A questão do dinheiro é um daqueles temas corriqueiros, que a maioria das pessoas pouco pensa, ou reflete sobre, além de suas necessidades imediatas. Há, no entanto, um risco quando deixamos de entender algo que é primordial a vida como a con...
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A questão do dinheiro é um daqueles temas corriqueiros, que a maioria das pessoas pouco pensa, ou reflete sobre, além de suas necessidades imediatas. Há, no entanto, um risco quando deixamos de entender algo que é primordial a vida como a conhecemos, segundo Rothbard: “De todos os problemas econômicos, a questão do dinheiro é, provavelmente, o mais confuso, e talvez aquele que mais necessite de uma visão mais panorâmica.” A questão monetária “é área econômica mais bagunçada e adulterada por séculos de interferência governamental.”, segundo Rothbard (2013, p. 11). | ||
Com uma forte argumentação o autor sustenta ao longo do texto que a) a origem do dinheiro surge do processo de mercado para facilitar as trocas, representar valor e ser unidade de conta, b) é possível existir um livre mercado monetário, como para qualquer outro bem e serviço c) é a interferência governamental (com práticas como a adoção de reservas fracionárias, tributação e inflação) que distorce o livre funcionamento e causa consequências indesejáveis. | ||
É através da troca, direta ou indireta, que leva à especialização e à prosperidade: “A troca é a base essencial de nossa vida econômica. Semtrocas, não haveria uma economia real e, praticamente, nãohaveria sociedade.” Esta sociedade é levada à especialização pela variedade, e necessidades, o que permite que exista a abundância. Segundo o autor “A troca é a força vital não só da economia, mas da própria civilização”[1] (Rothbard, 2013, p. 13). As mercadorias mais comercializáveis e aceitas em dado momento serão os “meios gerais de trocas”. Estas mercadorias “são chamadas dinheiro”.[2](Rothbard, 2013, p. 14) O ouro e a prata, descreve Rothbard, foram escolhidos como forma de dinheiro ao longo dos séculos por este processo (Rothbard, 2013, p. 16). | ||
O autor enfatiza que o governo não pode criar dinheiro: “Portanto, o governo é completamente impotente para criar um dinheiro do nada, utilizando um material sem passado algum como meio de troca; o dinheiro só pode surgir e evoluir pelo processo de livre mercado.” (Rothbard, 2013, p. 17). Como para outras mercadorias o preço do dinheiro é relativo em função de outros bens e determinado por seu estoque total, o preço é portando, a relação entre sua oferta total ou estoque e a demanda por ele. É o cálculo econômico, baseado no sistema de preços, que permite a comparação das diversas opções de custos X receitas e à possibilidade de uma atividade lucrativa. É o cálculo econômico que pode indicar se os recursos empregados foram usados de maneira mais eficiente e atenderam ao consumidor (Rothbard, 2013, p. 18). | ||
Para Rothbard, é justamente a intervenção estatal que distorce o funcionamento do livre mercado: “Os defensores do monopólio estatal da cunhagem alegam que o dinheiro é diferente de todas as outras mercadorias porque a “Lei de Gresham” comprova que “o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom” de circulação.” Sustenta ainda que este é um erro de entendimento sobre a Lei de Gresham, que só aconteceria na ausência do livre mercado, maculado pela intervenção estatal sobre a moeda: | ||
“A lei de Gresham é válida apenas quando há um controle de preços imposto pelo governo sobre o dinheiro. O que a lei de Gresham realmente diz é que “o dinheiro que está artificialmente sobrevalorizado pelo governo tirará de circulação o dinheiro que está artificialmente subvalorizado [...] Portanto, não é no livre mercado que “o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom”, mas sim como resultado direto da intervenção governamental no mercado.” | ||
