ISO 19650-1 made easy (or so)
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ISO 19650-1 made easy (or so)

#0038: Começando 2022 com um tema bastante recorrente em conversas com clientes e tentando endereçar aquela que é a grande dúvida do mercado atualmente: na prática como funciona a ISO 19650?

Tiago Ricotta
11 min
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#0038: Começando 2022 com um tema bastante recorrente em conversas com clientes e tentando endereçar aquela que é a grande dúvida do mercado atualmente: na prática como funciona a ISO 19650?

Histórico (1/7)

Férias produtivas
Férias produtivas

O ano era 2018, mais precisamente ali para dezembro, e entre as idas e vindas da vida estava em um momento em que já estava procurando novos ares e coisas para estudar / fazer uma vez que o ano tinha sido bem movimentado e muita coisa bacana o mercado ainda não estava maduro o suficiente para adotar, veio uma certa frustração.

Para deixar a frustração de lado decidimos pegar a mochila e fazer um mochilão um pouco atípico pelas ilhas caribenhas e América Central, não é muito o meu estilo de viagem, mas era o que tinha para o momento.

Fã de praia que não sou, fiquei entediado em muitos momentos e tentando ser produtivo decidi utilizar os quase quarenta dias de férias em uma jornada de tradução daquilo que eu imaginei que seria um bom tópico de estudo: a série ISO 19650 - Organização  e  digitalização  de  informações  sobre  edifícios  e  obras  de engenharia civil, incluindo modelagem de informações de construção (BIM).

A ISO tinha acabado de ser lançada em dezembro de 2018 e hoje parece brincadeira de criança os conceitos e entendimentos que ela trouxe para o mercado, mas na época foi um nó na cabeça para fazer a tradução, principalmente por conta do processo de generalização que a ISO coloca no texto.

Generalização essa que mais complica do que ajuda utilizando alguns termos que para tradução para o português são uma desgraça por completo, exemplos; appointed party, appointing party, appointment, capability, capacity, etc... no fim buscamos na PAS 1192 a origem das coisas e só assim a porta do entendimento se abriu.

Passamos então por aquelas fases clássicas dos estudos de coisas novas: a dificuldade inicial, a frustração da lentidão do domínio, os primeiros entendimentos, a maturação prática e até finalmente entender o negócio e parecer a coisa mais simples do mundo.

Dito isto vamos explicar alguns conceitos por aqui e tentar fazer um caminho mais curto entre toda a teoria do texto e a prática, pois na minha opinião não faz o menor sentido ficar complicando essas coisas.

O que vamos explicar aqui são os principais conceitos, para se aprofundar mais recomendo bastante a leitura da ISO ou uma conversa em um pub da vida.

Vamos lá.

Requisitos de informação (2/7)

Informação é tudo
Informação é tudo

Uma das coisas que mais gosto nesta ISO 19650 é a ordem de definição dos requisitos de informação que precisam ser pensados antes de qualquer coisa nos processos daquilo que você quer fazer utilizando BIM.

Talvez o maior erro que as pessoas cometem no mercado em relação adoção de tecnologia é começar utilizar algo sem saber para que serve ou o que vai fazer com isso posteriormente. Com BIM não é muito raro você ter um empreendimento completinho modelado e o pessoal da manutenção nem sabe que existe um modelo 3D que foi feito na fase de projeto.

Existem gigas e gigas nos servidos das empresas de arquitetura e engenharia sendo ocupados com material desatualizado que poderia ser para alguma coisa.

O que se estabelece aqui são quatro requisitos de informação para que a coisa funcione:

