Após 11 dias de confronto entre o Hamas e Israel, em maio de 2021, o chefe do grupo, Ismail Haniyeh, fez um discurso público em Doha, no Catar, comemorando a vitória e deixando claro o seu ponto de argumentação principal: "nós destruímos o pr...
Após 11 dias de confronto entre o Hamas e Israel, em maio de 2021, o chefe do grupo, Ismail Haniyeh, fez um discurso público em Doha, no Catar, comemorando a vitória e deixando claro o seu ponto de argumentação principal: "nós destruímos o projeto de coexistência com Israel", disse. A sucessão de acontecimentos desta Copa do Mundo, realizada no local de residência de Haniyeh, dá a suas declarações um tom quase premonitório. | ||
Num evento em que as autoridades do Catar fizeram de tudo para desconectá-lo da política, dá para dizer que o torneio da FIFA adquiriu mais do que contornos de militância. A verdade é que a Copa hoje se transformou na mais bem-sucedida campanha de publicidade e relações públicas da chamada "causa" palestina. E aqui é preciso dizer que, ao contrário das demais bandeiras políticas, esta específicamente não tem sido coibida pela organização do torneio, muito pelo contrário. | ||
A relação entre o Catar e os palestinos não é recente. O governo do país financia em especial a Faixa de Gaza, território costeiro palestino controlado pelo grupo terrorista Hamas desde que expulsou a Autoridade Palestina (entidade que conta com a legitimidade internacional) em 2007. Os rercursos financeiros enviados pelo Catar são usados para pagar funcionários públicos, comprar combustível, ajudar as famílias necessitadas e construir infraestrutura. | ||
No cenário mais amplo, o país chegou a ficar quase isolado em 2017, quando Emirados Árabes Unidos (EAU), Bahrein e Arábia Saudita (além do Egito) romperam relações com Doha ao acusá-la de patrocinar o terrorismo. Isso teve pouco a ver com o Hamas e mais a ver com as disputas regionais em torno do projeto hegemônico iraniano - gigante xiita do Golfo Pérsico com ambições opostas ao eixo sunita liderado pelos sauditas. | ||
Em meio a acusações sobre compra de votos na escolha da Copa de 2022, FIFA e Catar receberam diversas demonstrações de que o torneio seria realizado sob intenso questionamento. Ambos, FIFA e Catar, estavam sob escrutínio internacional. Não apenas em razão das denúncias de corrupção, mas também da discussão em torno dos direitos humanos no país-sede, do assustador número de 15.799 trabalhadores estrangeiros mortos no Catar entre 2010 e 2019 (não apenas de trabalhadores em obras da Copa, para deixar claro), dos direitos das mulheres e da intolerância oficial aos homossexuais. | ||
Antes do torneio, o aprofundamento da violência do Irã, aliado catari, aos manifestantes contra o regime acrescentou mais um "problema" numa competição já bastante politizada - a ponto de a FIFA ter proibido até o uso da faixa de capitão com as cores da bandeira do arco-íris, importante lembrar. | ||
Na primeira Copa realizada num país árabe, a profusão de bandeiras palestinas nos estádios é um movimento popular, digamos, uma espécie de declaração política da população árabe em solidariedade à causa palestina. E, claro, as autoridades locais deixam o barco correr porque também encaram o tema como um alívio às críticas realizadas de fora para dentro. | ||
O que destoa do espírito da Copa não é a manifestação a favor dos palestinos, mas a normalização de um olhar anti-Israel. Importante explicar este ponto: ser favorável à criação de um estado palestino não necessariamente pressupõe a defesa do fim de Israel. Israel e Palestina não precisam ser estados excludentes, como se a existência de um significasse a anulação do outro. Os jornalistas israelenses que estão no Catar para cobrir o evento relatam as suas experiências. | ||
"Sempre fui um centrista, liberal e aberto (à) vontade de fazer a paz acima de tudo. Sempre achei que o problema eram os governos, os governantes - os nossos também. Mas, no Catar, percebi como o ódio está presente nas pessoas nas ruas. O quanto eles querem nos varrer da face da Terra. Até que ponto tudo relacionado a Israel desperta ódio intenso neles", escreveu no Twitter Raz Shechnick, repórter do jornal Yediot Ahronoth. | ||
Moav Vardi, correspondente do canal púlico Kan, disse à rede CNN que esperava alguma hostilidade dos fãs árabes e palestinos, mas não na intensidade que encontrou: “o ódio e o ressentimento não são apenas sobre a ocupação israelense dos territórios palestinos. Em vez disso, é sobre a própria existência de Israel”, relatou. | ||
Negar a Israel - e somente a Israel - o direito de existir é o aspecto central do discurso e da própria prática do Hamas. Na Copa do Mundo da política, parece que a dúvida quanto ao conteúdo da "causa" palestina na visão das pessoas comuns já não existe mais. A ideia de que o argumento é sobre ocupação ou assentamentos está cada vez mais vazia. O discurso do chefe do grupo, Ismail Haniyeh, parece consolidado. Foi preciso realizar a primeira Copa do Mundo num país árabe para entender a mensagem de forma clara. |