capítulo sete.
capítulo sete. |
PORTAIS PARA O NÃO MANIFESTO. |
Um mergulho profundo no corpo. |
Posso sentir a energia dentro do meu corpo, mas não me sinto capaz de ir mais fundo, como você |
sugeriu antes. |
Faça uma meditação. Não vai levar muito tempo, só dez a quinze minutos. |
Providencie para que não haja distrações externas, como telefonemas ou pessoas que |
possam interromper. Sente-se em uma cadeira, mas não encoste. Mantenha a coluna ereta. |
Isso ajuda a ficar alerta. Você também pode escolher uma posição favorita para meditar. |
Certifique-se de que o seu corpo está relaxado. Feche os olhos. Respire |
profundamente algumas vezes. Sinta a respiração na parte inferior do abdômen. Observe |
como ele se expande e se contrai levemente, a cada entrada e saída do ar. Depois, tome |
consciência de todo o campo de energia interior do seu corpo. Não pense a respeito, |
apenas sinta-o. Ao fazer isso, você retira a consciência do campo da mente. Se ajudar, |
visua1ize a “luz” que descrevi anteriormente. |
Quando você não encontrar mais obstáculos em sentir o corpo interior como um |
campo único de energia, descarte, se possível, qualquer imagem visual e se concentre |
apenas na sensação. Se possível, descarte também qualquer imagem mental que você ainda |
tenha do corpo físico. O que sobrou é uma abrangente sensação de presença ou |
“existência” e uma percepção de um corpo interior sem fronteiras. A seguir, concentre sua |
atenção mais fundo nessa sensação. Forme uma unidade com ela. Junte-se de tal modo ao |
campo de energia que você não mais perceba a dualidade entre o observador e o |
observado, entre você e seu corpo. A separação entre o interior e o exterior também se |
dissolve nesse momento, e, assim, não existe mais um corpo interior. Ao entrar |
profundamente no corpo, você transcendeu o corpo. |
Permaneça nessa região do puro Ser pelo tempo que você se sentir bem. Depois, |
retome a consciência do corpo físico, da sua respiração, dos sentidos, e abra os olhos. |
Observe o que está à sua volta por alguns minutos, em um estado meditativo, isto é, sem |
dar nome a nada, e continue a sentir o corpo interior enquanto faz isso. |
Ter acesso a essa região sem forma traz uma liberdade verdadeira. Ela nos liberta da |
escravidão da forma e da identificação com a forma. É a vida em seu estado indiferenciado, |
anterior à sua fragmentação em várias modalidades. Podemos chamá-la de Não Manifesto, |
a Fonte invisível de todas as coisas, o Ser que está presente em todos os seres. É uma |
região de profunda serenidade e paz, mas também de alegria e vida intensas. Sempre que |
estamos presentes, nós nos tornamos, de um certo modo, “transparentes” à luz, passamos |
a ser a consciência pura que emana dessa Fonte. Percebemos também que a luz não está |
separada de quem somos, mas constitui a nossa verdadeira essência. |
A fonte do chi. |
O Não Manifesto é o que no Oriente se chama chi, um tipo de energia da vida universal? |
Não. O Não Manifesto é a fonte do chi. Chi é o campo de energia interna do nosso |
corpo. É a ponte entre o nosso exterior e a Fonte. Situa-se no meio do caminho entre o |
que está manifesto, que é o mundo da forma, e o Não Manifesto. O chi pode ser |
comparado a um rio ou a um fluxo de energia. Se concentramos o foco da consciência bem |
fundo no corpo interior, estamos traçando o curso desse rio de volta à sua Fonte. O chi é |
movimento, enquanto o Não Manifesto é serenidade. Quando alcançamos um ponto de |
absoluta serenidade, mas que, apesar de tudo, vibra com a vida, significa que fomos além |
do corpo interior e além do chi, em direção à própria Fonte, que é o Não Manifesto. O chi é |
a ligação entre o Não Manifesto e o mundo físico. |
Portanto, se você concentrar a atenção profundamente no corpo interior, poderá |