O preço do dinheiro, explica Rothbard, é “o seu poder de compra” que “informa o que aquela unidade pode adquirir ao ser trocada.” Por ser uma mercadoria, o dinheiro está sujeito “As mesmas forças que determinam todos os preços no mercado – avenerável, mas eternamente verdadeira, lei da ‘oferta edemanda’.” Assim “Um aumento na oferta de dinheiro tenderá a reduzir seu “preço”; um aumento na demanda por dinheiro irá aumentar seu preço.” (Rothbard, 2013, p. 27). A escolha dos indivíduos por manter o dinheiro ou consumir, é um processo natural de ajuste no livre mercado (p.29). O dinheiro não é “um padrão de medida fixo”, mas uma mercadoria cujo valor oscila pelo processo de mercado (p. 34).Mesmo a taxa de câmbio entre moedas seguiria o mesmo processo, sendo determinada pela oferta das moedas (ou metais), como qualquer outro preço, flutuando continuamente (p.35) | ||
Rothbard sustenta que a atividade bancária (que é a armazenagem de dinheiro), é uma atividade empreendedora como outras e consiste em oferecer “substitutos monetários”, através dos “recibos de armazenagem”. Isto permitiria uma maior velocidade de troca e conveniência às trocas. (p.37). Este processo de substituição obedeceria a três limites: a) a intensidade (ou preferência) de uso dos armazéns de dinheiro (bancos) ao invés da moeda em espécie, b) a frequência de utilização dos substitutos entre bancos diferentes c) a confiança da clientela sobre a integridade dos bancos. (Com a maior confiança e estabilidade do sistema os recibos de depósito (cédulas,) se tornariam cada vez mais convenientes com a manutenção de “contas correntes”, em que as ordens de pagamento permitem a transferência de do montante de uma pessoa a outra. (p.38). Algo natural e extremamente automatizado nos tempos atuais. | ||
É da atividade bancária que surge o que Rothbard classifica de “possivelmente” o problema “mais espinhoso que o economista tem de lidar: a avaliação o sistema bancário de reservas fracionárias”, ou a capacidade dos bancos em manter apenas uma fração dos depósitos que realmente possuem com lastro (p. 39). Pelo fato de o dinheiro permanecer depositado, tipicamente por longos períodos, “o banco se sente tentado a usar parte desse dinheiro para benefício próprio”. Em outras palavras este os bancos criam oferta monetária a partir de depósitos na forma de crédito. Esta atividade é atualmente regulamentada e defendida pelos governos e é o calcanhar de Aquiles das modernas teorias monetárias (p.40). Esta prática significa que há “recibos falsos, sem nenhum lastro em ouro” e é uma atividade inflacionária. Mesmo após mercado internacional monetário já ter deixado o padrão ouro, efetivamente após 1914 (Rothbard, 2013, p. 75), vemos claramente que o lastro passou a ser meramente “confiança” no poder pagamento de governos, levando a expansão monetária sem precedentes, seguida pelos efeitos já citados anteriormente de desvalorização da moeda (Rothbard, 2013, p. 40): | ||
“A emissão dos pseudo-recibos, assim como a falsificação de uma moeda metálica, é um exemplo de inflação, algo que será́ estudado mais adiante. Inflação é um termo que pode ser definido como qualquer aumento na oferta monetária que não consista de um aumento no estoque do metal utilizado” | ||
Os bancos não assumem risco da mesma maneira que outras atividades empresariais, que assumem riscos reais com capital e recursos próprios, ou emprestados. O sistema fracionário permite que bancos assumam o risco com depósitos de terceiros, e que em última instância serão “honrados” pelos governos. Este sistema se baseia na simples premissa de que nem todos os depositários não desejarão sacar seus depósitos ao mesmo tempo, a temerosa “corrida bancária” que Como nos explica Rothbard é um problema pelo nível de perversão livre mercado monetário (p.41). Sem meias palavras Rothbard salienta: “A fraude, portanto, é cometida imediatamente no ato de lançamento destes pseudo-recibos.”. Atualmente este processo se dá ao simples pressionar de algumas teclas. O “fiat money". O contraponto seria o “sistema bancário livre [...] muito mais sólido do que temos hoje.”, segundo Rothbard (2013, p. 43).Com tenacidade o autor sustenta que “a liberdade pode reger um sistema monetário tão magnificamente quanto gere o restante da economia” e ainda que não apenas para o dinheiro “assim como para as outras atividades humanas, ‘a liberdade é mãe, e não filha da ordem’” (p. 46). | ||
