"Racismo da cegueira de cor"
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"Racismo da cegueira de cor"

Muito antes de decidir entender mais sobre o racismo e tudo o que permeia as relações sociais dos negros nos dias de hoje (o que, inevitavelmente, nos leva à época da escravidão e às centenas de anos que se seguiram à abolição), eu já dizia c...

Jussara Marra
3 min
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Muito antes de decidir entender mais sobre o racismo e tudo o que permeia as relações sociais dos negros nos dias de hoje (o que, inevitavelmente, nos leva à época da escravidão e às centenas de anos que se seguiram à abolição), eu já dizia com frequência que o racismo que me incomodava era o não dito, o cochichado, aquele que a gente percebe em olhares e sussurros, normalmente seguidos de sorrisinhos amarelos.

Aos poucos, fui vendo que o que me incomodava não era só eu que percebia.

Me senti feliz por não estar completamente maluca, mas triste por abrir as portas que me levaram ao entendimento de que isso tem um nome.

Pode ter vários, em verdade. Mas recentemente me deparei com esse, que talvez seja o que melhor expressa o comportamento social da atualidade: "racismo da cegueira de cor".

Com ou sem nome, sigo acreditando que ele é pior que aquele racismo escancarado, falado, vomitado. Aquele que hoje quando vemos, nos sentimos (mesmo nós, não negros) ultrajados. Se o inimigo mostra a cara, conseguimos enfrentá-lo. Se ele está escondido, passamos ao papel de algozes quanto o apontamos ("racismo reverso", "mimimi"...).

Mas vamos lá... do que exatamente estamos falando?

"Imagina, eu não vejo diferença nenhuma! Pra mim todo mundo é igual!"

Começa por aí. Todo mundo é igual na frase pronta, na legenda da foto. Mas não nas oportunidades. E é nesse ponto que temos o segundo efeito. Se somos todos iguais, as ações afirmativas não se justificam. Se elas não tem mais razão de ser e são suprimidas, voltamos a não mais inserir negros em lugares dos quais estiveram por séculos afastados.

"Ah, mas eu não sou racista! Até tenho amigos negros! Estou só defendendo que todos tenham as mesmas chances! Se o negro é realmente bom, basta que ele se esforce e se saia bem! "

Não é tão simples assim.

Existem exceções? Se até para as Leis da Física elas são possíveis, quem dirá para relações humanas. Claro que sim! Mas o que estudos apontam é que no geral os negros seguiram marginalizados na sociedade após a famigerada abolição da escravidão. Seguiram sem oportunidades. Seguiram correndo pra tentar alcançar algo que era dia a dia afastado deles.

E o discurso foi sendo aperfeiçoado até chegar no que temos hoje.

"igualdade de oportunidades / somos todos iguais / não vejo cor / está tudo bem".

Não. Não está. 

É preciso tirar essa venda, ver cor. Ver de verdade. Ver onde ela está e especialmente onde não está. Ver qual a nossa contribuição para a manutenção dessa realidade (isso também tem nome... chama SUPREMACIA BRANCA).

É preciso sobretudo CORAGEM pra cortar da própria carne. Para admitir as vantagens que vem de brinde com uma pele branca. Para abrir mão delas.

Não queremos tanto bater no peito e dizer que somos todos iguais? Pois que sejamos!

É preciso parar de cochichar, de fazer piadinhas, de tentar fechar os olhos.

O primeiro passo de uma longa jornada é o que a antecede. A decisão de trilhá-la.

 Abrir os olhos e acabar de vez com cegueira.