O direito à própria história
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O direito à própria história

Tem um tempinho eu escrevi aqui sobre a hora de contar a verdade sobre a adoção... ou sobre a importância de não existir esse "dia da verdade" (se você não leu, está aqui!).

Jussara Marra
3 min
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Tem um tempinho eu escrevi aqui sobre a hora de contar a verdade sobre a adoção... ou sobre a importância de não existir esse "dia da verdade" (se você não leu, está aqui!).

Pois temos alguns desdobramentos que surgem a partir dessa conversa... a curiosidade pela família de origem e, mais do que isso, o direito à própria história.

Vamos começar a reflexão ao contrário. Tomemos por exemplo uma pessoa filha biológica que viva com seus pais e tenha relacionamento com seus tios, primos, avós... essa pessoa pode ficar curiosa com a sua árvore genealógica... pode questionar os pais e parentes com quem convive, descobrir semelhanças e diferenças, mas dificilmente vai pensar no quanto é valioso ter acesso à própria história. 

O motivo? Fácil! Isso nunca foi diferente. Sempre esteve ali. É normal. É natural.

Essa pessoa poderia ser eu. Com algumas adaptações, certamente. Mas, sim. Poderia ser eu.

Aí o jogo vira. Me torno mãe por adoção. Consulta no pediatra. Pergunta: "tem algum histórico de doença na família?". Aquele silêncio. Não sei.

Não sei. E por mais que isso me toque, resolvo com praticidade. Não sei. Investigaremos tudo. E fim.

Fim? Não. Definitivamente, não...

Dia desses fui ao cinema com meu filho assistir um filme infantil. Transversalmente ao enredo, a protagonista, com 16 anos, alega para o pai que o amor por ser bombeira "está no sangue, que ela herdou isso dele". E é assim, em meio ao caos do combate a um "incendiário", tendo crescido acreditando nisso, que ela descobre que tudo o que sabia acerca da própria história não é verdade. Ela tinha sido adotada ainda bebê e o que contaram pra ela foi algo bem diferente da realidade.

A trama poderia ter se aprofundado nisso? Humm até poderia. Mas não era o foco. 

Logo na sequência, uma cena do pai entregando uma caixa pra ela, em casa, com tudo o que conseguiu reunir da sua família de origem.

Poderia, de novo, ter seguido nessa linha? Opa! Claro! Mas, novamente, não era essa a intenção.

As reflexões ficam por conta de quem assiste e enxerga quanto cabe de discussão ali.

Eu já estava com isso vivo na cabeça quando recebi uma mensagem pelo Instagram de uma menina pedindo ajuda para encontrar a família de origem. Está com um problema de saúde, não tem informação nenhuma sobre a mãe biológica, em casa não se fala abertamente de adoção, não soube dizer se sua adoção, há 22 anos, foi legal ou não...

As situações vão se repetindo. Em contextos e com gravidades diferentes, mas seguem se repetindo. E quanto mais se repetem, mais viva fica a necessidade de falarmos sobre o direito à própria história.

Seja para conhecer, seja para querer encontrar (e, sim... vamos falar mais sobre isso depois), seja por questões de saúde. Seja pelo motivo que for, e acima de tudo, por respeito aos nossos filhos: precisamos falar a verdade.

Contar sobre a adoção, guardar toda a documentação e informações às quais tivermos acesso, disponibilizar isso quando forem adultos e tiverem maturidade para entender. Estarmos ao lado em todo o processo. Segurarmos a mão, darmos colo. Admitirmos que não temos nada além daquilo. Nos dispormos a ir atrás.

A lista é longa e certamente escrever é infinitamente mais fácil que vivenciar cada um desses passos. Mas acima de tudo, é importante nunca perdermos de vista que, por mais dolorosa que a história de origem dos nossos filhos possa ser, é de lá que eles vieram e se tornaram o que temos de mais valioso.