Áudio acelerado no WhatsApp: uma breve história sobre os Incas e o Adam Sandler

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Depois do WhatsApp anunciar a funcionalidade de acelerar os áudios, comecei a pensar em um monte de coisas. Sempre fui considerado um cara ansioso, intenso - até com dificuldade de foco em alguns momentos. Ao longo dos anos, fui aprendendo a lidar com isso, essa inquietude de sempre achar que precisava fazer mais de uma atividade, de começar sempre uma coisa nova. Mas até eu estou surpreso com o ponto em que chegamos. Vejo hoje as pessoas querendo colocar velocidade em tudo e esquecendo de viver o processo. E o que faz a gente não é a chegada, mas o caminho.

Vou citar aqui um filme, meio bobo inclusive, mas com uma mensagem muito interessante por trás: Click, com o Adam Sandler. Na história, ele tem um controle remoto que pode passar pra frente determinados momentos da vida: na hora da briga com a esposa, quando o filho chora, no problema do trabalho. Quando ele percebe, os anos passaram e não viveu nada. Tudo que fez foi pular momentos difíceis, justamente aqueles que o moldariam pra viver os de felicidade. Pra chegarmos na alegria, na diversão, na realização, temos obstáculos a percorrer, não tem jeito!

Tenho uma história particular que tem muito a ver com isso. Um dos momentos mais bonitos da minha vida foi quando fiz a trilha inca em Machu Picchu, em 2006 (mesmo ano do lançamento do Click, inclusive). É uma experiência espiritual. “Ah, Abramo você é muito conectado com o passado dos Incas”, diria você. Nada disso. É uma experiência espiritual porque a gente passa quatro dias caminhando e não tem como passar aquilo pra frente. Até existe uma trilha mais curta, mas escolhi a mais longa porque me disseram que o percurso era muito mais bonito. Eu me lembro no quarto dia, quando subi as escadas, uma subida quase vertical, e cheguei na Porta do Sol. No alto do morro, vi o sol nascendo e se espalhando por Machu Picchu. Me lembro até hoje, foi uma das grandes emoções da minha vida. Olhar para aquela beleza e falar “caramba, eu ralei pra chegar aqui, mas cheguei”.

Eu trouxe aquela experiência pra tudo. Aprendi que a melhor forma de fazer as coisas é viver o processo. O meu foi chegar até Machu Picchu, através da trilha inca e viver um momento único. Quem faz a trilha de um dia não tem a mesma vivência. O meu encantamento com aquilo tudo foi muito maior, claro! Eu vivi isso alguns anos depois fazendo uma corrida de 18km em Belo Horizonte. Mas essa é uma história para outro dia.

Vejo muita gente querendo ser reconhecida como ultra especialista com 20 anos. E com essa idade não se é ultra em nada. Talvez existam casos específicos de pequenos gênios que começaram a estudar algo aos 13 anos. Mas não existe expert sem vivência. Não dá pra “passar pra frente” seu amadurecimento.

Com a aceleração do áudio do WhatsApp, perdemos a conexão com o outro. Com tanta gente trabalhando à distância, é fundamental entender o tom que a pessoa está usando. Essa é a grande diferença para uma mensagem escrita. A gente tem falado tanto de empatia e aí a recebe um áudio e passa pra frente? Como entender o que a pessoa está querendo dizer dessa forma? Impossível!

Hoje em dia, mais do que nunca, há uma grande dificuldade de escolhermos o que queremos fazer de verdade. E entender que podemos abrir mão de algumas coisas em benefício de outras. É impossível estar em todos os lugares ao mesmo tempo. E precisamos escolher o que queremos de verdade. É uma questão muito geracional também. Pergunta se meu pai participa de 72 grupos de WhatsApp. Ele não tá nem aí, tem dois grupos e olhe lá. E ouve tudo o que chega com a maior atenção.

Quando terminei a trilha em Machu Picchu, me senti no céu. Agradeci cada um dos milhares de passos que dei, os momentos acampando e cozinhando no fogareiro. Que conquista inesquecível. Ela não será, jamais, acelerada em minha memória. Aprendi com os Incas que o tempo da vida não pode ser ditado pelo da nossa ansiedade. 

Sobre a novidade do WhatsApp, tenho certeza que os Indicas concordariam comigo em dizer: Áudio acelerado? Não, obrigado!

E você? O que achou do recurso? Você costuma acelerar áudios ou é do time que escuta tudo?

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