Esta texto teve seu início através da publicação do “Caderno Metropolitano”, em 2017, elaborado pela Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro, onde identifica-se a quantidade de vias pavimentadas dos municípios da Região Metropolitana do Rio de...
Este texto teve seu início através da publicação do “Caderno Metropolitano”, em 2017, elaborado pela Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro, onde identifica-se a quantidade de vias pavimentadas dos municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Por lá, detectamos , por exemplo, que 50,05% das vias dos municípios da RMRJ encontra-se sem pavimentação; sendo o município de Itaboraí com mais vias não pavimentadas (80,71% de suas vias). Utilizamos como hipótese que o pensamento sobre a cidade, moradia e indústria aqui está intrinsecamente atrelada à falta de mobilidade. | ||
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Para além da falta de pavimentação em Itaboraí, teve grande influência , neste texto, a construção , no município, do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, em 2006 . Este foi considerado o maior empreendimento da história da Petrobrás, e , o maior trabalho de terraplanagem do país . Por consequência, tanto a (i)mobilidade urbana , quanto a instalação do COMPERJ, nos fazem pensar o espaço da cidade, enquanto principal objeto desta pesquisa. E aqui pergunta-se : i) Como garantir o direito aos recursos da cidade , quando as vias públicas não tem pavimentação? ii) De que forma um município com 80,71% das vias não pavimentadas das se estrutura para receber um projeto como o COMPERJ? iii) A quem serve a cidade sem asfalto : para as pessoas ou para os negócios? | ||
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Apesar do investimento expressivo para este mega empreendimento, no final de 2014 as obras começaram a ser paralisadas após instalada uma operação Lava Jato [1] . Até hoje não existe conclusão da obra e o legado necessário para o município são milhares de trabalhadores desempregados, uma queda significativa na arrecadação municipal, sem contar as mais de quatro mil salas comerciais fechadas e vazias pelos prédios da cidade. Até o momento, as obras não foram retomadas e só é feita a manutenção dos equipamentos locais, mas muitos são os esforços para a conclusão do empreendimento no Rio de Janeiro (Itaboraí, 2018). Outros empreendimentos de construção neste município, são: | ||
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Logo, tanto pela (i)mobilidade urbana, quanto pela construção do COMPERJ, podemos atribuir elementos empíricos que se incluem na realidade do município de Itaboraí, que com ou sem infraestrutura, trazem inúmeras problemáticas para a sociedade itaboraiense. Onde a falta de pavimentação é responsável pelo problema de acesso e mobilidade, e o COMPERJ, traz acompanhado de si, um processo desigual e desequilibrado de urbanização, e aqui se orientam a infraestrutura de cidade e a habitação respectivamente. | ||
Vamos para alguns dados de pesquisa: | ||
O município de Itaboraí tem uma área de 430.374 km², com uma população estimada de 238.695 habitantes e densidade demográfica de 506,55 habitantes por km², em números do IBGE de 2018. Sua divisão distrital é composta por oito distritos e 72 bairros. E aqui, sua estrutura populacional por distrito nos ajuda a entender as centralidades do município de Itaboraí, tornando possível interpretar como este município está organizado populacional e urbanisticamente. Vejamos o mapa e o gráfico a seguir: | ||
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As centralidades urbanas configuram pontos nodais de atração que concentram movimento e circulação de pessoas, mercadorias, variedades de uso, etc, que neste texto servem para entender a relação centro-mobilidade deste município. No caso de Itaboraí, o centro histórico, próximo à Praça Marechal Floriano Peixoto, permaneceu como a principal centralidade do município. Ao longo do tempo, outras centralidades foram surgindo. São pequenos núcleos urbanos que complementam a dinâmica da cidade, o que é importante pra aperfeiçoar e beneficiar áreas mais isoladas do centro urbano principal. Segundo o Itaboraí (2018), essa distribuição contribui para que haja ligação entre as principais centralidades, trazendo mobilidade e equilíbrio para o desenvolvimento eficiente da cidade. | ||
A tabela abaixo apresenta os dados de ocupação e expansão na área urbana da Região Metropolitana. Considera-se neste quadro o município de Itaboraí e seus municípios limítrofes, relacionando informações do ano de 2007 e 2016. São taxas de crescimento que nos ajudam entender sua dinâmica de expansão urbana em relação aos municípios que permeiam sua realidade. E aqui conseguimos estabelecer um comparativo e dimensionalizar a urbanização itaboraiense. | ||