alcançar esse ponto, essa singularidade, onde o mundo se dissolve no Não Manifesto e em |
que o Não Manifesto assume a forma do fluxo de energia do chi, que então se transforma |
no mundo. Esse é o ponto do nascimento e da morte. Só quando a nossa consciência se |
volta para o exterior é que a mente e o mundo passam a existir. Quando se dirige para o |
interior, ela percebe a sua própria Fonte e regressa ao Não Manifesto. Assim, quando a |
nossa consciência retoma ao mundo manifesto, é que recuperamos a identidade da forma, |
que tinha sido abandonada temporariamente. Passamos a ter um nome, um passado, uma |
situação de vida, um futuro. Mas, em um aspecto particular, já não somos mais os mesmos |
de antes, porque vislumbramos uma realidade em nosso interior que não é “desse mundo”, |
embora não seja separada dele, do mesmo modo que ela não é separada de você. |
Adote, daqui para a frente, a seguinte prática espiritual: ao caminhar pela vida, não dê |
100 por cento de atenção ao mundo exterior e à sua mente. Deixe alguma coisa no interior. |
Já falei sobre isso antes. Sinta o corpo interior, mesmo quando estiver fazendo alguma |
atividade de rotina, principalmente nos relacionamentos ou quando em contato com a |
natureza. Sinta a serenidade bem lá no fundo. Mantenha a porta aberta. É possí- vel ficar |
consciente do Não Manifesto em todas as ocasiões. Você sentirá uma profunda sensação |
de paz em algum lugar lá no fundo, uma serenidade que nunca abandonará você, não |
importa o que aconteça lá fora. Você passa a ser a ponte entre o Não Manifesto e o |
manifesto, entre Deus e o mundo. Esse é o estado de conexão com a Fonte. É o que |
chamamos iluminação. |
Não fique com a impressão de que o Não Manifesto é separado do manifesto. Como |
poderia? Ele é a vida no interior de todas as formas, a essência interior de tudo o que |
existe. Ele impregna o mundo. Vou explicar. |
Um sono sem sonhos. |
Todas as noites, quando entramos na fase sem sonhos do sono profundo, fazemos |
uma viagem à região do Não Manifesto. É nesse momento que cada um de nós forma uma |
só unidade com a Fonte. É da Fonte que retiramos a energia vital que nos sustenta quando |
retomamos ao manifesto, o mundo das formas separadas. Essa energia é muito mais |
importante do que o alimento: “Nem só de pão vive o homem”. Mas não se chega ao sono |
sem sonhos de um modo consciente. Embora o corpo ainda esteja funcionando, “nós” já |
não existimos mais nesse estado. Você consegue imaginar o que seria penetrar no sono sem |
sonhos completamente consciente? É impossível imaginar, porque nesse estado não há |
conteúdo. |
O Não Manifesto não nos liberta, a menos que sejamos capazes de chegar a ele de |
modo consciente. Essa é a razão pela qual Jesus não disse que a verdade nos libertará e sim |
que “conheceremos a verdade, e a verdade nos libertará”. Não se trata de um simples |
conceito de verdade. É a verdade da vida eterna além da forma, que só se conhece de um |
modo direto. Mas não tente ficar consciente no sono sem sonhos. É altamente improvável |
que você consiga. Na melhor das hipóteses, você pode permanecer consciente durante a |
fase do sonho, mas não além dela. É o chamado sonho lúcido, que pode ser interessante e |
fascinante, mas que não é libertador. |
Portanto, use seu corpo interior como um portal de entrada para o Não Manifesto e |
mantenha-o aberto, de modo que você esteja em conexão com a Fonte em todas as |
situações. Não faz diferença, até onde interessa ao corpo interior, se o seu corpo exterior é |
velho ou novo, frágil ou rijo. O corpo interior não tem um tempo. Se você ainda não é |
capaz de sentir o corpo interior, use um dos outros portais, embora, em última análise, |
