O mestre e Margarida - Mikhail Bulgákov
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O mestre e Margarida - Mikhail Bulgákov

Impressões e divagações sobre o livro "O mestre e Margarida" de Mikhail Bulgákov

Ana Luiza Marques
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Aos novos começos (mesmo os pequenos)

Manuscritos não ardem

Na semana passada, não sabia qual dos livros da - ainda bem - infindável lista de leituras me acompanharia durante a semana. Acabei escolhendo "O mestre e Margarida", do russo Mikhail Bulgákov, que estava na mesinha do meu quarto desde que o comprei em uma pequena livraria de rua de Belo Horizonte, por indicação do livreiro. 

Livro "O mestre e Margarida" de Mikhail Bulgákov. Esta edição é da editora Alfaguara, com tradução de Zoia Prestes.
Livro "O mestre e Margarida" de Mikhail Bulgákov. Esta edição é da editora Alfaguara, com tradução de Zoia Prestes.

O motivo da escolha? Não sei dizer, assim como não sei o motivo pelo qual, neste exato momento, decidi escrever este texto. O que posso dizer é que "O mestre e Margarida" é um livro que merece ser lido e nos diz muito - a nós, brasileiros, no ano de 2021, em meio a uma crise sanitária e no contexto de grande retrocesso democrático -, apesar de ter sido escrito na Rússia, durante os anos de 1928 a 1940.  Isso, aliás, é algo que nunca deixa de me surpreender nos grandes escritores russos: sua atualidade e capacidade de transpor fronteiras e realidades aparentemente tão distantes (histórica e geograficamente). Com Bulgákov, não foi diferente. 

"O mestre e Margarida" é a grande obra-prima do autor, mas somente foi publicado no fim de 1960, 20 anos após sua morte. Desde então, inspirou filmes e peças e inclusive a composição da música Sympathy for the devildos Rolling Stones. Na Rússia, sua publicação somente ocorreu em 1973. 

O enredo do livro é suficiente, por si só, para despertar a curiosidade de novos leitores. Na década de 1930, o diabo, disfarçado de professor alemão, visita Moscou com sua comitiva diabólica, composta por um gato preto imenso, um homem alto e magro, com roupas apertadas e monóculo rachado, um ruivo baixinho e com o canino proeminente, além de uma feiticeira que sempre está nua. 

Não tenho nenhum saber especial (...) mas o simples desejo de viver como um ser humano

As repercussões da passagem desses visitantes inusitados pela cidade são intensas. Muitos perdem a razão, outros desaparecem misteriosamente, alguns se envolvem em situações completamente fora de seu controle.

Paralelamente a isso, há uma outra narrativa: a história do encontro entre Jesus e Pôncio Pilatos, procurador da Judeia. A essa segunda narrativa pode-se somar, ainda, a história de amor entre mestre e Margarida. O primeiro, um escritor que, após trabalhar anos em um romance sobre a vida do procurador romano, sofre com as incompreensões e restrições à publicação  do texto. Margarida, uma personagem forte e corajosa, frustrada com uma vida conjugal cerceadora e apática, que luta para reencontrar seu amante.

É a partir de tudo isso que o livro se desenvolve, como uma sátira bem-humorada do regime soviético e do círculo literário da época, além de uma profunda crítica às vaidades e ambições humanas. E paro aqui para não estragar as surpresas para os novos leitores. 

Terminei o livro há alguns dias e ainda não consegui começar um novo. Toda noite - tenho o hábito de ler todas as noites antes de dormir - paro na minha estante e tento escolher uma nova leitura, mas acabo voltando para "O mestre e a Margarida" e relendo alguns trechos. 

Fui invadida pelo sentimento de tristeza antes do longo caminho. Não é verdade, mestre, que isso é natural até mesmo quando a pessoa sabe que no fim desse caminho a felicidade a aguarda?

Acho que escrevo esse texto também como uma forma de despedida do livro. Claro, a despedida não é definitiva, nem mesmo real. O leitor não sai incólume de uma leitura. Começar um livro é sempre um começar a entender-se. Compreender algo novo, talvez já intuido, talvez nunca pensado. E novos começos são sempre importantes, até mesmo os pequenos, como a nova leitura que pretendo iniciar hoje.

* Obs. Eu li a edição da Alfaguara, traduzida pela Zoia Prestes e publicada em 2009. Não tive problemas com a tradução, mas, pesquisando um pouco sobre o livro, vi que ele foi publicado em 2017 pela Editora 34, com tradução de Irineu Franco Perpetuo. Esta versão é considerada a melhor tradução para português do texto.