Quem não se cansou das notícias dos jornais nos últimos tempos? Eu mudei a rotina de leitura, tem semana que nem passo perto de jornais, porque é exaustivo demais.
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Quem não se cansou das notícias dos jornais nos últimos tempos? Eu mudei a rotina de leitura, tem semana que nem passo perto de jornais, porque é exaustivo demais. | ||
Pandemia, lockdown, economia, ausência de vacina para coronavírus, vacina para coronavírus, escassez de vacina para coronavírus, todos esses assuntos diariamente nos noticiários. | ||
Que bom que a literatura tem esse poder fantástico de nos transportar para outros lugares, e alguns autores um talento especial de colocar no texto humor e ironia ao narrar as suas histórias. | ||
E assim, entre fugir de uma superexposição às notícias aqui, e manter-me informada ali. Eu me reencontrei com o Sr. Lima Barreto, já ouviu falar dele? | ||
Um pré-modernista, muito atual! | ||
Não ficou famoso, em vida e ainda hoje não é muito popular. | ||
Foi um jornalista e escritor inquieto e indignando com as injustiças sociais do Brasil. Nasceu no final do século 19, viveu no início do século 20; e, sem dúvida, é um dos importantes escritores da literatura brasileira. | ||
Ele possuía uma escrita engajada que não poupava ninguém, falava o que desejava falar sempre. Era um crítico feroz dos políticos e autoridades do seu tempo. | ||
Ele era o que as pessoas chamariam de fora da curva, diferentão, e tinha uma história de vida pra ser assim... Não vou te contar tudo aqui! | ||
Pois bem, eu me reencontrei com Lima Barreto, e ele se fez mais atual, do que em vida. E a pessoa aqui, cansada das notícias, não fazia outra coisa a não ser repensar as notícias do Brasil. | ||
Como era possível um século depois tudo parecer está no mesmo lugar? | ||
“Não há nada de novo de baixo do sol”. Quem disse essa frase foi o homem mais sábio da terra, quem sou eu para contestar. | ||
E lá estava eu, com o Seu Lima, lendo histórias sobre a revolta da vacina, sobre os tais higienistas, sobre enchentes no Rio de Janeiro... | ||
E guardada algumas diferenças, mudando umas datas aqui, uns nomes ali, eu leria aquilo tudo como uma crônica, ou notícia do dia anterior; sem dúvida alguma. Chegava a ser constrangedor. | ||
Ah, Brasil! Meu Brasil, brasileiro! Tô quase te rebatizando de Grabriela! | ||
Foi numa dessas leituras que mais uma coincidência se deu. | ||
Uma metáfora literária me fez olhar para a notícia do dia, com um distanciamento que só a história se vangloria dá. Mas, quem me concedeu, naquele momento, foi ela a literatura. | ||
Eu estava lendo uma notícia que falava sobre vacinação obrigatória, e imediatamente, lembrei do trecho que tinha lido um tempo atrás. Esse aqui: | ||
“Nascera a questão dos sapatos obrigatórios de um projeto do Conselho Municipal, que foi aprovado e sancionado, determinando que todos os transeuntes da cidade, todos que saíssem à rua seriam obrigados a vir calçados. Nós passávamos então por uma dessas crises de elegância, que, de quando em quando, nos visita. Estávamos fatigados da nossa mediania, do nosso relaxamento; a visão de Buenos Aires, muito limpa, catita, elegante, provocava-nos e enchia-nos de loucos desejos de igualá-la. (Recordações do Escrivão Isaías Caminha – Capítulo 10) | ||
Observei a coincidência temática, a metáfora do sapatos e o modo como o narrador inseriu a sua crítica na narrativa. | ||
Não era sobre sapatos, nesse trecho não fica evidente, mas a preocupação do narrador é, continuamente, com o povo. Todas as épocas têm as suas polêmicas que inflamam e cegam a sociedade. | ||
E a história dos times pró-vacina x antivacina, já vai para mais de um século no Brasil. Mas, também sabemos que quanto à vacina, a história nos mostra, que na disputa anterior, o time Oswaldo Cruz tinha razão. | ||
E ao comparar a narrativa com a notícia, fica a sensação que: a gente resolve problemas da mesma forma desde sempre, e já somos escravos desse “jeitinho brasileiro de fazer”. | ||
Como fica claro que, a ironia e o humor nos faz emergir, em meio a um oceano de notícias repetidas; e em meio ao vai e vem dessas discussões, o que nos impressiona é atualidade de Lima Barreto, mais de um século depois. | ||
Mas, ainda assim, sobram algumas perguntas: | ||
Nesse tempo, ainda precisamos que sapatos sejam obrigatórios? | ||
Eles já não são direito de todos? | ||
Já temos sapatos pra todos? | ||
Por que ainda não temos sapatos pra todos? | ||
???... | ||
E sem querer, mais uma vez, eu volto às notícias... | ||
Pra começar a conhecer Lima Barreto | ||
Crônicas: Seletas do Lima Barreto | ||
As Enchentes | ||
Os Tais Higienistas | ||
Uma coisa puxa a outra II | ||
Romance: | ||
Recordações do Escrivão Isaías Caminha – A revolta dos sapatos tá do capítulo 10 pra frente - http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000157.pdf |