todos sejam a mesma coisa. Já falei bastante de alguns, mas vou mencioná-los de novo, |
bem rapidamente. |
Outros portais. |
O Agora pode ser considerado como o portal principal. É um aspecto essencial de |
cada um dos outros portais, inclusive do corpo interior. Não podemos estar em nosso corpo |
sem que estejamos intensamente presentes no Agora. |
O tempo e o manifesto estão indissoluvelmente ligados, do mesmo modo como o |
eterno Agora e o Não Manifesto. Quando dissolvemos o tempo psicológico através de uma |
percepção intensa do momento presente, nos tornamos, direta ou indiretamente, |
conscientes do Não Manifesto. Diretamente, sentimos o Não Manifesto como o esplendor |
e o poder da nossa presença consciente, ou seja, sem conteúdo, apenas a presença. |
Indiretamente, temos consciência do Não Manifesto dentro e através do campo dos |
sentidos. Em outras palavras, sentimos a essência de Deus em cada criatura, cada flor, cada |
pedra e concluímos que “Tudo o que é, é sagrado”. Essa é a razão pela qual Jesus, falando |
sobre a sua essência ou a identidade de Cristo, diz nas palavras de Tomé: “Rachem um |
pedaço de madeira; lá estou eu. Levantem uma pedra e me encontrarão ali”. |
Um outro portal para o Não Manifesto é a paralisação do pensamento. Isso pode |
começar de um modo muito simples, ao prestar atenção à própria respiração ou olhar |
concentradamente para uma flor, em um estado de alerta total, de tal modo que não haja |
espaço para nenhum comentário mental ao mesmo tempo. Existem muitas maneiras para |
criar um espaço no fluxo contínuo de pensamentos. É disso que trata a meditação. O |
pensamento pertence ao campo do manifesto. A atividade mental contínua nos mantém |
aprisionados no mundo da forma e funciona como uma tela opaca que impede de nos |
tornarmos conscientes do Não Manifesto, conscientes da inexistência da forma e da eterna |
essência de Deus, tanto em nós mesmos como em todas as coisas e criaturas. Quando |
estamos intensamente presentes, é claro que não precisamos nos preocupar com a paralisação |
do pensamento, porque a mente pára automaticamente. Essa é a razão pela qual eu disse |
que o Agora é um aspecto essencial de todos os outros portais. |
A entrega, ou seja, o abandono de qualquer resistência mental e emocional ao que é, |
também é um portal para o Não Manifesto. A razão disso é simples, já que a resistência |
interior nos isola das outras pessoas, de nós mesmos e do mundo à nossa volta, |
fortalecendo a sensação de separação da qual o ego depende para sobreviver. Quanto maior |
a sensação de separação, maior a nossa dependência ao manifesto, ao mundo das formas |
separadas. E, quanto maior a ligação com o mundo das formas, mais dura e impenetrável |
será a nossa identidade com a forma. O portal é fechado e somos afastados da dimensão |
interior, a dimensão do profundo. No estado de entrega, a nossa identificação com a forma |
se dissolve e se reveste de uma espécie de “transparência” e, assim, o Não Manifesto |
consegue brilhar através de nós. |
Depende de nós abrirmos um portal em nossas vidas que nos conduza a um acesso |
consciente ao Não Manifesto. Entre em contato com o campo de energia do seu corpo |
interior, esteja intensamente presente, deixe de se identificar com a sua mente, entregue-se |
àquilo que é. Podemos usar todos esses portais, mas só precisamos de um deles. |
O amor, com certeza, também é um desses portais? |
Não. Assim que um desses portais é aberto, o amor se apresenta para nós como uma |
“realização da sensação” de unidade. O Amor não é um portal. Ele é o que vem através do |
portal até este mundo. Enquanto estivermos completamente envolvidos pela nossa |
identidade com a forma, o amor não pode existir. Nossa tarefa não é buscar o amor, mas |
sim encontrar um portal através do qual ele possa entrar. |