Não era sobre sapatos.
120
0

Não era sobre sapatos.

Quem não se cansou das notícias dos jornais nos últimos tempos? Eu mudei a rotina de leitura, tem semana que nem passo perto de jornais, porque é exaustivo demais.

Monalisa
3 min
120
0
Vacina.
Vacina.

Quem não se cansou das notícias dos jornais nos últimos tempos? Eu mudei a rotina de leitura, tem semana que nem passo perto de jornais, porque é exaustivo demais.

Pandemia, lockdown, economia, ausência de vacina para coronavírus, vacina para coronavírus, escassez de vacina para coronavírus, todos esses assuntos diariamente nos noticiários.                                                                                                                                                                                                                                                                      

Que bom que a literatura tem esse poder fantástico de nos transportar para outros lugares, e alguns autores um talento especial de colocar no texto humor e ironia ao narrar as suas histórias.

E assim, entre fugir de uma superexposição às notícias aqui, e manter-me informada ali. Eu me reencontrei com o Sr. Lima Barreto, já ouviu falar dele?

Um pré-modernista, muito atual!

Não ficou famoso, em vida e ainda hoje não é muito popular.

Foi um jornalista e escritor inquieto e indignando com as injustiças sociais do Brasil. Nasceu no final do século 19, viveu no início do século 20; e, sem dúvida, é um dos importantes escritores da literatura brasileira.

Ele possuía uma escrita engajada que não poupava ninguém, falava o que desejava falar sempre. Era um crítico feroz dos políticos e autoridades do seu tempo.

Ele era o que as pessoas chamariam de fora da curva, diferentão, e tinha uma história de vida pra ser assim... Não vou te contar tudo aqui!

Pois bem, eu me reencontrei com Lima Barreto, e ele se fez mais atual, do que em vida. E a pessoa aqui, cansada das notícias, não fazia outra coisa a não ser repensar as notícias do Brasil.

Como era possível um século depois tudo parecer está no mesmo lugar?

“Não há nada de novo de baixo do sol”. Quem disse essa frase foi o homem mais sábio da terra, quem sou eu para contestar.

E lá estava eu, com o Seu Lima, lendo histórias sobre a revolta da vacina, sobre os tais higienistas, sobre enchentes no Rio de Janeiro...

E guardada algumas diferenças, mudando umas datas aqui, uns nomes ali, eu leria aquilo tudo como uma crônica, ou notícia do dia anterior; sem dúvida alguma. Chegava a ser constrangedor.

Ah, Brasil! Meu Brasil, brasileiro! Tô quase te rebatizando de Grabriela!

Foi numa dessas leituras que mais uma coincidência se deu.

Uma metáfora literária me fez olhar para a notícia do dia, com um distanciamento que só a história se vangloria dá. Mas, quem me concedeu, naquele momento, foi ela a literatura.

Eu estava lendo uma notícia que falava sobre vacinação obrigatória, e imediatamente, lembrei do trecho que tinha lido um tempo atrás. Esse aqui:

“Nascera a questão dos sapatos obrigatórios de um projeto do Conselho Municipal, que foi aprovado e sancionado, determinando que todos os transeuntes da cidade, todos que saíssem à rua seriam obrigados a vir calçados. Nós passávamos então por uma dessas crises de elegância, que, de quando em quando, nos visita. Estávamos fatigados da nossa mediania, do nosso relaxamento; a visão de Buenos Aires, muito limpa, catita, elegante, provocava-nos e enchia-nos de loucos desejos de igualá-la. (Recordações do Escrivão Isaías Caminha – Capítulo 10)

Observei a coincidência temática, a metáfora do sapatos e o modo como o narrador inseriu a sua crítica na narrativa.

Não era sobre sapatos, nesse trecho não fica evidente, mas a preocupação do narrador é, continuamente, com o povo.  Todas as épocas têm as suas polêmicas que inflamam e cegam a sociedade.

E a história dos times pró-vacina x antivacina, já vai para mais de um século no Brasil. Mas, também sabemos que quanto à vacina, a história nos mostra, que na disputa anterior, o time Oswaldo Cruz tinha razão.

E ao comparar a narrativa com a notícia, fica a sensação que: a gente resolve problemas da mesma forma desde sempre, e já somos escravos desse “jeitinho brasileiro de fazer”.

Como fica claro que, a ironia e o humor nos faz emergir, em meio a um oceano de notícias repetidas; e em meio ao vai e vem dessas discussões, o que nos impressiona é atualidade de Lima Barreto, mais de um século depois.

Mas, ainda assim, sobram algumas perguntas:

Nesse tempo, ainda precisamos que sapatos sejam obrigatórios?

Eles já não são direito de todos?

Já temos sapatos pra todos?

Por que ainda não temos sapatos pra todos?

???...

E sem querer, mais uma vez, eu volto às notícias...

Pra começar a conhecer  Lima Barreto

Crônicas: Seletas do Lima Barreto

As Enchentes

Os Tais Higienistas

Uma coisa puxa a outra II

Romance:

Recordações do Escrivão Isaías Caminha – A revolta dos sapatos tá do capítulo 10 pra frente - http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000157.pdf