A identificação do ego com o sofrimento.
A identificação do ego com o sofrimento. |
O processo que acabei de descrever é extremamente poderoso, embora simples. |
Poderia ser ensinado a uma criança, e tenho a esperança de que um dia será uma das |
primeiras coisas a serem aprendidas na escola. Uma vez entendido o princípio básico do |
que significa estar presente observando o que acontece dentro de nós – e “entendemos” |
isso quando passamos pela experiência –, teremos à nossa disposição a mais poderosa |
ferramenta de transformação. |
Não nego que podemos encontrar uma forte resistência interna tentando nos impedir |
de pôr um fim à identificação com o sofrimento. Isso acontecerá particularmente se |
tivermos vivido intimamente identificados com o sofrimento emocional durante a maior |
parte da Vida e se tivermos investido nele uma grande parte ou mesmo todo o nosso |
sentido de eu interior. Isso significa que construímos um eu interior infeliz por conta do |
nosso sofrimento e acreditamos que somos essa ficção fabricada pela mente. Nesse caso, |
nosso medo inconsciente de perder a identidade vai criar uma forte resistência a qualquer |
forma de não-identificação. Em outras palavras, você preferiria viver com o sofrimento – |
ser o sofrimento – a saltar para o desconhecido, correndo o risco de perder o seu infeliz, |
mas familiar eu interior. |
Se esse é o seu caso, observe a resistência dentro de você. Observe o seu apego ao |
sofrimento. Esteja muito alerta. Observe como é estranho ter prazer em ser infeliz. |
Observe a compulsão de falar ou pensar a esse respeito. A resistência deixará de existir se |
você torná-la consciente. Poderá então dar atenção ao sofrimento, estar presente como |
testemunha e iniciar a transformação. |
Só você pode fazer isso. Ninguém pode fazer por você. Mas, caso tenha bastante sorte |
para encontrar alguém intensamente consciente, se puder estar com essa pessoa e juntar-se |
a ela no estado de presença, isso poderá ser de grande utilidade, acelerando o processo. Se |
isso acontecer, a sua própria luz logo brilhará mais forte. Quando colocamos um pedaço de |
lenha que tenha começado a queimar há pouco tempo perto de outro que está queimando |
vigorosamente e, depois, separamos os dois novamente, o primeiro tronco passará a |
queimar com uma intensidade muito maior. Afinal de contas, é o mesmo fogo. Ser um |
fogo dessa natureza é uma das funções de um mestre espiritual. Alguns terapeutas estão |
aptos a preencher essa função; desde que tenham alcançado um ponto além do nível de |
consciência e sejam capazes de criar e sustentar um estado de presença intensa e consciente |
enquanto estiverem trabalhando com você. |
A origem do medo |
Você mencionou o medo como uma parte do nosso sofrimento emocional latente. Por que há tanto |
medo na vida das pessoas? Uma certa dose de medo não é saudável? Se eu não tivesse medo do fogo, poderia |
colocar minha mão dentro dele e me queimar. |
A razão pela qual não colocamos a mão no fogo não é o medo, e sim a certeza de que |
vamos nos queimar. Não é preciso ter medo para evitar um perigo desnecessário, basta um |
mínimo de inteligência e bom senso. Nessas questões práticas, é muito útil aplicarmos as |
lições do passado. Mas se alguém nos ameaça com fogo ou com violência física, talvez |
experimentemos uma sensação como o medo. É uma reação instintiva ao perigo, sem |
relação com a doença psicológica do medo que estamos tratando aqui. A doença |
psicológica do medo não está presa a qualquer perigo imediato concreto e verdadeiro. |
Manifesta-se de várias formas, tais como agitação, preocupação, ansiedade, nervosismo, |
tensão, pavor, fobia, etc. Esse tipo de medo psicológico é sempre de alguma coisa que |
poderá acontecer, não de alguma coisa que está acontecendo neste momento. Você está aqui |
