Mais difícil do que ser inovador, é permanecer inovador
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Mais difícil do que ser inovador, é permanecer inovador

Eu vou falar de inovação contando pra vocês a história de uma empresa que eu tenho certeza que você conhece, e que pode ajudar a ter insights bem interessantes sobre empresas que em algum momento são inovadoras e acabam se perdendo pelo camin...

Ale Netto12/03/2021
10 min
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Eu vou falar de inovação contando pra vocês a história de uma empresa que eu tenho certeza que você conhece, e que pode ajudar a ter insights bem interessantes sobre empresas que em algum momento são inovadoras e acabam se perdendo pelo caminho. Como a gente pode garantir que isso não aconteça?

A história da GoPro vai ajudar nesse processo.

GoPro 9 Black
GoPro 9 Black

A GoPro é uma empresa criada por um cara chamado Nick Woodman lá em 2002. Woodman era um surfista, gostava de esportes de ação e um belo dia ele pensou o seguinte: “que legal seria se eu pudesse gravar imagens de mim mesmo, surfando na minha prancha, pra poder compartilhar com meus amigos, com minha família”, e aí ele criou um mercado que efetivamente não existia. O mercado de Câmeras de Ação, compactas, capazes de capturar imagens durante o processo de prática de esportes, que até então só poderia vivenciar aquilo quem praticava o esporte. E com a criação das GoPros as pessoas passaram a filmar elas mesmas fazendo esse tipo de esporte e compartilhar como quisessem. Isso fez com que a GoPro fosse um sucesso absolutamente estrondoso, porque o Nick Woodman foi capaz de criar uma espécie de auto-marketing, isso significa que as pessoas capturavam as próprias imagens, compartilhavam nas redes sociais, as pessoas assistiam as imagens, achavam sensacional e passavam a também querer gravar as próprias imagens - quanto mais pessoas gravavam e compartilhavam, mais pessoas queriam fazer a mesma coisa e isso acabou fazendo com que a GoPro tivesse um crescimento absurdamente fantástico. Até 2014, desde 2002, a empresa sempre teve crescimento, sempre muito grande e contínuo. E em 2014 foi feito o IPO, a abertura do capital na bolsa de valores americana, em um dos IPOs mais bem sucedidos da história das empresas de tecnologia, fazendo inclusive que o Nick Woodman chegasse a ser comparado com Steve Jobs na época.

O grande problema é que depois do IPO, alguma coisa estranha começou a acontecer. Desde então, desde o fim de 2015 até 2017, a GoPro perdeu dinheiro, teve prejuízo em todos os trimestres. Em Setembro de 2016 a empresa acredita que vai ser capaz de recuperar a trajetória e ela lança dois produtos fundamentais para o futuro da GoPro, o primeiro a GoPro Hero 5, a nova câmera de ação, compacta, que agora pela primeira vez incorporava a possibilidade de ser a prova d’água sem a necessidade daqueles cases externos, que até então eram utilizados pra pra proteger a câmera pra poder ser utilizada debaixo d’água. E o segundo produto, um drone, chamado Karma, que supostamente revolucionaria a forma que as pessoas gravam as suas próprias imagens, pouco tempo depois do lançamento a GoPro, cuja principal atração era ser a prova d’água, começa a apresentar vazamentos, e o drone Karma, começa a despencar sozinho, em pleno vôo, trazendo o risco de machucar as pessoas em solo.

E aí vem a pergunta: o que será que aconteceu com a GoPro que até o seu lançamento na bolsa de valores era um sucesso enorme e que pouco tempo se perdeu pelo caminho e começou a enfrentar problemas muito sérios que ameaçavam a própria sobrevivência da empresa.

