capítulo oito.
capítulo oito. |
RELACIONAMENTOS ILUMINADOS. |
Entre no agora onde quer que você esteja. |
Sempre pensei que a verdadeira iluminação fosse algo impossível a não ser através do amor entre um |
homem e uma mulher. Não é isso o que nos faz sentir completos? Como alguém pode ter uma vida plena |
sem que isso aconteça? |
A sua experiência pessoal já lhe mostrou que isso é verdade? Já aconteceu com você? |
Ainda não, mas como poderia ser de outro modo? Sei que isso vai acontecer. |
Em outras palavras, você está esperando por um acontecimento no tempo que venha |
lhe salvar. Não é esse o erro principal que temos comentado? A salvação não está em lugar |
nenhum do tempo e do espaço. Está aqui e agora. |
O que quer dizer a frase “a salvação está aqui e agora”? Não entendo isso. Nem mesmo sei o que |
significa salvação. |
Muitas pessoas buscam prazeres físicos, ou formas variadas de gratificação |
psicológica, porque acreditam que essas coisas trazem felicidade ou as libertam de uma |
sensação de medo ou de falta de alguma coisa. A felicidade é vista como uma sensação |
intensa de vivacidade obtida através do prazer físico, ou como uma sensação de um eu |
interior mais firme ou mais completo, obtida através de alguma forma de gratificação |
psicológica. Essa é uma busca de salvação que tem origem num estado de insatisfação ou |
de insuficiência de alguma coisa. Invariavelmente, a satisfação conseguida dessa maneira |
tem curta duração e, assim, a condição de satisfação ou plenitude é geralmente projetada, |
mais uma vez, sobre um ponto imaginário, distante do aqui e agora. “Quando eu conseguir |
isto ou me livrar daquilo, vou estar bem”. Essa é uma disposição mental inconsciente, que |
cria a ilusão de salvação no futuro. |
A verdadeira salvação é satisfação, paz, vida em toda a sua plenitude. É ser quem |
somos, sentir dentro de nós o bem que não tem opositores, a alegria do Ser que não |
depende de nada que esteja fora de nós. Não é sentida como uma experiência passageira, |
mas como uma presença permanente. Na linguagem dos que crêem em Deus é “conhecer |
Deus”, não como algo externo a nós, mas sim como a nossa essência mais profunda. A |
verdadeira salvação consiste em conhecermos a nós mesmos como parte inseparável da |
Vida Única, livre do tempo e da forma, de onde se origina tudo o que existe. |
A verdadeira salvação é um estado de liberdade – do medo, do sofrimento, de uma |
sensação de insuficiência e de falta de alguma coisa e, portanto, de todos os desejos, |
necessidades, cobiça e dependência. É libertar-se do pensamento compulsivo, da |
negatividade e, acima de tudo, do passado e do futuro como uma necessidade psicológica. |
A nossa mente está dizendo que, do jeito que as coisas estão agora, não vamos conseguir |
chegar lá. Tem de acontecer alguma coisa, ou temos de nos tornar isso ou aquilo. Ela está |
dizendo, na verdade, que precisamos do tempo, que precisamos encontrar, negociar, fazer, |
conseguir, adquirir, compreender ou nos tornar alguém, antes de nos sentirmos livres e |
satisfeitos. Vemos o tempo como um meio de salvação, quando, na verdade, ele é o grande |
obstáculo para a salvação. Imaginamos que não podemos chegar lá a partir do ponto em |
que estamos ou de quem somos neste momento, porque não nos sentimos ainda |
completos ou bons o bastante. Mas a verdade é que o aqui e agora é o único ponto de |
partida para poder chegar lá. “Chegamos” lá ao perceber que já estamos lá. Encontramos |
Deus no momento em que descobrimos que não precisamos procurar Deus. Portanto, não |
existe apenas um caminho para a salvação. Várias circunstâncias podem ser usadas, não é |
necessário uma em particular. Entretanto, só existe um ponto de acesso: o Agora. Não |
existe salvação longe deste momento. Você está só, sem uma companhia? Acesse o Agora a |
partir da sua solidão. Você tem um relacionamento? Acesse o Agora a partir desse |
relacionamento. |
Não existe nada que possamos fazer, ou obter, que nos aproxime mais da salvação do |
que o momento presente. Não podemos fazer isso no futuro. Ou fazemos agora ou |
simplesmente não fazemos. |
Relação de amor e ódio. |
A menos que você acesse a freqüência consciente da presença, todos os seus |
relacionamentos, principalmente os mais íntimos, vão apresentar defeitos profundos. |
Durante um tempo, eles podem dar a impressão de serem perfeitos, como quando estamos |
apaixonados, mas, invariavelmente, essa perfeição aparente acaba destruída por discussões, |
conflitos, insatisfações e até mesmo por violência física e emocional, que passa a acontecer |
com uma freqüência cada vez maior. Parece que a maioria dos “relacionamentos |
amorosos” não leva muito tempo para se tornar uma relação de amor e ódio. |
O amor pode se transformar em agressões furiosas, em sentimentos de hostilidade ou, |
