A identificação do ego com o sofrimento
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A identificação do ego com o sofrimento

A identificação do ego com o sofrimento.

anderson
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A identificação do ego com o sofrimento.

O processo que acabei de descrever é extremamente poderoso, embora simples.

Poderia ser ensinado a uma criança, e tenho a esperança de que um dia será uma das

primeiras coisas a serem aprendidas na escola. Uma vez entendido o princípio básico do

que significa estar presente observando o que acontece dentro de nós – e “entendemos”

isso quando passamos pela experiência –, teremos à nossa disposição a mais poderosa

ferramenta de transformação.

Não nego que podemos encontrar uma forte resistência interna tentando nos impedir

de pôr um fim à identificação com o sofrimento. Isso acontecerá particularmente se

tivermos vivido intimamente identificados com o sofrimento emocional durante a maior

parte da Vida e se tivermos investido nele uma grande parte ou mesmo todo o nosso

sentido de eu interior. Isso significa que construímos um eu interior infeliz por conta do

nosso sofrimento e acreditamos que somos essa ficção fabricada pela mente. Nesse caso,

nosso medo inconsciente de perder a identidade vai criar uma forte resistência a qualquer

forma de não-identificação. Em outras palavras, você preferiria viver com o sofrimento –

ser o sofrimento – a saltar para o desconhecido, correndo o risco de perder o seu infeliz,

mas familiar eu interior.

Se esse é o seu caso, observe a resistência dentro de você. Observe o seu apego ao

sofrimento. Esteja muito alerta. Observe como é estranho ter prazer em ser infeliz.

Observe a compulsão de falar ou pensar a esse respeito. A resistência deixará de existir se 

você torná-la consciente. Poderá então dar atenção ao sofrimento, estar presente como

testemunha e iniciar a transformação.

Só você pode fazer isso. Ninguém pode fazer por você. Mas, caso tenha bastante sorte

para encontrar alguém intensamente consciente, se puder estar com essa pessoa e juntar-se

a ela no estado de presença, isso poderá ser de grande utilidade, acelerando o processo. Se

isso acontecer, a sua própria luz logo brilhará mais forte. Quando colocamos um pedaço de

lenha que tenha começado a queimar há pouco tempo perto de outro que está queimando

vigorosamente e, depois, separamos os dois novamente, o primeiro tronco passará a

queimar com uma intensidade muito maior. Afinal de contas, é o mesmo fogo. Ser um

fogo dessa natureza é uma das funções de um mestre espiritual. Alguns terapeutas estão

aptos a preencher essa função; desde que tenham alcançado um ponto além do nível de

consciência e sejam capazes de criar e sustentar um estado de presença intensa e consciente

enquanto estiverem trabalhando com você.

A origem do medo

Você mencionou o medo como uma parte do nosso sofrimento emocional latente. Por que há tanto

medo na vida das pessoas? Uma certa dose de medo não é saudável? Se eu não tivesse medo do fogo, poderia

colocar minha mão dentro dele e me queimar.

A razão pela qual não colocamos a mão no fogo não é o medo, e sim a certeza de que

vamos nos queimar. Não é preciso ter medo para evitar um perigo desnecessário, basta um

mínimo de inteligência e bom senso. Nessas questões práticas, é muito útil aplicarmos as

lições do passado. Mas se alguém nos ameaça com fogo ou com violência física, talvez

experimentemos uma sensação como o medo. É uma reação instintiva ao perigo, sem

relação com a doença psicológica do medo que estamos tratando aqui. A doença

psicológica do medo não está presa a qualquer perigo imediato concreto e verdadeiro.

Manifesta-se de várias formas, tais como agitação, preocupação, ansiedade, nervosismo,

tensão, pavor, fobia, etc. Esse tipo de medo psicológico é sempre de alguma coisa que

poderá acontecer, não de alguma coisa que está acontecendo neste momento. Você está aqui

e agora, ao passo que a sua mente está no futuro. Essa situação cria um espaço de angústia.

E caso estejam identificados com as nossas mentes e tivermos perdido o contato com o

poder e a simplicidade do Agora, essa angústia será a nossa companhia constante. Podemos

sempre lidar com uma situação no momento em que ela se apresenta, mas não podemos

lidar com algo que é apenas uma projeção mental. Não podemos lidar com o futuro.

Além do mais, enquanto estivermos identificados com a mente, o ego rege as nossas

vidas, como mencionei anteriormente. Por conta da sua natureza ilusória e apesar dos

elaborados mecanismos de defesa, o ego é muito vulnerável e inseguro e vê a si mesmo em

constante ameaça. Esse é o caso aqui, mesmo que o ego seja muito confiante, em sua

forma externa. Agora, lembre-se que uma emoção é a reação do corpo à mente. Que

mensagem o corpo está recebendo permanentemente do ego, o falso eu interior construído

pela mente? Perigo, estou sob ameaça. E qual é a emoção gerada por essa mensagem

permanente? Medo, é claro. 

O medo parece ter várias causas – tememos perder, falhar, nos machucar –, mas em

última análise todos os medos se resumem a um só: o medo que o ego tem da morte e da

destruição. Para o ego, a morte está bem ali na esquina. No estado de identificação com a

mente, o medo da morte afeta cada aspecto da nossa vida. Por exemplo, mesmo uma coisa

aparentemente trivial ou “normal”, como a necessidade de estar certo em um argumento e

demonstrar à outra pessoa que ela está errada, defendendo a posição mental com a qual nos

identificamos, acontece por causa do medo da morte. Se estivermos identificados com uma

atitude mental e descobrirmos que estamos errados, nosso sentido de eu interior baseado

na mente corre um sério risco de destruição. Portanto, assim como o ego, você não pode

errar. Errar é morrer. Muitas guerras foram disputadas por causa disso e inúmeros

relacionamentos foram destruídos.

Uma vez que não estejamos mais identificados com a mente, não faz a menor

diferença para o nosso eu interior estarmos certos ou errados. Assim, a necessidade

compulsiva e profundamente inconsciente de ter sempre razão – o que é uma forma de

violência – vai desaparecer. Você poderá declarar de modo calmo e firme como se sente ou

o que pensa a respeito de algum assunto, mas sem agressividade ou qualquer sentido de

defesa. O sentido do eu interior passa a se originar de um lugar profundo e verdadeiro

dentro de você, não mais de sua mente. Tenha cuidado com qualquer tipo de defesa dentro

de você. Está se defendendo de quê? De identidade ilusória, de uma imagem em sua mente,

de uma identidade fictícia? Ao trazer esse padrão à consciência, ao testemunhá-lo, você

deixa de se identificar com ele. Sob a luz da consciência, o padrão de inconsciência irá se

dissolver rapidamente. Esse é o fim de todos os argumentos e jogos de poder, tão

prejudiciais aos relacionamentos. O poder sobre os outros é fraqueza disfarçada de força.

O verdadeiro poder é interior e está à sua disposição agora.

O medo será uma companhia constante para qualquer pessoa que esteja identificada

com a mente e, portanto, desconectada do seu verdadeiro poder, o eu profundo enraizado

no Ser. O número de pessoas que conseguiram alcançar o ponto além da mente ainda é

extremamente pequeno, o que nos leva a presumir que, virtualmente, todas as pessoas que

você encontra ou conhece vivem em um estado permanente de medo. Só o que varia é a

intensidade. Ele flutua entre a ansiedade e o pavor numa ponta da escala e um

desconfortável, vago e distante sentido de ameaça na outra. Muitas pessoas só tomam

consciência disso quando o medo assume uma de suas formas mais agudas.