  • Requisito de Informação da Organização, é o desafio do empreendimento / empresa, exemplos: As obras só começam com 80% dos itens comprados; Empreendimento deve ser feito em 90 dias; Projetos com zero pendências antes do início do empreendimento (zero pendências é diferente de zero clash); Margem X em orçamentos entre planejado e realizado; etc. Aqui é Business, estratégia.
  • Requisito de Informação de Projetos, exemplo: Se sua organização ou contrato pediu algo como “As obras só começam com 80% dos itens comprados”, o que você tem que pensar é “Que informações supply precisa para fazer as compras no prazo correto?”. Tão simples como isto. Aqui é tático.
  • Requisitos de Informação do Ativo, exemplo: Particularmente aqui precisa ter bastante maturidade tanto para pedir, quanto para entregar, mas é a mesma lógica do Requisito de Projeto – o que o contratante e/ou Organização necessita? Um dossiê técnico? Que informações entram em um dossiê técnico que será necessário coletar na fase de produção de informação / construção? Aqui também é tático.
  • Requisito de troca de informação, exemplo: Aqui diria que fica entre o tático e o operacional, pois com base nas informações da Organização, Projeto e Ativo você vai ter que pensar como a galera vai trocar as informações pra fazer a coisa andar. Não é só uma questão de interoperabilidade, é uma questão de colaboração acima de tudo.

Definidos estes requisitos, aí a brincadeira pode começar.

Modelos de Informação (3/7)

Um modelo não é mais só um modelo
Um modelo não é mais só um modelo

O grande ponto do tópico anterior é o seguinte: Quanto menos confiança nas partes interessadas mais denso e inútil ficam todos os requisitos.

Aqui existem vários tipos de definições do mercado para o que são os requisitos no final do dia: pessoal chama de BIM Mandate, Pré-BEP, Caderno de Especificações, já vi de tudo um pouco sobre isso.

Particularmente pode chamar de meu bem, don't care, o que deveria ser evitado é confundir definição de requisitos e regras com manual de software, e por que isso? Bom, o que mais tem por aí (e este erro eu também já cometi 8 anos atrás) são manuais de 150 ou 200 páginas especificando como as coisas devem ser feitas com base nos softwares utilizados. No fim fazendo isto você esta criando uma cultura de busca pela culpa e não solução.

Pensa: coitado de quem vai gerar os Modelos de Informação de Projeto (o modelo de pré-construção) e Modelo de Informação do Ativo (o modelo de pós-construção).

Se a empresa prestar serviço para cinco clientes diferentes e cada um tem uma combinação de requisitos de 150-200 páginas será preciso ter um exercício no time de pré-vendas para conseguir entender o que todo mundo está pedindo. Se o arquiteto precisar pesquisar na página 123 do manual como ele deve modelar uma porta é porque o processo ficou muito complexo e precisa ser simplificado, vai jorrar custo oculto na rentabilidade do fechamento do projeto.

Sério, cansei de receber RFPs copy / paste de manualzinho de software que pedia mundos e fundos pagando nada. No final do dia o que fazia era ligar para a pessoa responsável do outro lado e conversava sobre o que ela queria para adequar nas propostas deixando a coisa mais enxuta possível.

Daí a importância de pensar bem a questão nos requisitos, tudo o que vai neles vai ser refletido nos modelos de informações posteriores. Ser realista e ter empatia com os fornecedores é primordial neste caso, afinal, no final das contas BIM é colaboração.

Contêiner de Informação (4/7)

Gosto bastante dessa analogia
Gosto bastante dessa analogia

Falaremos mais disso quando comentarmos a parte 2 desta ISO, até porque tem um ponto que particularmente é bastante ruim no processo que a 19650 estabelece: fast track.

O processo que a ISO estabelece é um processo hierárquico no qual você define os requisitos da organização / estratégia e vai descendo-o até a produção dos modelos de informação.

Basicamente é o seguinte: Define o que precisa > Planeja como vai entregar > Entrega > Confirma e entra em um looping PDCA voltando em cada etapa para fazer os ajustes necessários.

Qual é o problema? Bom, fast track muitas vezes você tem o objetivo principal (entregar a obra em X tempo) e assim muitas vezes a obra e os projetos correm simultaneamente, uma brincadeira séria que já ouvi em uma grande construtora é que a fundação é executada sem nem saber o que vai em cima dela.

Fora isso tem uma questão muito legal na definição das entregas que é o conceito do contêiner de informação, ou seja, o contratado não entrega para o contratante um modelo somente, ele entrega um pacote de informações que pode ser o modelo mais uma planilha .csv, mais o resultado de simulações, mais qualquer coisa que possa fazer parte da entrega.

