Filho de onde?
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Filho de onde?

Passamos por muitas expressões... desde o "filho de consideração", o que a fulana "pegou pra criar" e alguns outros, até o bonitinho "filho do coração". Tudo pra evitar falar de adoção abertamente.

Jussara Marra
3 min
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Passamos por muitas expressões... desde o "filho de consideração", o que a fulana "pegou pra criar" e alguns outros, até o bonitinho "filho do coração". Tudo pra evitar falar de adoção abertamente.

Filho adotivo ou filho por adoção, já que algumas pessoas defendem (e, ok... eu acabo fazendo muitas vezes parte dessa turma) que "adotivo" não é adjetivo. Seria outra polêmica, e vamos combinar que já é complexo o suficiente lidar com uma por vez.

Recentemente muuuuitas (muitas mesmo!) pessoas me encaminharam um vídeo que estava rolando no Instagram de um casal homoafetivo masculino que, de tanto ser perguntado de que útero tinham nascido os filhos deles, filmaram uma resposta: imagens de um ultrassom do coração.

O vídeo é lindo, emociona, os comentários são fofos, mas eu, estraga-prazeres que sou, fui lá cutucar e trazer algumas reflexões que a meu ver não podem ser deixadas de lado.

Fiz isso também em vídeo no meu Instagram, mas acho que o papo merece ser ampliado.

Vamos a alguns pontos, simplificando a conversa...

1. A gente sabe que falar "filho do coração" decorre da utilização de uma figura de linguagem (metonímia, lembram?), mas a criança não! E ela é, a depender da idade, incapaz de compreender o uso dessa figura. Sabe o que acontece? Na cabecinha dela, que conhece mulheres grávidas, e sabe que na gravidez a barriga cresce, fica imaginando uma pessoa com o que seria uma barriga de grávida, mas no lugar do coração. Achou bizarro? Eu também. E garanto que a cena na cabeça da criança não deve ser legal. É estranho e a deixa com a sensação de ser ainda mais "diferente" do que imaginava ser, por ter sido adotada;

2. Nós, famílias adotivas, temos uma grande responsabilidade de educação da sociedade e quebra de tabus. Mas só vamos conseguir fazer isso a partir do momento que nós mesmos pararmos de inventar histórias ou fugir da utilização dos nomes que as coisas tem. Precisamos falar de adoção abertamente, com segurança, com propriedade, com orgulho.

3. Toda pessoa (criança, adolescente, adulto) tem direito a sua história. Não existe uma regra de como contar isso para o adotado (isso vai variar de acordo com a idade, o contexto familiar, a capacidade de compreensão, a forma de conversar da família), mas ele precisa ter acesso a tudo o que soubermos a respeito da sua origem biológica. Precisa saber que, como todo ser humano, nasceu de uma barriga. Da barriga de alguém que, por algum motivo, não pôde cuidar dele como mãe. Não vou nem entrar aqui no mérito de não nos caber julgar os motivos. Cada realidade é única, e assim precisa ser tratada... No entanto, o mínimo do mínimo essa criança/adolescente/adulto merece saber. Com verdade, com segurança, com amor.

"Ah, mas as pessoas são invasivas, enchem o saco, perguntam demais!". Eu concordo. O mundo está cada vez mais "sem noção". 

Sejamos nós, pois, os adultos da relação a colocar pontos finais e limites em intromissões indevidas. Respostas verdadeiras ou fim de papo, e não romantização que, voltemos, vai contra o ponto dois ali de cima... aquele que a gente precisa lembrar e relembrar todo o tempo, para sermos, enfim, agentes da mudança que tanto dizemos querer no mundo!

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Atualizando, pois decidi levar as reflexões do Instagram para o Youtube e deixar linkado por aqui! Só clicar pra ver!