num piscar de olhos, em um completo recuo da afeição. Isso é visto como normal. Os |
relacionamentos, então, oscilam por um tempo, por alguns meses ou anos, entre as |
polaridades de “amor” e ódio, e nos trazem muito prazer e muita dor. Não é pouco |
comum que os casais se tornem viciados nesses ciclos. Esse tipo de drama nos faz sentir |
vivos. Quando o equilíbrio entre as polaridades negativa e positiva é desfeito e os ciclos |
negativos e destrutivos acontecem com freqüência e intensidade crescentes, não demora |
muito para o relacionamento acabar. |
Pode parecer que tudo se resolveria se conseguíssemos eliminar os ciclos negativos e |
destrutivos, permitindo que o relacionamento florescesse sem problemas, mas isso não é |
possível. As polaridades são mutuamente interdependentes. Não podemos ter uma sem a |
outra. A positiva já contém dentro de si a negativa, ainda não manifestada. Ambas são, na |
verdade, aspectos diferentes de um mesmo sistema defeituoso. Estou tratando aqui dos |
chamados relacionamentos românticos, não do verdadeiro amor, que não possui opositores |
porque nasce além da mente. O amor como um estado permanente ainda é raro de |
encontrar, tão raro quanto a consciência nos seres humanos. Entretanto, é possível haver |
lampejos breves e ilusórios de amor, sempre que existir um espaço no fluxo da mente. |
O lado negativo de um relacionamento é mais facilmente reconhecido como um |
defeito ou anormalidade do que o positivo. E é muito mais fácil reconhecer a fonte da |
negatividade no parceiro do que vê-la em nós mesmos. Ela pode se manifestar de várias |
formas, tais como possessividade, ciúme, controle, ressentimento, insensibilidade e |
egocentrismo, cobranças emocionais e manipulação, raiva e violência física, necessidade de |
ter sempre razão, de discutir, criticar, julgar, culpar, agredir, irritar, ou se vingar, |
inconscientemente, de um sofrimento do passado imposto por um dos pais. |
Pelo lado positivo, há uma “paixão” pela outra pessoa. No primeiro momento, esse é |
um estado altamente gratificante. Sentimos que estamos intensamente vivos. Nossa |
existência passa a ter um significado porque, de repente, alguém precisa de nós, nos deseja, |
e nos faz sentir especial. Além disso, provocamos as mesmas sensações no outro, o que faz |
com que os dois se sintam completos. O sentimento pode se tornar tão intenso que o resto |
do mundo perde o significado. |
Você deve ter percebido que existe uma certa dependência nessa intensidade. Ficamos |
viciados na outra pessoa, que age sobre nós como uma droga. Quando a droga está |
disponível, nos sentimos muito bem. Mas a possibilidade, ainda que remota, de que ela não |
esteja mais ali, disponível para nós, pode levar ao ciúme, à possessividade, a tentativas de |
manipulação através de chantagem emocional, culpa ou acusações – o que, no fundo, é o |
medo da perda. Se a outra pessoa nos abandonar mesmo, pode fazer nascer a mais intensa |
hostilidade, ou um profundo desespero. Em segundos, a ternura amorosa pode dar lugar à |
agressão selvagem ou a um desgosto terrível. Onde é que está o amor agora? Será que o |
amor pode se transformar no seu oposto em segundos? Será que era amor de verdade ou |
um vício, uma dependência? |
O vício e a busca da plenitude. |
Por que nos viciaríamos na outra pessoa? |
O desejo de ter um relacionamento amoroso é universal porque as pessoas acreditam |
que a paixão, o “amor”, pode libertá-las do medo, da necessidade e do vazio que fazem |
parte da condição humana em seu estado de pecado e não iluminação. Existe uma |
dimensão física e outra psicológica para esse estado. |
No nível físico, é obvio que não somos um todo, nem jamais seremos. Cada um de |
nós é homem ou mulher, o que vale dizer, uma metade de um todo. Nesse nível, o desejo |
de ser completo, de retornar à unidade, se manifesta através da atração entre homem e |
mulher. É um impulso quase irresistível de união com a polaridade oposta de energia. A |
raiz desse impulso físico é espiritual, porque nele está o desejo ardente do fim de uma |
dualidade, de um retorno ao estado de completude. A união sexual é o mais perto que |
podemos chegar desse estado no nível físico. Essa é a razão pela qual ela é a experiência |
mais satisfatória que o reino físico pode nos oferecer. Mas a união sexual não passa de um |
lampejo breve de plenitude, um instante abençoado. Enquanto ela for inconscientemente |
vista como um meio de salvação, você a verá como o fim da dualidade no nível da forma, |
um lugar onde ela não pode ser encontrada. Você teve um lampejo do paraíso, mas não |
pode ficar ali e se percebe, de novo, em um corpo separado. |
No nível psicológico, a sensação de falta, de não estar completo, é até maior do que |
no nível físico. Enquanto houver uma identificação com a mente, o sentido do eu interior é |
