A raiva como motor eleitoral - segunda parte
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A raiva como motor eleitoral - segunda parte

Um ex-jogador de futebol - hoje na função de técnico - recebe com frequência críticas por parte de alguns setores da imprensa esportiva. Há quem o considere pouco estudioso, há quem o defina como um treinador mais motivador e menos focado em ...

Henry Galsky
5 min
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Um ex-jogador de futebol - hoje na função de técnico - recebe com frequência críticas por parte de alguns setores da imprensa esportiva. Há quem o considere pouco estudioso, há quem o defina como um treinador mais motivador e menos focado em questões táticas presentes no futebol de alto rendimento, em especial na Europa. O próprio técnico já declarou no passado recente que não precisava estudar. "Quem sabe, sabe. Quem não sabe, vai estudar", disse após uma conquista.

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Alguns de seus críticos mais frequentes são jornalistas que - de fato ou na visão do treinador - estão mais à esquerda do espectro político. Para surpresa de ninguém, pouco antes do primeiro turno das eleições brasileiras, o técnico fez um vídeo declarando voto em Jair Bolsonaro. Ao final, repetiu o slogan de Bolsonaro - que, não custa lembrar, é o mesmo de Mussolini, Franco e Salazar: "Deus, pátria e família", disse o ex-jogador que também se orgulha de seu currículo de milhares (não é força de expressão) conquistas femininas.

A história acima ilustra um aspecto sobre o qual tratei em meu texto anterior. A raiva - e possivelmente os sentimentos afiliados de ressentimento e frustração - é hoje a principal força manipulada pela extrema direita em processos eleitorais em todo o mundo. E deixo aqui uma pergunta retórica: alguém considera que, no caso acima, haveria argumento racional capaz de convencer o treinador a mudar de posição? Isso explicaria em boa medida por que as eleições brasileiras - mas também as da Itália ou dos EUA, Hungria, Israel, Polônia, Argentina etc - estão cada vez mais polarizadas - e cada vez mais desidratadas de debates em torno de projetos políticos concretos.

A figura de Steve Bannon, ex-assessor especial do ex-presidente norte-americano Donald Trump, é uma peça importante desta engrenagem que mudou forma e conteúdo das disputas políticas em escala global. Antes de assumir como executivo da campanha presidencial de Trump em 2016, Bannon foi chefe e um dos fundadores do Breitbart News, site de extrema direita que dissemina notícias falsas e textos racistas.

O portal acabou por se tornar espaço livre para empoderar e reverberar conteúdos de neonazistas, supremacistas brancos e antissemitas. Para ser mais preciso, conforme escrevi no texto anterior, possivelmente essas pessoas para quem Bolsonaro e Trump "sopraram" seus "apitos de cachorro" nos respectivos discursos de posse - "As eleições deram voz a quem não era ouvido", trecho do discurso de Bolsonaro; e "Os homens e mulheres esquecidos de nosso país não serão mais esquecidos. Todos estão ouvindo vocês agora", trecho do discurso de Trump. Os textos também são as senhas para premiar a raiva e o ressentimento. Ou a raiva pelo ressentimento.

A extrema direita entendeu a força desse discurso e não desistirá dele. O vínculo às redes sociais - que operam também reforçando divisão e discussão, em boa medida - foi rápido. O escândalo da Cambridge Analítica, esquema fundamental ao roubar dados de milhões de usários e construir conteúdo direcionado a partir do medo das pessoas/cidadãos/eleitores, é também a maior operação de manipulação eleitoral em todos os tempos. Steve Bannon nega qualquer associação com o projeto.

Mas ele não nega ser o grande articulador da extrema direita global. Um movimento - chamado de O Movimento - que reúne lideranças como Marine Le Pen (França), Matteo Salvini (Itália) e Viktor Orbán (Hungria) e cujo embaixador sul-americano é... Eduardo Bolsonaro. Bannon inclusive tem orgulho dos resultados que O Movimento vem obtendo mundo afora:

"(...)Se você olhar para o fluxo desde a crise financeira de 2008, não há absolutamente nenhuma dúvida de que a direita nacionalista populista não é apenas ascendente, que nós ganhamos muito mais do que perdemos, e fizemos algumas mudanças bastante significativas, seja Trump, Brexit e Bolsonaro no Brasil. Portanto, acreditamos direcionalmente que estamos avançando não apenas em marcha, mas também em ascensão", disse em entrevista à BBC Brasil.

Mesmo se não estiver associado à Cambridge Analítica, Bannon, a extrema direita e O Movimento encontraram nas redes sociais um terreno fértil para disseminar campanhas políticas repletas justamente daquilo que as redes sociais mais "curtem": ódio.

Quem diz isso (a parte do ódio, não de Bannon) é Frances Haugen, ex-gerente de integridade do Facebook onde trabalhou por quase dois anos. Em testemunho ao Comitê de Comércio, Ciência e Transporte do Senado no Capitólio, em 5 de outubro de 2021, em Washington, ela pediu ao Congresso norte-americano para regulamentar as redes sociais. De acordo com os documentos que apresentou, o Facebook deliberadamente ignorou que promovia a "desinformação galopante, discurso de ódio e polarização política a fim de impulsionar as vendas de anúncios".

Enquanto isso, neste mundo já nem tão novo assim, a extrema direita surfa com tranquilidade manipulando os piores sentimentos humanos - e que sempre existiram - para vencer uma eleição atrás da outra. As propostas dos candidatos ficam para depois. O importante agora é usar a urna como instrumento de resposta aos estímulos e frustrações da vida. Para aqueles que nunca foram "ouvidos", para aqueles que estão "esquecidos" ou para aqueles que querem vingança sempre haverá um Jair Bolsonaro, Donald Trump e Giorgia Meloni disponíveis. Como convencer seus eleitores a mudar de ideia?