais acessível atualmente para infraestrutura e devices existe a Arduino Cloud onde é possível conectar até 100 dispositivos, ter dashboards ilimitados, até 1 ano de retenção dos dados coletados além de API para brincar à vontade.

Do lado de projetos arquivos IFC podem ser utilizados e seria necessário encontrar uma solução de um server online com API para acessar os dados e fazer os links dos objetos com os sensores.

Já participei de um projeto utilizando arquitetura fechada no qual foi possível fechar de ponta a ponta a solução. Na arquitetura aberta é algo que imaginei escrevendo esse artigo, pode ser um caminho, mas com certeza deve ter alguns obstáculos a mais que não estou enxergando no momento. Um misto das duas arquiteturas pode ser muito bem-vinda. (feel free to test)

Dito isto, a aplicação web do Digital Twin deve unir os dados do mundo físico com o modelo digital e precisa de um esforço no sentido de um código dizendo que determinado device no mundo físico está conectado a determinado objeto no mundo digital. Esta conexão é feita acessando a API do visualizador do modelo digital no servidor online.

É possível fazer tudo isto em uma arquitetura on-premisses sem servidores na nuvem? Yeap, mas o caminho é muito mais trabalhoso na minha visão por tudo ter que ser construído pela sua própria empresa, não faz muito sentido quando o time de 300 programadores de uma Microsoft ou Amazon já fazem isso para você.

Existe também a possibilidade de contratar algum serviço ligado a automação que já entregue praticamente tudo, mas não são muitos que tem integração com modelos digitais, geralmente você vai receber um painel com todos os dados e uma foto do ativo, não um modelo digital interativo.

Vamos as possibilidades (3/7)

Se você consegue imaginar, você consegue fazer com a tecnologia atual.

Quantos tipos de sensores diferentes existem atualmente? Bom, uma centena, eis alguns deles:

Fonte: Avtec
Fonte: Avtec

Praticamente qualquer coisa que você queira medir ou monitorar é possível atualmente com a quantidade de sensores disponíveis no mercado.

Com isto em mente o que você precisa saber é que a partir da coleta de dados é possível configurar eventos para que disparem mensagens ou alertas caso alguma coisa saia do controle ou do processo padrão.

Desde coisas muito simples como uma lâmpada parar de funcionar ou um vazamento em algum ramal de um banheiro até coisas mais sofisticadas como a velocidade centrífuga da separação isotópica de gases.

A manutenção de um ativo utilizando este tipo de tecnologia pode ser muito facilitada e abre também a possibilidade de utilizar dados reais em um volume absurdo para tomar decisões de projetos em um ciclo bem interessante de geração de insights para arquitetos e engenheiros.

Agora imagina toda a gama de sensores possíveis sendo aplicados na escala de uma cidade para criar uma SmartCity? Como esses insights na construção de uma cidade podem alterar significativamente a forma como se projetam bairros inteiros? Da para ir longe na brincadeira.

Aqui é mais uma questão de esforço vs resultado, o que você gostaria de monitorar e qual o esforço para criar este modelo? Geralmente, no calor da emoção e do entusiasmo com a tecnologia, as pessoas respondem "quero tudo", isto até saberem o custo para construir uma arquitetura deste tipo.

Do ônus (4/7)

Se entusiasmar com a tecnologia é muito fácil, me empolgo com várias coisas em um mesmo dia estando em contato com o ambiente em que trabalho, mas durante minha vida profissional desenvolvi um senso pragmático no sentido de custo vs resultado.

No caso de um Digital Twin, para ele ser criado o processo que imagino como sendo ideal seria o seguinte:

Fonte: Autor
Fonte: Autor

É preciso separar ativos novos de ativos existentes, mas por qual razão?

Bem, o processo em um ativo novo em teoria é mais fácil pois ele vai ser construído ainda, logo, a coleta e registro dos dados ao longo do ciclo de projeto + construção é muito facilitada.

