A raiva como motor eleitoral
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A raiva como motor eleitoral

Em 1 de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro tomou posse. Na cerimônia oficial, proferiu dois discursos: um deles para o Congresso, reunindo autoridades, deputados e senadores, e outro, no parlatório do Palácio do Planalto após recebe...

Henry Galsky
4 min
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Em 1 de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro tomou posse. Na cerimônia oficial, proferiu dois discursos: um deles para o Congresso, reunindo autoridades, deputados e senadores, e outro, no parlatório do Palácio do Planalto após receber a faixa presidencial, dirigido para a população que acompanhava o evento na Praça dos Três Poderes.

Steve Bannon é o mentor intelectual e operacional da integração da extrema direita no mundo
Steve Bannon é o mentor intelectual e operacional da integração da extrema direita no mundo

"(...)E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto.  As eleições deram voz a quem não era ouvido", diz um trecho.

Cerca de dois anos antes, em 20 de janeiro de 2017, o ex-presidente norte-americano Donald Trump tomava posse do cargo em Washington;

"20 de janeiro de 2017 será lembrado como o dia em que o povo se tornou o comandante desta nação novamente. Os homens e mulheres esquecidos de nosso país não serão mais esquecidos. Todos estão ouvindo vocês agora", diz um trecho do discurso.

Há muito em comum a ambos os pronunciamentos. Mas o que me chama a atenção é a ideia de que os recém-eleitos personificariam o povo num aspecto para lá de particular: aqueles "que não são ouvidos" - no caso do texto de Bolsonaro - ou aqueles que estão "esquecidos" - no caso do discurso de Trump.

E aqui, justamente neste ponto, está uma das chaves para entender o movimento da extrema direita global - coordenada pelo Movimento (com inicial maiúscula mesmo) de Steve Bannon - e também o engajamento e a grande quantidade de votos recebida pelo presidente e candidato à releição Jair Bolsonaro, no Brasil, apesar de seus quatro anos de governo.

Ao contrário do que se pode pensar de início, nem Bolsonaro, nem Trump usam os termos "esquecido" ou "quem não era ouvido" para se posicionar a favor da população pobre. Nem Trump, nem Bolsonaro representam, fizeram campanha ou apresentaram projetos de governo que tinham como prioridade a ascensão econômica ou social dos mais pobres. E não há, por parte de nenhum deles, qualquer preocupação sobre inclusão ou redução nos indicadores de desigualdade. Na verdade, essas pautas estiveram e estão vinculadas a seus adversários políticos.

Nos EUA, ainda é possível pensar em Trump como representante de uma classe média branca que se localiza no sul e no meio-oeste do país. Durante as análises que fiz sobre a campanha e a vitória do ex-presidente dos EUA costumava dar o exemplo dos carvoeiros do Tennessee, em função de uma população que votava em Trump como resistência às mudanças - inclusive ambientais e de políticas públicas promovidas pelo antecessor Barack Obama. É possível encontrar paralelos no Brasil, mas o voto em Bolsonaro não se resume apenas a isso, da mesma forma como tampouco se resume à ascensão da população evangélica ou da pauta conservadora, do agronegócio ou dos garimpeiros. Vai além.

Uma das consequências do atual processo eleitoral brasileiro é também a eleição de figuras associadas a Bolsonaro, inclusive a vitória de três símbolos de seu governo, os ex-ministros Eduardo Pazuello (ex-ministro da Saúde eleito deputado), Ricardo Salles (ex-ministro do Meio Ambiente eleito deputado) e Damares Alves (ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos eleita senadora). É fato que esses três nomes foram eleitos não por méritos do trabalho que exerceram em cargos no governo.

Seus resultados enquanto ministros são algumas das principais (e inúmeras) vidraças da administração Bolsonaro, com menção digna de nota à incompetência de Pazuello na gestão do Ministério da Saúde durante a pandemia e a já histórica frase de Salles na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020: "Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento (ambiental), e simplificando normas".

As eleições de Pazuello, Damares, Salles e a votação expressiva de Bolsonaro apresentam em comum um aspecto óbvio: seus eleitores não estão exatamente levando em consideração mérito ou resultados apresentados durante a gestão. Não se trata mais disso. E aqui está a chave para se compreender a virada de mesa da extrema direita global; eleições movidas pela raiva. Bolsonaro é o símbolo nacional e puxador de voto a partir desta premissa. Não é possível precisar quantidade, mas parte do eleitorado opta pelo voto "anti". Isso explicaria os resultados de Pazuello, Salles e Damares de forma muito clara. Se "a esquerda", "os intelectuais", Chico e Caetano os denunciam, aí mesmo que uma parcela do eleitorado se movimenta em bloco para elegê-los.

Esta é a grande sacada da extrema direita, este é um método adotado e colocado em prática a partir de uma análise sobre algumas das principais mudanças globais. No próximo texto, irei analisá-las de forma mais aprofundada.