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Na tabela anterior, é ilustrado os dados de ocupação urbana de Itaboraí e municípios circunvizinhos. Nela podemos perceber que o crescimento da expansão urbana em Itaboraí entre 2007 a 2016 foi de 63,65%; este município, sai de uma taxa de 57,98 Km² de área urbana em 2007, para 94,89 Km² em 2016; isso significa um aumento de 8,59% em 9 anos. Dentro da tabela, Itaboraí consta como o segundo município em termos de ocupação urbana. | ||
Existem outros dois gráficos basilares para entender a dinâmica de urbanização em Itaboraí, a começar pela evolução da população residente, entre os anos de 1940 a 2010, e nela identificar-se um explícito aumento populacional. Iremos ilustrar, também, a estimativa da população, entre 2002 a 2016. Em ambos os gráficos observamos uma curva ascendente de nível populacional residente o que indica o processo de urbanização deste município, entre os anos 1990 e 2010. | ||
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Outro dado que exprime uma transição urbano-rural em Itaboraí, pode ser identificado pelo crescimento populacional, e o avanço da urbanização, entre 1940 e 2006. A população urbana com relação a população rural, em 2006, atinge um patamar de 95.56% de urbanização . Isso indica a tendência urbana deste município - que não necessariamente indica o desenvolvimento –principalmente se considerarmos o intervalo dos anos 1990 até 2006. | ||
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Considerando que urbanização não é sinônimo de desenvolvimento, usa-se a falta de pavimentação para discutir esse modelo de crescimento, e, em específico, o direito de acesso a os espaços, equipamentos (unidades de saúde e educação) e seus serviços, oferecidos na cidade, sob o aspecto da mobilidade urbana. Observa-se que a maior parte dos estabelecimentos de ensino e de saúde estão presentes nos distritos de Itaboraí e de Manilha, por sua vez, os distritos mais urbanizados de Itaboraí. Porém, o problema não é seu excedente, mas sim, uma dificuldade de acesso a esses recursos pelos moradores de distritos menos assistidos e mais distantes dos centros mais urbanizados. E para esses direitos serem efetivados é necessário num primeiro momento, estruturas de mobilidade urbana mais eficientes. | ||
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A quantidade de vias não pavimentadas gera inúmeros agravantes nas dinâmicas sociais de qualquer município, que vai desde a falta de saneamento e salubridade, dificuldade de acesso e mobilidade de grupos mais vulneráveis, como deficientes físicos e idosos, até uma dificuldade de acesso a recursos públicos, como saúde e educação, e também a gestão da segurança pública. São estruturas de cidades, montadas historicamente através de interesses diversos e que irão influenciar em sua dinâmica no longo prazo. Vejamos: | ||
Uma leve crítica | ||
Para a realidade de Itaboraí o que temos são questionamentos sociais que reivindicam uma melhor estrutura de cidade, seja pela criação de praças, para “melhorar a qualidade de vida”, seja através da pavimentação de ruas, “para melhorar o tráfego entre territórios”. São vozes sociais que podem, por sua vez, representar algumas das pautas de interesse da sociedade itaboraiense[2]. | ||
A construção de vias e rodovias, indústrias e fábricas, estádios poliesportivos e apartamentos comerciais, podem representar desenvolvimento, mas também podem estampar uma realidade de segregação e gentrificação, e limitação dos espaços da cidade, sobre o nome de revitalização. E ainda, podem compor a criação de bolsões e clusters de pobreza derivados do abandono destes Grandes Projetos de Investimento (GPIs). E aqui ilustra-se esta dinâmica na prática: | ||
Com a vinda do COMPERJ para Itaboraí, temos uma dinâmica de construção de condomínios e apartamentos residenciais, como forma de abraçar a nova demanda de trabalhadores; porém a paralização do COMPERJ, trouxe consigo o abandono de apartamentos habitacionais e comerciais, que se aferem como parte paisagística do urbano itaboraiense. Trouxe também o abandono industrial e ambiental da região onde fica instalado o COMPERJ, onde o impacto desta dinâmica, não fica a cargo do setor privado, isto é, o impacto ambiental destes GPIs é socializado, para o setor público e para as pessoas. | ||
Notadamente identifica-se que os GPIs, aqui orientado pelo COMPERJ, incluem-se em territórios com pouca infraestrutura, como em Itaboraí. A qual não é o município que escolhe receber este tipo de aporte, e o contrário se aplica, com isso configura-se na prática o processo da “produção capitalista do espaço”, de modo que a cidade é submetida aos interesses do capital, e não aos interesses sociais. | ||
Ainda ao passo que o setor privado se utiliza das infraestruturas locais, oriundo do crescimento urbano, o mesmo, não se responsabiliza pelos impactos causados por este processo. E a partir disso, o Estado, encontra-se refém de atuar na solução dos problemas causados pela urbanização, advinda da expansão industrial. Com isso, cresce a demanda por recursos e serviços, o que faz onerar ainda mais os gastos do município. | ||