e agora, ao passo que a sua mente está no futuro. Essa situação cria um espaço de angústia. |
E caso estejam identificados com as nossas mentes e tivermos perdido o contato com o |
poder e a simplicidade do Agora, essa angústia será a nossa companhia constante. Podemos |
sempre lidar com uma situação no momento em que ela se apresenta, mas não podemos |
lidar com algo que é apenas uma projeção mental. Não podemos lidar com o futuro. |
Além do mais, enquanto estivermos identificados com a mente, o ego rege as nossas |
vidas, como mencionei anteriormente. Por conta da sua natureza ilusória e apesar dos |
elaborados mecanismos de defesa, o ego é muito vulnerável e inseguro e vê a si mesmo em |
constante ameaça. Esse é o caso aqui, mesmo que o ego seja muito confiante, em sua |
forma externa. Agora, lembre-se que uma emoção é a reação do corpo à mente. Que |
mensagem o corpo está recebendo permanentemente do ego, o falso eu interior construído |
pela mente? Perigo, estou sob ameaça. E qual é a emoção gerada por essa mensagem |
permanente? Medo, é claro. |
O medo parece ter várias causas – tememos perder, falhar, nos machucar –, mas em |
última análise todos os medos se resumem a um só: o medo que o ego tem da morte e da |
destruição. Para o ego, a morte está bem ali na esquina. No estado de identificação com a |
mente, o medo da morte afeta cada aspecto da nossa vida. Por exemplo, mesmo uma coisa |
aparentemente trivial ou “normal”, como a necessidade de estar certo em um argumento e |
demonstrar à outra pessoa que ela está errada, defendendo a posição mental com a qual nos |
identificamos, acontece por causa do medo da morte. Se estivermos identificados com uma |
atitude mental e descobrirmos que estamos errados, nosso sentido de eu interior baseado |
na mente corre um sério risco de destruição. Portanto, assim como o ego, você não pode |
errar. Errar é morrer. Muitas guerras foram disputadas por causa disso e inúmeros |
relacionamentos foram destruídos. |
Uma vez que não estejamos mais identificados com a mente, não faz a menor |
diferença para o nosso eu interior estarmos certos ou errados. Assim, a necessidade |
compulsiva e profundamente inconsciente de ter sempre razão – o que é uma forma de |
violência – vai desaparecer. Você poderá declarar de modo calmo e firme como se sente ou |
o que pensa a respeito de algum assunto, mas sem agressividade ou qualquer sentido de |
defesa. O sentido do eu interior passa a se originar de um lugar profundo e verdadeiro |
dentro de você, não mais de sua mente. Tenha cuidado com qualquer tipo de defesa dentro |
de você. Está se defendendo de quê? De identidade ilusória, de uma imagem em sua mente, |
de uma identidade fictícia? Ao trazer esse padrão à consciência, ao testemunhá-lo, você |
deixa de se identificar com ele. Sob a luz da consciência, o padrão de inconsciência irá se |
dissolver rapidamente. Esse é o fim de todos os argumentos e jogos de poder, tão |
prejudiciais aos relacionamentos. O poder sobre os outros é fraqueza disfarçada de força. |
O verdadeiro poder é interior e está à sua disposição agora. |
O medo será uma companhia constante para qualquer pessoa que esteja identificada |
com a mente e, portanto, desconectada do seu verdadeiro poder, o eu profundo enraizado |
no Ser. O número de pessoas que conseguiram alcançar o ponto além da mente ainda é |
extremamente pequeno, o que nos leva a presumir que, virtualmente, todas as pessoas que |
você encontra ou conhece vivem em um estado permanente de medo. Só o que varia é a |
intensidade. Ele flutua entre a ansiedade e o pavor numa ponta da escala e um |
desconfortável, vago e distante sentido de ameaça na outra. Muitas pessoas só tomam |
consciência disso quando o medo assume uma de suas formas mais agudas. |