O processo com ativos existentes geralmente tende a ser meio caótico em relação a conseguir os dados para construção do modelo digital e dados importantes para manutenção.

Neste caso, ao invés de criar um modelo digital a partir da modelagem do ativo existente o melhor caminho talvez seja realizar um levantamento de nuvem de pontos e utilizar a própria nuvem de pontos como modelo digital. Nuvens de pontos podem ser visualizados online, basta ter a certeza de que o visualizador tenha API para realizar os apontamentos dos dados dos sensores.

Voltando ao processo proposto, se você conseguir estruturar um processo no qual seja possível desde o início pensar o trajeto da informação e o que seria necessário e importante para futuras manutenções e insights, desde o início do projeto já é possível ir coletando e registrando o que será importante para suprir esta demanda.

Só que para fazer isto é preciso investir um tempo considerável estruturando o processo, coletando dados durante o processo e depois unificando tudo em uma única plataforma, isto tudo somente do lado de software / processos.

Existe ainda o custo de hardware pois os sensores não são gratuitos e na minha visão não é muito agradável aos olhos ver sensores pendurados por todo o ambiente, logo, investir em como posicionar essas belezinhas pelo projeto de forma a escondê-los seria bem interessante.

Dependendo do que você quer fazer, o custo da automação e sensoriamento pode ter um peso muito considerável no bolso da manutenção, afinal, para manter o Digital Twin ligado numa arquitetura em nuvem será necessário desembolsar uma quantia que pode ser significativa mensalmente para os vendors atuais.

Do bônus (5/7)

Nem tudo é custo ou benefício monetário
Nem tudo é custo ou benefício monetário

Coletadas as informações de ativos novos ou existentes, estruturado o processo de coleta e análise de dados, estipulado os eventos a serem criados a partir do histórico de dados dos sensores e tudo instalado em campo, é hora de colher os frutos e o bônus da tecnologia.

O que mais me anima no caso de Digital Twins é a possibilidade da análise histórica dos dados em campo para futuros insights de projetos.

Eu não percebo muito interesse por parte da indústria AEC em verificar se determinadas soluções arquitetônicas são aprovadas ou não pelo público, principalmente se o ambiente for de alguma forma agradável aos olhos. Isto ocorre mais quando existe uma reclamação de algo muito errado ou fora da curva, não é uma preocupação genuína de experiência do cliente com o projeto.

Quantas áreas de escritórios, hospitais, escolas não são utilizadas pelo público, mas que na foto sai bonito? Será que não seria interessante ter um mapa de calor com sensores de presença para saber quais áreas são funcionais ou não aos olhos de quem está usando?

Tecnicamente, será que os produtos e soluções propostas para garantir certificações de sustentabilidade estão de fato gerando o resultado esperado? Se não, esta retroalimentação para o time de projetos ocorre de que forma?

Do lado da manutenção, o sistema pode aprender quais são os índices de consumo por períodos e qualquer coisa que saia de um desvio padrão ter a possibilidade de alertar o time de facilities é o principal uso na minha opinião.

O grande bônus, talvez até ignorado como um benefício intangível, é utilizar dados para repensar a forma de atuação de toda a cadeia do ativo. Ao invés de ter um processo padrão de manutenção para todos os edifícios dentro de um portfólio, ter a possibilidade de aprender com o campo diariamente e ir adaptando, otimizando e customizando os processos seria o intangível da jogada.

Da vulnerabilidade (6/7)

Existe uma vulnerabilidade em Digital Twins que é bem suprimida quando só se foca nos benefícios da tecnologia, o que curiosamente é a própria tecnologia que acaba criando o problema.

Podemos fazer o processo completo funcionar, mas se a questão de segurança for ignorada é praticamente jogar todo o investimento no lixo.

Eitcha, mas não é seguro? A tecnologia será tão segura quanto a capacidade da sua empresa de ler, entender e agir sobre o tema.

