Crítica | O Convite
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Crítica | O Convite

Boa atmosfera, mas não consegue manter a tensão necessária para funcionar.

Adam William
4 min
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A tensão é um elemento interessante no cinema. Quando usada bem, pode dar forma à obras que se garantem com pouco orçamento ou mesmo sem um elenco estrelado, mas quando mal utilizada, pode gerar filmes que acabam perdendo-se dentro da própria história enquanto buscam estabelecer a atmosfera certa para surpreender o espectador. O Convite (The Invitation) infelizmente acaba caindo na armadilha de “cozinhar” demais o espectador dentro de uma trama de 90 minutos, ainda que dotado de diversas ideias interessantes que poderiam se tornar algo muito melhor.

No filme, Will (Logan Marshall-Green) aceita o convite de sua ex para uma reunião de amigo em sua antiga casa. O começo da obra é interessante justamente pelo já citado artifício da tensão, bem construído pela diretora Karyn Kusama nos primeiros minutos conforme algumas informações são dadas ao espectador, sendo uma delas o motivo do desconforto do personagem principal estar atrelado a um luto recente. Não há muito o que dizer fora isso, visto que a obra se apoia na premissa de que existe algo errado, mas nunca necessariamente dá pistas do que — e como já dito, a angústia do protagonista tem outras explicações possíveis –, fazendo com que a trama não se apoie na tensão, mas sim na curiosidade para entender o que exatamente está havendo ali.

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Há um conceito em roteiros chamado ponto de virada, onde o roteirista utiliza de informações para fazer com que a trama mude sua rota, estabelecendo conflitos e criando reviravoltas que mantenham a trama interessante. Aqui, a dupla de roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi cometem um erro ao tentar alimentar a tensão com informações contraditórias, colocando pontos de virada seguidos que, em suma, acabam direcionando a trama para o mesmo lado. Ao fazer isso, os roteiristas acabam se desmentindo cedo demais, sem dar tempo para o espectador sequer refletir sobre uma informação antes de tudo voltar ao estado de antes. Um dos convidados não chegou, mas deixou uma mensagem suspeita na caixa postal? Calma, basta alguns minutos para confirmar que não houve nada de errado. Ao avançar a trama dessa forma, a atmosfera de tensão desaparece, já que não tarda para que a suspeita se volte para o protagonista e não aqueles a seu redor.

Com tal vínculo perdido, o espectador não tem escolha a não ser esperar a conclusão se aproximar para que alguma coisa de fato ocorra na trama. Kusama parece ter problemas para alinhar sua obra, que acaba apresentando um desencontro entre o andamento da história e aspectos como a boa trilha sonora — que gera uma antecipação em momentos inapropriados, mas se ausenta nos momentos de tensão — ou a montagem, que insere recortes em determinadas cenas, possivelmente para criar momentos intrigantes, mas acaba simplesmente gerando sequências confusas. Sua direção também sofre com uma certa inconstância, ora demonstrando um bom controle de cena — estabelecendo conflitos entre os personagens sem recorrer à diálogos expositivos –, ora criando momentos que soam bastante gratuitos sem desdobramentos relevantes para a história, como a sequência do “jogo” Eu Quero e a reação de uma das convidadas.

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Conforme O Convite se aproxima de seus minutos finais, permanece a sensação de potencial desperdiçado e uma curiosidade ainda maior do que a obra poderia ter sido se resolvesse explorar verdadeiramente algo que apenas é sugerido na cena final. Não somente isso, mas talvez aprofundado outros elementos interessantes, abordando melhor temas como a depressão, o luto e o fanatismo religioso, que já estão presentes na obra, mas de forma bastante rasa. Com uma atmosfera maravilhosa a princípio e um roteiro que planta suspeitas a fim de instigar, O Convite é um filme que infelizmente perde força por não saber administrar aquilo que seria seu maior trunfo: a tensão psicológica.

By Adam William on May 21, 2020.