A primeira coisa que aconteceu foi o excesso de dinheiro pós-IPO. Com muito dinheiro a empresa começou a ter muita pressão dos seus acionistas e do mercado pra crescer ainda mais rápido. Ela passou a enfrentar uma pressão muito grande pra expansão, e isso fez com que a empresa escolhesse tornar-se uma empresa de mídia, ao invés de uma empresa de câmeras. Ela começou a querer ter iniciativas de criar um canal de streaming, de produzir os próprios conteúdos, num dado momento ela chegou a ter 30 séries sendo produzidas ao mesmo tempo, imaginando que entrar no mercado de mídia seria algo interessante porque empresas de mídia normalmente são avaliadas pelo mercado e bolsas de valores, com múltiplos muito mais significativos do que empresas de tecnologia. A empresa também foi acometida de uma certa megalomania, em Julho de 2015 ela lançou uma câmera que era ainda mais compacta que aquelas que ela estava acostumada a fazer, chamada GoPro Session, um quadradinho pequenininho com apenas um botão e sem nenhum visor, que foi criado para ser uma câmera de entrada da linha de produtos da GoPro mas que por ser um produto considerado tão fantástico pela empresa e pelo Woodman, seu fundador e CEO, ela foi lançada a 399 dólares, ao invés dos 199 dólares que originalmente era o plano - e a razão pra lançar uma câmera com muito menos funcionalidades que as câmeras topo de linha da GoPro, pelo preço que eram as câmeras topo de linha da GoPro, se baseava exclusivamente no fato de que eles acreditavam que a câmera fazia coisas tão fantásticas que bastava lançar no mercado e as pessoas comprariam simplesmente por ser uma GoPro. O próprio presidente da empresa, o Woodman, foi acometido por essa síndrome megalomaníaca, ele comprou yacht, ele comprou avião, ele comprou frotas de carros, tornando-se por um tempo o CEO mais bem pago da área de tecnologia nos Estados Unidos, e a empresa por sua vez, passou de 700 pra 1.600 funcionários em apenas 18 meses, também fruto dessa pressão por expansão para uma empresa de mídia - ou seja, muitos passos tomados ao mesmo tempo e que acabaram resultando em iniciativas que nunca chegaram a ser lançadas, como a ideia de transformar a GoPro numa empresa de mídia.

A plataforma de mídia que "mudou" o core da empresa
A plataforma de mídia que "mudou" o core da empresa

Quando a gente olha pra uma história como da GoPro, que eu contei até agora, é relativamente fácil interpretar aspectos dessa história que acabaram colocando a empresa numa trajetória que não foi das melhores.

A primeira dessas coisas é a perda da essência da empresa, fruto de uma miopia dos seus gestores. Quando a gente olha a origem da história da GoPro, tudo estava em torno da ideia de que as pessoas iam pegar uma câmera e ir lá fora fazer alguma coisa; gravar uma cena, gravar um filme, ou seja, as pessoas eram parte da ação. Quando a GoPro se transformou numa empresa de mídia, ela passou a dizer o contrário, ela passou a convencer seus usuários de que ela criaria as imagens pra que o consumidor assistisse de uma maneira passiva - olhando hoje sob a perspectiva de quem analisa a história que já aconteceu, é fácil perceber que isso não poderia funcionar. A perda da essência foi um grande problema.

A segunda coisa que acabou colocando a GoPro nessa trajetória equivocada, foi o fato de que elas negligenciaram o CORE da empresa, o negócio principal da empresa, e é fácil entender as evidências que mostram que isso efetivamente aconteceu, quando ela se transformou em uma empresa de mídia, ela acabou negligenciando, deixando de lado todo seu controle de qualidade e todo seu foco no desenvolvimento de produtos - que eram grandiosos.Um d

 Um dos drones da empresa, depois de despencar do céu
 Um dos drones da empresa, depois de despencar do céu

Ela se tornou quem se tornou, porque fazia produtos fantásticos. Ao deixar de colocar a atenção nesses mesmos produtos, ela lança uma câmera à prova d’água que tem vazamento, ela lança um drone que despenca no meio do vôo, e a razão pela qual essas coisas aconteceram - hoje elas já foram identificadas - a GoPro Hero 5 (a do vazamento) apresentava esse problema porque a parede embalava a máquina, era muito pequena, tinha 0,2mm de espessura, e isso seria facilmente identificável com testes feitos de maneira rigorosa. Da mesma forma que o que causava o problema do drone, era uma tampa plástica no compartimento de bateria, que acabava se deslocando durante o vôo e dava mal contato na bateria, outro problema facilmente identificável - caso o foco da empresa tivesse permanecido em criar produtos fantásticos.

