Normalizamos demais
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Normalizamos demais

Com o tempo, fui percebendo o quanto normalizamos situações que vivemos apenas como coadjuvantes.

Jussara Marra
2 min
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Com o tempo, fui percebendo o quanto normalizamos situações que vivemos apenas como coadjuvantes.

É fácil falar que a criança ou adolescente que veio pela adoção é filho como qualquer outro e ponto final. Nem digo que está errado. Filho é filho e, juridicamente, não se faz mesmo qualquer distinção entre os filhos levando em conta a origem da filiação. Nem mesmo a certidão de nascimento traz anotações referentes à adoção. Os dados dos pais e avós, além do nome, são alterados e é cancelada a certidão anterior.

Mas não é cancelada a história. Essa fica. Essa nunca vai ser apagada. Faz parte do quebra-cabeça da vida daquela criança, que um dia vai crescer e merece ter conhecimento de tudo quanto for possível a seu respeito. 

O discurso de "deixe o passado para trás pois agora começamos uma nova vida" não cabe aqui. O passado precisa ser olhado, respeitado e acolhido com muito respeito. 

Tratar o filho (ou sobrinho, neto, primo... qualquer que seja o papel ocupado por essa pessoa na família) "como se fosse de sangue" não apaga o fato de que não é, de que ele tem outra história, de que ele chegou pela adoção e de que isso não só pode como deve ser falado.

Não que precisemos prestar contas das nossas escolhas e decisões, nem tampouco usar crachás todo o tempo. Mas falar. Falar abertamente. Permitir que não só a criança/adolescente se aproprie da sua história, mas darmos também esse passo.

Ter espaço aberto de fala, de troca. Empoderar pode parecer um termo vazio, já que tem sido utilizado sem moderação mas, sim, estamos falando de empoderamento.

A partir do momento que temos essa conversa, essa troca, essa transparência, as coisas ficam mais leves, a vida fica mais leve, e encarar comentários e perguntas muitas vezes desconfortáveis não é mais um fardo, mas sim, de novo, espaço de esclarecimento, de quebra de tabus e preconceitos.

Normalizamos a adoção e o pertencimento à família. Normalizamos muitas outras questões, mas cada papo a seu tempo, para que possamos deglutir um a um.