Quando falamos de IoT estamos falando de toda uma gama de equipamentos que estão abrindo brechas para possíveis ataques a sua rede. A primeira coisa que os responsáveis de TI deveriam questionar sobre Digital Twins é quais as redes que devem ser utilizadas para conectar os dispositivos?

Dependendo do nível de segurança da empresa será necessário criar todo um projeto de rede somente para atender a esta especificidade, ou seja, isto trará um impacto em custo, projeto e obra diretamente.

Existe um consórcio de várias empresas que visa criar as melhores práticas com relação a segurança em dispositivos, o guia completo você encontra aqui e o passo a passo para ter maturidade de segurança em IoT esta na imagem a seguir:

Fonte: IoT Security Maturity model
Fonte: IoT Security Maturity model

Este consórcio aborda desde checagem de maturidade de segurança até melhores práticas para domínios, governança, hardware etc.

Existem alguns casos interessantes de empresas que tiveram seus sistemas hackeados a partir de dispositivos de IoT, um dos mais famosos foi um hotel na Áustria que o hacker acessou o sistema do hotel pelas fechaduras e trancou todos os hospedes dentro dos quartos.

Além da questão de segurança existe outro problema envolvendo o sensoriamento no campo que só quando você vai para a prática acaba surgindo e identificando: protocolo de hardware.

Para que o dispositivo possa se conectar com os serviços dos grandes vendors ele além de passar por uma validação de segurança que vai de capacidade de criptografia, proteção física contra adulteração e monitoramento constante sobre o log de acesso ao dispositivo, será preciso pensar qual o protocolo irá ser utilizado: Bluetooth, NFC, Wi-Fi/802.11, Z-Wave, Zigbee?

Isto são só alguns exemplos, podemos ter ainda 4G LTE IoT, 5G IoT, Cat-0, Cat-1, LoRaWan, LTE at-M1... a lista é grande e é preciso verificar estas tecnicidades porque muitos dos serviços em nuvem possuem restrições de conexão caso o dispositivo não tenha algum dos pré-requisitos.

Manter a uniformidade de protocolo ajuda no processo de gestão, imagina você ter um edifício com 4000 dispositivos e cada sensor de cada fabricante ter um approach de conectividade, para gerir tudo isso acaba ficando um pouco insano (e aumentando a vulnerabilidade de segurança).

Perseguindo o Estado da Arte (7/7)

Vai dar tudo certo!
Vai dar tudo certo!

Digital Twins podem afetar significativamente a forma como projetamos, construímos e operamos objetos, ativos e cidades.

O processo em termos de arquitetura de solução, processos, vulnerabilidades de segurança e padronização de protocolos são desafios para serem atacados não só pelo time de TI, mas também pela própria indústria AEC.

Os fabricantes de hardware para IoT podem ter seus produtos sendo desenvolvidos em conjunto com arquitetos e engenheiros para facilitar a instalação e formas de utilização dos produtos.

Um movimento em conjunto entre a tecnologia (TI) e negócio (AEC) seria bastante benéfico para o mercado, o que mais tem dentro dos grandes vendors de tecnologia é gente sedenta por encontrar empresas e profissionais que possam auxiliar no desenvolvimento de soluções utilizando suas tecnologias.

Claro que ninguém faz isto de graça, não tem muita filantropia em construção de soluções, mas ter esta proximidade no tripé vendor, TI e AEC é fundamental. Os principais projetos que participei sempre tinham este tripé bem resolvido.

Existem vários temas e possibilidades aqui, isto foi uma introdução, quem sabe no futuro não abordamos outras questões como a forma que soluções utilizando blockchain estão criando padrões neutros de conectividade de sensores e aumentando a segurança das redes.

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Obrigado,

Abs.

Tiago Ricotta

Publicado em 26 de Maio de 2021 às 13:42