capítulo um
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capítulo um

capítulo um.

anderson12/21/2021
14 min
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capítulo um.

VOCÊ NÃO É A SUA MENTE.

O maior obstáculo para a iluminação

Iluminação – o que é isso?

Por mais de trinta anos um mendigo ficou sentado no mesmo lugar, debaixo de uma

marquise. Até que um dia, uma conversa com um estranho mudou sua vida:

– Tem um trocadinho aí pra mim, moço? – murmurou, estendendo mecanicamente

seu velho boné.

– Não, não tenho – disse o estranho. – O que tem nesse baú debaixo de você?

– Nada, isso aqui é só uma caixa velha. Já nem sei há quanto tempo sento em cima

dela.

– Nunca olhou o que tem dentro? – perguntou o estranho.

– Não – respondeu. – Para quê? Não tem nada aqui, não!

– Dá uma olhada dentro – insistiu o estranho, antes de ir embora.

– O mendigo resolveu abrir a caixa. Teve que fazer força para levantar a tampa e mal

conseguiu acreditar ao ver que o velho caixote estava cheio de ouro.

Eu sou o estranho sem nada para dar, que está lhe dizendo para olhar para dentro.

Não de uma caixa, mas sim de você mesmo. Imagino que você esteja pensando indignado:

“Mas eu não sou, um mendigo!”

Infelizmente, todos que ainda não encontraram a verdadeira riqueza – a radiante

alegria do Ser e uma paz: inabalável – são mendigos, mesmo que possuam bens e riqueza

material. Buscam, do lado de fora, migalhas de prazer, aprovação, segurança ou amor,

embora tenham um tesouro guardado dentro de si, que não só contém tudo isso, como é

infinitamente maior do que qualquer coisa oferecida pelo mundo.

A palavra iluminação transmite a idéia de uma conquista sobre-humana – e isso agrada

ao ego –, mas é simplesmente o estado natural de sentir-se em unidade com o Ser. É um

estado de conexão com algo imensurável e indestrutível. Pode parecer um paradoxo, mas

esse “algo” é essencialmente você e, ao mesmo tempo, é muito maior do que você. A

iluminação consiste em encontrar a verdadeira natureza por trás do nome e da forma. A

incapacidade de sentir essa conexão dá origem a uma ilusão de separação, tanto de você

mesmo quanto do mundo ao redor. Quando você se percebe, consciente ou

inconscientemente, como um fragmento isolado, o medo e os conflitos internos e externos

tomam conta da sua vida.

Adoro a definição simples de Buda para a iluminação: “É o fim do sofrimento”. Não

há nada de sobre-humano nisso, não é mesmo? Claro que não é uma definição completa.

Ela apenas nos diz o que a iluminação não é: não é sofrimento. Mas o que resta quando não

há mais sofrimento? Buda silencia a respeito, e esse silêncio implica que teremos de

encontrar a resposta por nós mesmos. Como ele emprega uma definição negativa, a mente

não consegue entendê-la como uma crença, ou como uma conquista sobre-humana, um

objetivo difícil de alcançar. Apesar disso, a maioria dos budistas ainda acredita que a

iluminação é algo apenas para Buda e não para eles próprios, pelo menos, não nesta vida.

Você usou a palavra Ser, Pode explicar o que quer dizer com isso?

Ser é a eterna e sempre presente Vida Única, que existe além das inúmeras formas de

vida sujeitas ao nascimento e à morte. Entretanto, o Ser não está apenas além, mas também

dentro de todas as formas, como a mais profunda, invisível e indestrutível essência interior.

Isso significa que ele está ao seu alcance agora, sob a forma de um eu interior mais

profundo, que é a verdadeira natureza dentro de você. Mas não procure apreendê-lo com a

mente. Não tente entendê-lo. Só é possível conhecê-lo quando a mente está serena. Se

estiver alerta, com toda a sua atenção voltada para o Agora, você até poderá sentir o Ser,

mas jamais conseguirá compreendê-lo mentalmente. Recuperar a consciência do Ser e

submeter-se a esse estado de “percepção dos sentidos” é o que se chama iluminação.

Quando você diz Ser, está falando sobre Deus? Se estiver, por que não diz expressamente?

A palavra Deus tornou-se vazia de significado ao longo de milhares de anos de

utilização imprópria. Emprego-a ocasionalmente, mas com moderação. Considero

imprópria a sua utilização por pessoas que jamais tiveram a menor idéia do reino do

sagrado, da infinita imensidão contida nessa palavra, mas que a usam com grande

convicção, como se soubessem do que estão falando. Existem ainda aqueles que

questionam o termo, como se soubessem o que estão discutindo. Esse uso indevido dá

origem a crenças, afirmações e delírios absurdos, tais como “o meu ou o nosso Deus é o

único Deus verdadeiro, o seu Deus é falso”, ou a famosa frase de Nietzsche, “Deus está

morto”.