dado pelas coisas externas. Isso significa que você extrai o sentido de quem você é de |
coisas que não têm nada a ver com quem você realmente é, como o seu papel na sociedade, |
suas propriedades, sua aparência externa, seus sucessos e fracassos, seus sistemas de |
crenças, etc. Esse eu interior falso, o ego construído pela mente, sente-se vulnerável, |
inseguro e está sempre em busca de coisas novas com as quais se identificar, para obter a |
sensação de que ele existe. Mas nada é suficiente para lhe dar uma satisfação duradoura. O |
medo permanece. A sensação de falta e de necessidade permanecem. |
Então acontece aquele relacionamento especial. Parece ser a resposta para todos os |
problemas do ego, parece preencher todas as nossas necessidades. Todas aquelas outras |
coisas das quais você tinha extraído o sentido do eu interior se tornam relativamente |
insignificantes. Você agora tem um ponto focal que substitui todos os outros, que dá |
sentido à sua vida e até define a sua identidade: a pessoa por quem você se “apaixonou”. |
Você não é mais um fragmento isolado em um mundo insensível. Seu mundo agora tem |
um centro, a pessoa amada. O fato de que o centro está fora de você – e, portanto, você |
ainda tem um sentido de eu interior derivado das coisas externas – parece não importar |
muito num primeiro momento. O que importa é que aquelas sensações de medo, falta, |
vazio e insatisfação não estão mais presentes. Ou será que estão? Será que elas |
desapareceram ou continuam a existir por baixo da aparente felicidade? |
Se em seus relacionamentos você vivenciou tanto o “amor” quanto o seu oposto, |
então é provável que você esteja confundindo o apego do ego e a dependência com amor. |
Não se pode amar alguém em um momento e atacar essa pessoa no momento seguinte. O |
verdadeiro amor não tem oposto. Se o seu “amor” tem oposto, então não é amor, mas uma |
grande necessidade do ego de obter um sentido mais profundo e mais completo do eu |
interior, uma necessidade que a outra pessoa preenche temporariamente. É uma forma de |
substituição que o ego encontrou e, por um curto período, ela parece ser mesmo a |
salvação. |
Chega então um momento em que o outro passa a se comportar de um modo que |
deixa de preencher as nossas necessidades, ou melhor, as necessidades do nosso ego. As |
sensações de medo, sofrimento e falta, que estavam encobertas pelo “relacionamento |
amoroso”, voltam a aparecer. Como acontece com qualquer vício, ficamos muito bem |
enquanto a droga está disponível, mas chega um momento em que a droga não funciona |
mais. Quando essas dolorosas sensações de medo reaparecem, nós as sentimos mais fortes |
do que antes e passamos a ver o outro como a causa de todos essas sensações. Isso significa |
que estamos projetando no outro essas sensações, por isso nós o agredimos com toda a |
violência que é parte do nosso sofrimento. Essa agressão pode despertar o sofrimento do |
outro, que é induzido a contra-atacar. Nesse ponto, o ego ainda está, inconscientemente, |
esperando que a agressão ou a tentativa de manipulação seja suficiente para levar o outro a |
mudar o comportamento, de forma que possa usá-lo, de novo, para encobrir seu |
sofrimento. |
Todo vício surge de uma recusa inconsciente de encararmos nossos próprios |
sofrimentos. Todo vício começa no sofrimento e termina nele. Qualquer que seja o vício – |
álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou mesmo uma pessoa – ele é um meio que usamos |
para encobrir o sofrimento. Essa é a razão por que, passada a euforia inicial, existe tanta |
infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Eles não causam o sofrimento |
e a infelicidade. Eles trazem à superfície o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de |
nós. Todo vício faz isso.. Todo vício chega a um ponto em que já não funciona mais para |
nós e, então, sentimos o sofrimento mais forte do que nunca. |
Essa é uma razão pela qual muitas pessoas estão sempre tentando escapar do |
momento presente e buscando algum tipo de salvação no futuro. A primeira coisa que |
devem encontrar, caso focalizem a atenção no Agora, é o próprio sofrimento que |
carregam, e é isso o que mais temem. Se ao menos soubessem como, no Agora, é fácil |
acessar o poder da presença que dissolve o passado e o sofrimento. Se ao menos |
soubessem como estão perto da própria realidade, como estão perto de Deus. |
Evitar se relacionar como uma tentativa de evitar o sofrimento também não é a |
resposta. O sofrimento está lá, de qualquer jeito. Três relacionamentos infelizes em alguns |
anos têm mais probabilidades de forçar você a acordar do que três anos em uma ilha |
deserta ou trancafiado em seu quarto. Mas, se você pudesse colocar uma presença intensa |
em sua solidão, isso também funcionaria para você. |