Rothbard descreve a tributação como um método para a expropriação, já que o governo não gera bens ou serviços com recursos próprios. A tributação, no entanto, é impopular. Ao descobrir que pode ‘criar dinheiro do nada’, através da falsificação, que gera a inflação o governo passa a se apropriar maliciosamente e com discrição “sem suscitar as hostilidades desencadeadas pela tributação”. As vítimas desta falsificação chegarão até mesmo a ter a ilusão de prosperidade (p.47). Esta prática inflacionária é inerente aos governos “por que a inflação monetária é um meio poderoso e sutil para o governo adquirir recursos do público, uma forma de tributação indolor e bem mais perigosa.” (p. 48). A inflação, sustenta Rothbard, é também um meio de “redistribuição de renda às avessas”, já que os primeiros recebedores do ‘dinheiro novo’ serão beneficiados ‘à custa daqueles que recebem o dinheiro por último.’ (p.49). A inflação afeta ainda: o empreendedorismo, permitindo investimentos ineficientes e distorcendo lucros; o mercado de trabalho; estimulando o consumo; exaurindo recursos artificialmente e reduzindo a qualidade e padrão geral de vida da sociedade. Este fenômeno é comum e muito conhecido em países de altamente inflacionários (como o Brasil dos anos 80), na Revolução Francesa, na Revolução Americana, na crise alemã, de 1923 e após a Segunda Guerra Mundial. Existem milionários e até bilionários, mas apenas no papel, sem o poder de compra efetivo (p.50). Além disto como efeito da expansão monetária a inflação cria “ciclos econômicos”, distorce a percepção real de juros e cria os ciclos econômicos (Rothbard, 2013, p. 51). O Governo só pode apelar a medidas tão extremas por deter o monopólio compulsório da moeda (Rothbard, p. 58). De maneira extrema os governos podem até mesmo impedir que os depositários tenham acesso a sua propriedade. (Rothbard, 2013, p. 60). | ||
Com o objetivo de regular a inflação, criada por ele mesmo, o governo adota a utilização de “Bancos Centrais”, na prática o detentor do monopólio sobre a moeda (Rothbard, 2013, p.61). Todos os bancos privados são “clientes” do Banco Central (Rothbard, 2013, p. 62). Mesmo no padrão-ouro o próprio banco Central “somente uma fração de reserva de ouro em relação a todo o seu passivo!” (Rothbard, 2013, p.64). | ||
A consequência natural deste processo, afirma Rothbard, é que o Banco Central passa a “criar novas reservas bancárias” através de taxas de redesconto, além de comprar títulos de dívida do próprios governos (que como nos explica Rothbard, não pode gerar riqueza), gerando um ciclo retro-alimentável de expansão de monetária, crédito e inflação. (Rothbard, 2013, p. 66). Rothbard explica que o passo definitivo neste processo de monopólio foi a saída do padrão outro, de forma “oficial e irreversível”. Agora apenas o “dinheiro de papel”, fiduciário, emitido pelo Governo era moeda, de curso forçado (Rothbard, 2013, p. 71). Do padrão ouro clássico (Rothbard, 2013, p. 75) ao padrão outro-câmbio (Rothbard, 2013, p. 79), o modelo de papéis moedas flutuantes (Rothbard, 2013, p. 81), os acordos de Breton Woods e seu declínio (Rothbard, 2013, p.85) e colapso (Rothbard, 2013, p.87), o acordo Smithsoniano (Rothbard, 2013, p.87), observa-se governos tomando medidas intervencionistas para corrigirem efeitos causados por medidas anteriores (Rothbard, 2013, p.74). | ||
Rothbard não presenciou as crises das últimas décadas já que faleceu em 1995. Seu enfático combate à intervenção estatal permanece relevante atualmente. As últimas décadas foram marcadas por juros artificialmente baixos, expansão monetária renovada, geração de bolhas e ciclos econômicos desastrosos (Rothbard, p. 96). De fato, não parece haver limites ao intervencionismo, especialmente monetário. Para Rothbard a solução passaria pelo “total remoção do governo da cena monetária.” (Rothbard, 2013, p. 105). | ||
Publicado originalmente como atividade de conclusão do módulo de Teoria Monetária para a pós-graduação do Instituto Mises Brasil |