A palavra Deus se tornou um conceito fechado. Quando a pronunciamos, criamos

uma imagem mental, talvez não mais a de um velhinho de barba branca, mas ainda uma

representação mental de alguém ou de algo externo a nós e, quase inevitavelmente, alguém

ou alguma coisa do sexo masculino.

Tanto Deus quanto Ser são palavras que não conseguem definir nem explicar a

realidade por trás delas. Ser, entretanto, tem a vantagem de sugerir um conceito aberto. Não

reduz o invisível infinito a uma entidade finita. É impossível formar uma imagem mental a

esse respeito. Ninguém pode reivindicar a posse exclusiva do Ser. É a sua essência, tão

acessível como sentir a sua própria presença, a realização do Eu sou que antecede o “eu sou

isso” ou “eu sou aquilo”. Portanto, a distância é muito curta entre a palavra Ser e a vivência

do Ser.

Qual o maior obstáculo para vivenciar essa realidade?

Identificar-se com a mente, o que faz com que estejamos sempre pensando em

alguma coisa. Ser incapaz de parar de pensar é uma aflição terrível, mas ninguém percebe

porque quase todos nós sofremos disso e, então, consideramos uma coisa normal. O ruído

mental incessante nos impede de encontrar a área de serenidade interior, que é inseparável

do Ser. Isso faz com que a mente crie um falso eu interior que projeta uma sombra de

medo e sofrimento sobre nós. Examinaremos esses pontos detalhadamente, mais adiante.

O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais fundamental quando

proferiu sua conhecida máxima: “Penso, logo existo”. Cometeu, no entanto, um erro

básico ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade ao pensamento. O pensador compulsivo,

ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente isolamento, em um mundo

povoado de conflitos e problemas. Um mundo que reflete a fragmentação da mente em

uma escala cada vez maior. A iluminação é um estado de plenitude, de estar “em unidade”

e, portanto, em paz. Em unidade tanto com o universo quanto com o eu interior mais

profundo, ou seja, o Ser. A iluminação é o fim não só do sofrimento e dos conflitos

internos e externos permanentes, mas também da aterrorizante escravidão do pensamento.

Que maravilhosa libertação!

Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de conceitos, rótulos,

imagens, palavras, julgamentos e definições que bloqueia todas as relações verdadeiras.

Essa tela se situa entre você e o seu eu interior, entre você e o próximo, entre você e a

natureza, entre você e Deus. E essa tela de pensamentos que cria uma ilusão de separação,

uma ilusão de que existe você e um “outro” totalmente à parte. Esquecemos o fato

essencial de que, debaixo do nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo

aquilo que é. Por “esquecermos” quero dizer que não sentimos mais essa unidade como uma

realidade evidente por si só. Podemos até acreditar que isso seja uma verdade, mas não mais

a reconhecemos como verdade. Acreditar pode até trazer conforto. No entanto, a libertação só

pode vir através da vivência pessoal.

Pensar se tornou uma doença. A doença acontece quando as coisas se desequilibram.

Por exemplo, não há nada de errado com a divisão e a multiplicação das células no corpo

humano. Mas, quando esse processo acontece sem levar em conta o organismo como um

todo, as células se proliferam e temos a doença.

Se for usada corretamente, a mente é um instrumento magnífico. Entretanto, quando

a usamos de forma errada, ela se torna destrutiva. Para ser ainda mais preciso, não é você

que usa a sua mente de forma errada. Em geral, você simplesmente não usa a mente. É ela 

que usa você. Essa é a doença. Você acredita que é a sua mente. Eis aí o delírio. O

instrumento se apossou de você.

Não concordo muito com isso. É verdade que penso muito sem um objetivo definido, como a maioria

das pessoas, mas ainda posso escolher como usar a minha mente para ter e conseguir coisas, e faço isso o

tempo todo.

Só porque podemos resolver palavras cruzadas ou construir uma bomba atômica não

significa que estejamos usando a mente. Assim como os cães adoram mastigar ossos, a

mente adora transformar dificuldades em problemas. É por isso que ela resolve palavras

cruzadas e constrói bombas atômicas. Mas essas coisas não interessam a você. Pergunto

então: você consegue se livrar da sua mente quando quer? Já encontrou o botão que a

“desliga”?

A idéia é parar de pensar completamente? Não, não consigo, a não ser por um ou dois segundos.

Então, é porque a mente está usando você. Estamos tão identificados com ela que

nem percebemos que somos seus escravos. É quase como se algo nos dominasse sem

termos consciência disso e passássemos a viver como se fôssemos a entidade dominadora.

A liberdade começa quando percebemos que não somos a entidade dominadora, o

pensador. Saber disso nos permite observar a entidade. No momento em que começamos a

observar o pensador, ativamos um nível mais alto de consciência. Começamos a perceber,

então, que existe uma vasta área de inteligência além do pensamento, e que este é apenas

um aspecto diminuto da inteligência. Percebemos também que todas as coisas realmente

importantes como a beleza, o amor, a criatividade, a alegria e a paz interior surgem de um

ponto além da mente. É quando começamos a acordar. 