Em terceiro lugar, a GoPro esqueceu a sua origem. Tudo na GoPro original, uma vez que ela era uma empresa de produtos, girava em torno do produto em si; marketing, vendas, engenharia, design, tudo funcionando de maneira harmônica e integrada pra criar produtos fantásticos. Quando ela começou a dar tiro pra todo lado, querendo se tornar uma empresa de mídia, querendo diversificar demais seu portfólio, isso fez com que a empresa ganhasse em tamanho, se tornasse uma empresa inchada, com muita gente cuidando de muita coisa ao mesmo tempo e praticamente nenhum foco.

Hoje, pra tentar reencontrar o caminho do sucesso, a GoPro tomou umas medidas importantes. Ela demitiu praticamente 1/4 da empresa, ela extinguiu as iniciativas de mídia que estava envolvida e pela primeira vez em muito tempo, ela volta a estabelecer foco no produto. Como resultado ela acaba de lançar uma série de câmeras com funcionalidades realmente inovadoras para as pessoas que querem voltar a produzir seus filmes de ação, fazendo com que ela possa, quem sabe, voltar a ser reconhecida por produzir produtos grandiosos. Se isso vai funcionar, só o tempo vai dizer, mas a gente pode tirar algumas lições bastante importantes com essa história toda.

A primeira dessas lições, é que o fato de você ser muito bom numa coisa não o torna, necessariamente, bom em absolutamente tudo. A GoPro era uma empresa excepcional no desenvolvimento de produtos. Quando ela tentou diversificar isso em segmentos percorrendo caminhos que ela não originalmente conhecia, ela acabou se perdendo.

A segunda lição aprendida diz que quanto mais simples, melhor. Até o momento em que a GoPro manteve uma estrutura enxuta, no ponto de vista da organização dela própria como empresa, com marketing, desenvolvimento de produtos, vendas e etc, tudo girando de forma harmônica em torno do produto, tudo funcionou muito bem. Quando ela começou a inchar sua estrutura, fruto das decisões e das escolhas que fez de diversificar demais seu portfólio, isso fez com que as decisões passassem a ser tomadas de uma maneira extremamente lenta, que por exemplo, levou no problema do lançamento da GoPro Hero 5 e do drone.

A terceira lição aprendida trata da necessidade de avaliar o melhor caminho quando estamos pensando em fazer uma empresa crescer. Será que é melhor buscar diversificação, ou será que é melhor fortalecer a empresa naquilo que ela já é efetivamente boa? No caso da GoPro a escolha foi diversificar, mas nem sempre esse é o melhor caminho, a grande consequência dessa escolha foi que o fantasma que habitava a empresa nos seus primórdios, que era que outras empresas de tecnologia pudessem construir câmeras tão boas e eventualmente mais baratas que a GoPro, efetivamente se concretizou. Enquanto a GoPro escolhia dedicar tempo a iniciativas de produção de mídia, ao invés de continuar evoluindo e mantendo-o à frente da concorrência, a concorrência a alcançou e conseguiu colocar no mercado câmeras quase tão boas e por valores muito inferiores.

E a quarta lição aprendida é que a liderança tem que tomar muito cuidado quando falar do futuro. O próprio CEO, o próprio Woodman, reconhece que a sua própria confusão a respeito de que caminho seguir, fez com que ele consolidasse dentro da empresa, com todos os colaboradores, uma visão que era um tanto quando confusa. Nesse momento as pessoas não sabiam mais quais eram suas prioridades e acabavam não fazendo aquilo que precisava ser feito, da maneira que precisava ser feita, pra continuar mantendo a GoPro no topo, quando nós falamos de empresas que produzem câmeras de ação e produtos fantásticos, e ela acabasse se desviando do caminho do sucesso

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