capítulo oito.
capítulo oito. |
RELACIONAMENTOS. |
Com que rapidez formamos uma opinião e chegamos a uma conclusão sobre as pessoas! O "eu" |
autocentrado gosta de avaliar os outros, dar-lhes uma identidade e rotulá-los. |
Todo ser humano foi condicionado a pensar e agir de determinada forma - condicionado por sua |
herança genética, pelas experiências da infância e pelo ambiente cultural em que vive. |
Tudo isso não mostra o que a pessoa é, mas como parece ser. Quando você julga alguém, |
confunde os modelos condicionados produzidos pela mente com o que a pessoa é. Nossos |
julgamentos também têm origem em padrões inconscientes e condicionados. Você dá aos outros |
uma identidade criada por esses padrões, e essa falsa identidade se transforma numa prisão tanto |
para aqueles que você julga quanto para você mesmo. |
Deixar de julgar não significa deixar de ver o que as pessoas fazem. Significa que você reconhece |
seus comportamentos como uma forma de condicionamento que você vê e aceita tal como é. Não |
é a partir desses comportamentos que você constrói uma identidade para as pessoas. |
Deixar de julgar liberta tanto você quanto o outro de se identificar com o condicionamento, com a |
forma, com a mente. Não é mais o ego que conduz os relacionamentos. |
Enquanto o ego dominar sua vida, a maioria de seus pensamentos, emoções e ações virá do |
desejo e do medo. Isso fará você querer ou temer alguma coisa que possa vir da outra pessoa. |
O que você quer dos outros pode ser prazer, vantagem material, reconhecimento, elogio, atenção, |
ou fortalecimento da sua identidade, quando se compara achando que sabe ou tem mais do que |
os outros. Você teme que ocorra o contrário — que o outro seja, tenha ou saiba mais do que você |
- e que isso possa de alguma forma diminuir a ideia que você faz de si mesmo. |
Quando concentra sua atenção no presente - em vez de usar o presente como um meio para |
atingir um fim -, você ultrapassa o ego e a compulsão inconsciente de usar as pessoas como meios |
para valorizar-se ao se comparar com elas. Quando dá total atenção à pessoa com quem está |
interagindo, você elimina o passado e o futuro do relacionamento - exceto nas situações que |
exigem medidas práticas. Ao ficar totalmente presente com qualquer pessoa, você se desapega da |
identidade que criou para ela. Essa identidade é fruto da sua interpretação de quem a pessoa é e |
do que fez no passado. Ao agir assim, você se torna capaz de relacionar--se sem os mecanismos |
autocentrados de desejo e medo. O segredo dos relacionamentos é a atenção, que nada mais é do |
que calma alerta. |
Como é maravilhoso poder ultrapassar o querer e o medo nos seus relacionamentos. O amor não |
quer nem teme nada. |
Se o passado de uma pessoa fosse o seu passado, se a dor dessa pessoa fosse a sua dor, se o nível |
de consciência dela fosse o seu, você pensaria e agiria exatamente como ela. Ao compreender |
isso, fica mais fácil perdoar, desenvolver a compaixão e alcançar a paz. |
O ego não gosta de ouvir isso, porque sem poder reagir e julgar ele se enfraquece. |
Quando você acolhe qualquer pessoa que entra no espaço do Agora como um convidado nobre, |
quando permite que ela seja como é, a pessoa começa a mudar. |
Para conhecer outro ser humano em sua essência você não precisa saber nada a respeito do |
passado ou da história dele. Confundimos o saber a respeito de alguém com um conhecimento |
mais profundo que não é baseado em conceitos. Saber a respeito e conhecer são coisas |
totalmente diversas. Uma está ligada à forma; a outra, à ausência de forma. Uma age através do |
pensamento; a outra, através da calma e do silêncio. |
Saber a respeito de alguém ajuda por motivos práticos. Nesse sentido, não podemos prescindir de |
saber a respeito da pessoa com quem nos relacionamos. Mas, quando essa é a única característica |
de uma relação, ela fica muito limitadora e até destrutiva. Os pensamentos e conceitos criam uma |
barreira artificial, uma separação entre as pessoas. Suas interações não ficam presas ao ser, mas à |
mente. Sem as barreiras dos conceitos criados pela mente, o amor se torna naturalmente |
presente em todas as relações humanas. |
A maioria dos relacionamentos humanos se restringe à troca de palavras - o reino do pensamento. |
E fundamental trazer um pouco de silêncio e calma, sobretudo aos seus relacionamentos íntimos. |
Nenhum relacionamento pode existir sem a sensação de espaço que vem com o silêncio e a calma. |
Meditar ou passar um tempo juntos, em silêncio, na natureza, por exemplo. Se as duas pessoas |
forem caminhar, ou mesmo se ficarem sentadas uma ao lado da outra no carro ou em casa, elas |
irão se sentir bem por estarem juntas, em silêncio e na calma. Nem o silêncio nem a calma |
precisam ser criados. Eles já estão presentes, embora perturbados e obscurecidos pelo barulho da |
mente. Basta abrir-se para eles. |
Se falta um espaço de silêncio e calma, o relacionamento será dominado pela mente e correrá o |
risco de ser invadido por problemas e conflitos. Se há silêncio e calma, eles se tornam capazes de |
dominar qualquer coisa. |
Ouvir com verdadeira atenção é outra forma de trazer calma ao relacionamento. Quando você |
realmente ouve o que o outro tem a dizer, a calma surge e se torna parte essencial do |
relacionamento. Mas ouvir com atenção é uma habilidade rara. Em geral, as pessoas concentram a |
maior parte de sua atenção no que estão pensando. Na melhor das hipóteses ficam avaliando as |
palavras do outro ou apenas usam o que o outro diz para falar de suas próprias experiências. Ou |
