Crítica | O Último Mestre do Ar, manual definitivo de como não fazer uma adaptação
0
0

Crítica | O Último Mestre do Ar, manual definitivo de como não fazer uma adaptação

Problemático em todos os sentidos.

Adam William
4 min
0
0

Não sou o maior fã de M. Night Shyamalan, mas mesmo assim acho quase inacreditável como O Último Mestre do Ar (The Last Airbender) é uma obra que erra praticamente tudo que pode errar ao adaptar a brilhante animação Avatar: A Lenda de Aang. Tudo.

Do roteiro à direção — ambos a cargo de Shyamalan —, passando por diálogos péssimos proferidos por um elenco incrivelmente ruim — não me lembro de outro casting tão vergonhoso quanto este, que fazem Jackson Rathbone e Dev Patel serem, de longe, os melhores atores dentre os principais —, The Last Airbender força a amizade até onde é possível. É clara a dificuldade que o diretor possui para encaixar uma temporada inteira da animação em um filme de 100 minutos, mas o resultado é de uma preguiça ímpar.

Recorrendo aos mais fáceis recursos — montagens para mostrar o grupo principal em viagem, diálogos expositivos e uma narração em off que cansa antes do primeiro terço do filme —, o filme sequer parece interessado em tentar capturar a essência da animação, que é incrivelmente profunda ainda hoje. Nem mesmo as sequências de ação, que deveriam ser a parte mais simples de replicar/adaptar, funcionam. Chega a ser cômico ver os personagens realizando as dobras elementais, principalmente a de fogo que leva alguns segundos para funcionar após a “dança” realizada pelos personagens.

Email image

Tomando atalhos para chegar a pontos-chave da série e reproduzi-los em live-action, Shyamalan não parece entender que está no comando de uma adaptação. O resultado parece ter saído de um produto com duração muito maior, como se a série fosse inteiramente filmada com os atores e depois simplesmente reeditada para caber na duração pretendida. Momentos que deveriam possuir certo impacto emocional, desta forma, perdem-se nesta montagem, como quando Aang se revela como Avatar — na sequência da prisão do treino da Terra — ou quando a obra utiliza um flashback para contar o passado de Zuko.

Não fosse suficiente a já problemática escolha do elenco, ainda temos uma gritante mudança étnica dos personagens, que além de incluir um whitewashing bizarro no trio principal, não apresenta nenhuma justificativa para isso. Na animação, inclusive, os membros da nação do fogo possuem um tom de pele ainda mais claro que os personagens da tribo da água, o inverso do mostrado aqui, onde estes são interpretados por atores de descendência indiana/maori. Além disso, toda a produção possui ares de algo saído dos anos 70/80, não só nos efeitos especiais quanto na ambientação, no trabalho de enquadramento e, novamente, nos diálogos.

Shyamalan acerta em alguns planos aqui e ali, que lembram — mesmo que rapidamente — a atmosfera da animação, como o momento que a câmera faz um travelling mostrando um grupo de dobradores da tribo da água. Mas mesmo tais momentos não passam de raros brilhos em uma produção que, em suma, é vazia na maior parte do tempo, principalmente pela pressa que impede que seus personagens sejam trabalhados devidamente. À exceção de Zuko, os protagonistas sequer tem suas motivações claras. Até mesmo Aang, personagem-título que parece ser movido apenas pelo fato de dever agir como o Avatar, mas sem necessariamente abraçar tal destino. E se o antagonismo de Zuko é bem construído através de vários episódios na animação, aqui os heróis sequer o conhecem de fato, minando boa parte da carga dramática de certos conflitos.

Email image

Ironicamente, The Last Airbender guarda uma semelhança com o restante da obra de Shyamalan, conhecido por seus finais surpreendentes, pois aqui também é possível se surpreender com os últimos minutos, pois é o único momento do filme que acerta em algo. A sequência final evoca certa grandiosidade — na trilha sonora principalmente, mas também no plano de Aang finalizando o conflito utilizando seus poderes —, contrariando tudo que fora apresentado antes. Ainda assim, passa longe de ser suficiente para salvar um conjunto tão frágil e vazio, que poderia ter sido o início de uma extraordinária trilogia, mas sequer arranha a superfície da obra base.

Enquanto Avatar: A Lenda de Aang é divertida, emocionante e dotada de uma boa carga de filosofias, o único elogio possível para The Last Airbender é não ser totalmente esquecível. Apesar de que, ser lembrado por ser um erro monumental não seja, de fato, um elogio a ser feito.