Somado a falta de infraestrutura que após a instalação do COMPERJ e a consequente urbanização ficou cada vez mais evidente. Surgem os conflitos sociais, que equacionado pela crise política e econômica, iniciada em 2014, corrobora para a paralisação do COMPERJ, e traz à tona as constantes greves dos trabalhadores do setor. | ||
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Portanto a leitura crítica e reflexiva sobre a realidade recente do município de Itaboraí, a que pese, sua estrutura de mobilidade atrelada a outros organismos da cidade, utilizados como instrumento do capital com pouca representatividade dos interesses sociais, caracterizam a estrutura de cidade deste município. Estes elementos resumem o questionamento sobre em que circunstâncias o poder público de Itaboraí identifica seu modelo de cidade, para pessoas ou para os negócios? | ||
Conclusões | ||
A leitura que se faz sobre as dinâmicas do município de Itaboraí está orientada por uma práxis ideológica da simbiose entre os elementos da cidade e os elementos do mercado e como estes organismos interagem na definição do lugar. A partir disso, podemos identificar como este determinado espaço será observado, partindo do princípio epistemológico da cidade dos citadinos lócus da construção coletiva e não apenas da construção industrial se se quisermos acrescentar sua dimensão mercadológica. | ||
Se observarmos sobre o espelho social observaremos uma cidade orientada e construída em uma rústica rural, onde isso não necessariamente significa “atraso”. Num ritmo de escassez estrutural, as pessoas vivem e se orientam num dinamismo muito mais lento que a rapidez das grandes cidades. E ali, onde moram os camponeses, pescadores e caranguejeiros, oleiros e artesãos, as pessoas preservam seus traços históricos e culturais. | ||
Já se orientarmos esta análise sobre o prisma econômico e jogarmos luz sobre a organização da cidade, iremos perceber que a inconveniência do capital irá acrescentar novas problemáticas atrelada ao desenvolvimento industrial e urbano da região. E aqui se misturam impactos socioeconômicos, socioambientais e político-institucionais. Afinal: é a cidade que escolhe os grandes projetos ou são os GPIs que escolhe as cidades? Logo, a alteração do status quo da transformação campo-cidade, expropria-se das pessoas as estruturas locais, pelas necessidades do sistema capitalista. | ||
Diante disso podemos chegar a algumas conclusões preliminares, onde: 1) o município de Itaboraí apresenta-se como uma infraestrutura insuficiente para receber um projeto de tamanha proporção como o COMPERJ; 2) A cidade de Itaboraí não foi escolhida aleatoriamente, existe interesses logísticos de acesso e mobilidade entre territórios; 3) o direito de acesso aos recursos da cidade não é garantido da mesma proporção que os interesses do capital. Portanto a ideia da “produção capitalista do espaço”, do ornitorrinco urbano e do “direito à cidade”, confirma-se empiricamente. | ||
Notadamente podemos ensaiar alguns questionamentos e provocações que ficam, e que servem para possíveis pesquisas no futuro. Neste texto, por exemplo, julgamos a quantidade de vias não pavimentadas como fundamentais para o efetivo acesso e mobilidade aos recursos da cidade, porém, será que os municípios com alto índice de vias pavimentadas, como os municípios de Nilópolis, Mesquita e São João de Meriti nessa lógica garantem o direito à cidade? Quais outras variáveis dificultam o acesso à cidade? | ||
E aqui vincula-se a máxima deste texto: para além da cidade sem asfalto. Onde outros elementos da cidade repercutem no seu efetivo acesso, como a infraestrutura urbana, segurança pública e acessibilidade urbana, dentre outros elementos que suscitam o corpo da cidade, isto é, se para as pessoas ou se para os negócios. Portanto, este texto utiliza-se da realidade do município de Itaboraí para ilustrar como o sistema capitalista apropria-se das estruturas da cidade para atingir a seus interesses, e com a conveniência do Estado, não se responsabiliza pelos impactos causados. | ||
[1] Sobre a reivindicação dos moradores de Itaboraí por pavimentação, ver mais em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/vc-no-g1-rj/noticia/2013/08/moradores-realizam-mutirao-para-arrumar-buracos-em-rua-no-rj.html e https://extra.globo.com/noticias/rio/moradores-de-bairro-em-itaborai-reclamam-de-abandono-do-poder-publico-18677584.html, acesso em 19 de ago. de 2021. | ||
[2] Ver mais em: https://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2019/01/08/lava-jato-entenda-a-denuncia-sobre-a-comperj.ghtml e https://oglobo.globo.com/opiniao/comperj-retrato-da-corrupcao-que-abalou-petrobras-22785038, acesso em 17 de ago. de 2021. | ||
Referências: | ||
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