então não ouvem nada, pois estão perdidas nos próprios pensamentos. |
Ouvir com atenção é muito mais do que escutar. Ouvir com atenção é estar alerta, é abrir um |
espaço em que as palavras são acolhidas. As palavras se tornam então secundárias, podendo ou |
não fazer sentido. Bem mais importante do que aquilo que você está ouvindo é o ato em si de |
ouvir, o espaço de presença consciente que surge à medida que você ouve. Esse espaço é um |
campo unificador feito de atenção em que você encontra a outra pessoa sem as barreiras |
separadoras criadas pelos conceitos do pensamento. A outra pessoa deixa de ser o "outro". Nesse |
espaço, você e ela se tornam uma só consciência. |
Você enfrenta problemas frequentes e crises em seus relacionamentos mais íntimos? E comum |
que pequenas discórdias se transformem em discussões violentas e gerem sofrimento? |
Na origem dessas experiências se encontram os padrões básicos do "eu" autocentrado: a |
necessidade de estar com a razão e, é claro, de que o outro esteja errado - ou seja, a identificação |
com modelos criados pela mente. O ego também necessita estar sempre em conflito com alguém |
ou com alguma coisa para fortalecer a sensação de separação entre o "eu" e o "outro" sem a qual |
ele não consegue sobreviver. |
Há também a dor acumulada do passado que você e todo ser humano trazem consigo. Essa dor |
vem tanto do próprio passado quanto do sofrimento coletivo da humanidade, que remonta a |
milhares de séculos. Esse "corpo sofrido" é um campo de energia que está dentro de você e que |
esporadicamente se apossa do seu ser, porque precisa se reabastecer de mais sofrimento |
emocional. O "corpo sofrido" vai tentar controlar seus pensamentos e fazer com que se tornem |
profundamente negativos. Ele gosta dos seus pensamentos negativos, pois eles ecoam o que ele |
emite e assim o nutrem. O "corpo sofrido" vai também provocar reações emocionais negativas nas |
pessoas mais próximas a você — principalmente no seu companheiro ou na sua companheira - |
para se nutrir das crises que surgirão e do sofrimento que elas trazem. |
Como é que você pode se libertar dessa profunda e inconsciente identificação emocional com o |
sofrimento, capaz de criar tanta dor em sua vida? |
Tome consciência da dor. Tome consciência de que você não é esse sofrimento e essa dor. |
Reconheça o que eles são: uma dor do passado. Tome conhecimento da dor em você ou em seu |
parceiro. Quando conseguir romper sua identificação inconsciente com essa dor do passado - |
quando souber que você não é a dor -, quando conseguir observá-la dentro de si mesmo, deixará |
de alimentá-la e aos poucos ela irá se enfraquecendo. |
O relacionamento humano pode ser um inferno. Ou pode ser um grande exercício espiritual. |
Quando você observa uma pessoa e sente muito amor por ela, ou quando contempla a beleza da |
natureza e algo dentro de você reage profundamente, feche os olhos um instante e sinta a |
essência desse amor ou dessa beleza no seu interior, inseparável do que você é, da sua verdadeira |
natureza. A forma externa é um reflexo temporário do que você é por dentro, na sua essência. Por |
isso o amor e a beleza nunca nos abandonam, embora todas as formas externas um dia acabem. |
Como é sua relação com o mundo dos objetos, com as inúmeras coisas que o cercam e que você |
usa diariamente? A cadeira onde você senta, o carro que dirige, a xícara onde toma seu café? |
Como é que você os vê e sente? Eles são apenas um meio para atingir alguma coisa, ou, de vez em |
quando, você reconhece a existência deles, o ser deles, e lhes dá atenção, mesmo que por pouco |
tempo? |
Quando você se apega aos objetos, quando você os usa para valorizar-se ante os outros e aos seus |
próprios olhos, a preocupação com os objetos pode dominar toda a sua vida. Quando se identifica |
com as coisas, você não as aprecia pelo que são, pois está se vendo nelas. |
Quando você aprecia um objeto pelo que ele é, quando toma conhecimento da existência dele |
sem fazer qualquer projeção mental, você se sente grato por ele existir. Pode também sentir que |
ele não é um objeto inanimado, apesar de parecer assim para nossos cinco sentidos. Os cientistas |
comprovam que, a nível molecular, cada objeto é um campo de energia pulsante. |
Se você desenvolve uma apreciação pelo reino das coisas desprendida do ego, o mundo à sua |
volta adquire vida de uma forma que você não é capaz sequer de imaginar com a mente. |
Quando encontra alguém, por mais rápido que seja o encontro, você dá toda a sua atenção ao ser |
dessa pessoa e, assim, a reconhece? Ou você reduz a pessoa a um meio para atingir um fim, uma |
mera obrigação ou uma função? |
Que tipo de tratamento você dá à caixa do supermercado, ao manobrista do estacionamento, ao |
sapateiro, ao balconista, ao gari que limpa a sua rua? |
Basta um instante de atenção. Quando você os olha ou escuta o que eles dizem, estabelece-se |
uma calma silenciosa que dura dois segundos, talvez um pouco mais. Esse tempo é suficiente para |
que surja algo mais real do que os papéis que geralmente exercemos e com os quais nos |
identificamos. Todos os papéis fazem parte da consciência condicionada que é a mente humana. |
Aquilo que emerge do ato de atenção é o descondicionado – a pessoa que você é em sua essência, |
além do nome e do corpo. Você deixa de seguir um roteiro e se torna real. Quando essa dimensão |
emerge de dentro de você, o mesmo ocorre com a pessoa com quem você se encontra. |
Porque, como sabemos, não há outra pessoa. Você está sempre encontrando a si mesmo. |