Se você utilizar um planejamento por fluxo criando um backlog de atividades do empreendimento no qual cada atividade tem um contêiner de informação associado a um time de entrega que respeita os requisitos pré-estabelecidos, você tem um fluxo que respeita essa ISO.

Ambiente Comum de Dados (5/7)

Single source of truth
Single source of truth

Existe tooodo um capítulo inteiro dedicado a este tema na 19650 e aqui é um playground de tecnologia e recursos do que cada software é capaz de fazer, mas como sempre digo, expectativa é o maior mal da humanidade e mãe de todas as frustrações.

O mercado tem uma expectativa de sempre simplificar as coisas utilizando uma única solução para tudo, só que não vai rolar esta única solução para todos as possibilidades possíveis e imagináveis.

O que digo sobre CDE é que ele é um ponto único de verdade que vão ter soluções especificas para cada uso ou objetivo que você se propor a fazer, não necessariamente você vai contratar uma solução, você pode fazer uma combinação de soluções, desenhando um fluxo fica tudo certo e vida que segue.

Importante é entender que seguindo o fluxo hierárquico da ISO vão existir estados para todos os contêineres de informação, a saber:

  • O famoso WIP (Work in Progress) é o “em andamento”, aqui é o projetista dentro de casa antes de compartilhar com a turma o contêiner de informação;
  • Projetista ficou feliz e decidiu compartilhar o contêiner de informação com os coleguinhas? Ele vai compartilhar o contêiner com todos no CDE de livre escolha e vai estar com o estado como “compartilhado”;
  • Coordenador de projetos aprovou todos os contêineres compartilhados? Vai para obra como publicado.
  • E o que ficar obsoleto e velho? Vai para o estado “arquivado”.

Exemplo: Você tem um consultor de sustentabilidade tentando tirar um LEED no seu empreendimento e ele vai utilizar uma solução especifica para fazer os cálculos necessários, você vai ter de pensar como esse camarada vai interagir com o time de projetos, que formatos de arquivos vão ser trocados, onde vão ser salvos os resultados, registrar as informações de tomada de decisão etc.

O WIP desse consultor não necessariamente esta no CDE em que todas as partes interessadas do projeto estão colaborando, as versões de cada simulação podem estar em outro lugar, o local apontado como single source of truth recebendo os contêineres de informação com as simulações, vida que segue (há divergências neste tema, eu não vejo problema...).

Um ponto importante: a grande maioria das soluções trabalha com versionamento dos arquivos que funciona somente se você não alterar o nome do arquivo, ou seja, nada de colocar o número da revisão no nome das coisas que você está submetendo ao CDE.

The treta has been planted.

Adaptações (6/7)

Metamorfose ambulante
Metamorfose ambulante

Uma coisa que eu gosto muito, muito, muito nessa loucura toda é que você não precisa estabelecer todo o fluxo a todo momento em todos os empreendimentos que você está executando.

Como assim?

Se você vai fazer uma casa de 50 m² na planta popular de uma associação de engenheiros, não faz o menor sentido pegar o canhão do processo completo da ISO e aplicar 100%. Como a própria 19650 fala, você pode utilizar 100% ou adaptar o processo ao empreendimento que você vai fazer, bem em uma linha little BIM, big BIM.

Já falamos muito aqui das complexidades de AEC, quanto mais objetivo e simplificado for os processos e conteúdo gerado sobre o tema mais e mais gente vai entender e adotar.

Pense nisso antes de escrever 200 páginas de requisitos de contratação, até porque você vai ter que validar isso quando todo mundo for contratado e vai correr o risco de as 200 páginas virarem 300, 400 páginas.

2022 (7/7)

O ano começou e já estamos a todo vapor por aqui na produção de conteúdo e pensando nos próximos temas a serem abordados.

Com base na audiência e dúvidas enviadas no ano de 2021 decidi começar por uma série sobre esta ISO, logo, se você tem dúvidas ou quer colaborar estamos a disposição para conversar.

Espero que todos tenham um ano muito bom pela frente e comece fazendo uma boa ação que seria compartilhar este conteúdo e seguir o canal 😊

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Obrigado,

Abs.

Tiago Ricotta

Publicado em 03 de Janeiro de 2022 às 17:39