O primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, está cada vez mais envolvido na tentativa de intermediar o diálogo entre Rússia e Ucrânia. O fato mais marcante até o momento foi sua viagem à Rússia no sábado, durante o shabat, o descanso sema...
O primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, está cada vez mais envolvido na tentativa de intermediar o diálogo entre Rússia e Ucrânia. O fato mais marcante até o momento foi sua viagem à Rússia no sábado, durante o shabat, o descanso semanal judaico. Bennett é o primeiro judeu religioso a ocupar o cargo de primeiro-ministro de Israel. E, desta forma, segue o preceito do shabat. | ||
Durante o descanso semanal judaico - que começa no pôr do sol de sexta-feira e se encerra no pôr-do-sol de sábado - Bennett e o restante da população religiosa de Israel realizam poucas atividades e não trabalham. Não cabe aqui detalhar todas regras do shabat, mas, dentre elas, está a determinação de não viajar de carro ou qualquer outro meio de transporte. Digo isso porque, para ir ao encontro do presidente Vladimir Putin, Bennett foi obrigado a descumprir este preceito. Há justificativas religiosas que permitem exceções; uma das bases do judaísmo é que as determinações podem - e devem - ser quebradas quando a razão para tal envolve salvar vidas. | ||
Por isso Bennett esteve com Putin. Na sequência do encontro, teria conversado por telefone, ainda no avião, com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Para além das tentativas de intermediar o diálogo entre as lideranças dos países em confronto, Bennett também tem buscado garantir a jornada em segurança rumo a Israel da população israelense e judaica que vive na Ucrânia. | ||
Tenho escrito por aqui com frequência que o prolongamento do conflito na Europa acaba também por expandir as consequências da invasão russa. Bennett é mais um ator que tem se mostrado preocupado com isso. Um tema permanente das pautas da preocupação existencial de Israel é o programa nuclear iraniano. A Rússia, assim como Grã-Bretanha, China, França e Alemanha, está presente nas negociações em Viena, na Áustria, para restaurar o acordo com o Irã. Em maio de 2018, sob a presidência de Donald Trump, os EUA se retiraram do acordo que, atualmente, o governo do presidente norte-americano Joe Biden pretende retomar. | ||
Como as relações internacionais se conectam em pontos aparentemente distintos, a onda de sanções à Rússia pode ter levado Moscou a entender as negociações com o Irã como oportunidade. Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, disse no último sábado que seu país precisa obter garantias por parte dos EUA, antes de apoiar o acordo sobre o programa nuclear iraniano. | ||
Neste momento, com a alta do preço do barril de petróleo justamente em função da invasão russa, a forma de reduzir o custo passa também pela busca por novos fornecedores. E aí entra o Irã, proprietário da quarta maior reserva de petróleo do mundo, mas cujas sanções internacionais o tem impedido de chegar minimamente próximo à capacidade de produção. No jogo político deste momento, é provável que os EUA considerem a possibilidade de que o novo acordo com os iranianos seja capaz de solucionar dois problemas de uma única vez (para ser claro, as ambições nucleares da República Islâmica e a alta do petróleo). | ||
E então retornamos a Bennet e a sua conversa direta com Putin. Como se sabe - e como escrevo com frequência por aqui - a Rússia está presente na Síria diretamente desde 2015, quando passou a atuar na guerra civil com dois objetivos: lutar contra a expansão do Estado Islâmico (EI) e sustentar no cargo de presidente do país Bashar al-Assad, aliado de longa data. Por outro lado, a Rússia também passou a ser a principal potência estrangeira em atuação no Oriente Médio, estabelecendo-se como a única parte a dialogar diretamente com atores regionais que a) não se reconhecem mutuamente; b) buscam a destruição mútua; c) não mantém qualquer canal de comunicação entre si; e d) todas as opções anteriores. | ||
Desta forma, a Rússia está fazendo uso deste "capital" de atuação que construiu ao longo da última década aqui no Oriente Médio. E, como Israel considera o estabelecimento de bases iranianas na Síria como ameaça existencial, precisa continuar a coordenar com os russos os ataques aéreos que costuma realizar contra esses alvos em território sírio. | ||
Quando mencionei que Bennett descumpriu um dos principais preceitos do shabat para salvar vidas também me referia a este ponto; a possibilidade de que o primeiro-ministro israelense, além de todos os passos que listei acima sobre os judeus ucranianos e sobre a tentativa de encontrar um caminho para o fim da guerra em si, também estivesse levando em consideração esta visão quanto ao Irã. Isso porque, é importante dizer, o governo iraniano pode estar a caminho de se ver livre das sanções, caso de fato o acordo com as potências seja retomado. E, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, em inglês), o Irã possui hoje estoque de urânio enriquecido correspondente a mais de 15 vezes o limite estabelecido no acordo de 2015. | ||