Libertando-se da sua mente.

O que você quer dizer exatamente por “observar o pensador”?

Quando alguém vai ao médico e diz: “Ouço uma voz dentro da minha cabeça”,

provavelmente será encaminhado a um psiquiatra. De uma forma ou de outra,

praticamente todas as pessoas ouvem uma voz, ou algumas vozes, o tempo todo dentro da

cabeça. São os processos involuntários do pensar – que acreditamos que não podemos

interromper –, manifestando-se como monólogos ou diálogos contínuos. 

Você já deve ter cruzado na rua com pessoas “doidas” falando sem parar ou

resmungando consigo mesmas. Isso não tem nada de diferente do que acontece com você

e com outras pessoas “normais”, exceto que vocês não falam alto. A voz comenta,

especula, julga, compara, desculpa, gosta, desgosta, etc. A voz não precisa ser relevante para

a situação do momento, pois ela pode estar revivendo o passado recente ou remoto, ou

ensaiando, ou imaginando possíveis situações futuras. Neste último caso, ela imagina

sempre as coisas indo mal e com resultados desfavoráveis. É o que se chama de

preocupação. Às vezes, essa trilha sonora e acompanhada de imagens ou “filmes mentais”.

Mesmo que tenha alguma relação com o momento, a voz será interpretada em termos

do passado. Isso acontece porque a voz pertence à mente condicionada, que é o resultado

de toda a nossa história passada, bem como dos valores culturais coletivos que herdamos.

Assim, vemos e julgamos o presente com os olhos do passado e construímos uma imagem

totalmente distorcida. Não é raro que a voz se torne o pior inimigo de nós mesmos. Muitas

pessoas vivem com um torturador em suas cabeças, que as ataca e pune sem parar,

drenando sua energia vital. Essa é a causa de muita angústia e infelicidade, assim como de

doenças.

A boa notícia é que podemos nos libertar de nossas mentes. Essa é a única libertação

verdadeira. Dê o primeiro passo nesse exato momento. Comece a prestar atenção ao que a

voz diz, principalmente a padrões repetitivos de pensamento, aquelas velhas trilhas sonoras

que você escuta dentro da sua cabeça há anos. É isso que quero dizer com “observar o

pensador”. É um outro modo de dizer o seguinte: ouça a voz dentro da sua cabeça, esteja lá

presente, como uma testemunha.

Seja imparcial ao ouvir a voz, não julgue nada. Não julgue ou condene o que você

ouve, porque fazer isso significaria que a mesma voz acabou de voltar pela porta dos

fundos. Você logo perceberá: lá está a voz e aqui estou eu, ouvindo-a e observando-a. Sentir

a própria presença não é um pensamento, é algo que surge de um ponto além da mente.

Assim, ouvir um pensamento significa que você está consciente não só do

pensamento, mas também de você mesmo, como uma testemunha daquele pensamento.

Isso acontece porque uma nova dimensão da consciência acabou de surgir. Quando você

ouve o pensamento, sente uma presença consciente, que é o seu eu interior mais profundo,

por trás ou por baixo do pensamento. O pensamento, então, perde o poder que exerce

sobre você e se afasta rapidamente, porque a mente não está mais recebendo a energia

gerada pela sua identificação com ela. Esse é o começo do fim do pensamento involuntário

e compulsivo.

Quando um pensamento se afasta, percebemos uma interrupção no fluxo mental, um

espaço de “mente vazia”. No início, esses espaços são curtos, talvez apenas alguns

segundos, mas, aos poucos, se tornam mais longos. Quando esses espaços acontecem,

sentimos uma certa serenidade e paz interior. Esse e o começo do estado natural de nos

sentirmos em unidade com o Ser, que normalmente é encoberto pela mente. Com a prática,

a sensação de paz e serenidade vai se intensificar. Na verdade, essa intensidade não tem 

fim. Você também vai sentir brotar lá de dentro uma sutil emanação de alegria, que é a

alegria do Ser.

Não se trata de um estado de transe. Nada disso. Se o preço da paz fosse a perda da

consciência e o preço da serenidade, uma falta de vitalidade e de vivacidade, então não

valeria a pena. É exatamente o oposto. Nesse estado de conexão interior, ficamos muito

mais alertas. Estamos presentes por inteiro.

Ao penetrarmos mais profundamente nessa área de “mente vazia”, como ela às vezes

é chamada no Oriente, começamos a perceber o estado de pura consciência. Nesse estado,

sentimos a nossa própria presença com tal intensidade e alegria que os pensamentos, as

emoções, nosso corpo, o mundo exterior – tudo se torna insignificante comparado a ele.

No entanto, não é um estado egoísta, e sim generoso. Ele nos transporta para um ponto

além do que antes julgávamos ser o nosso “eu interior”. Essa presença é essencialmente

você e, ao mesmo tempo, muito maior do que você.

Em vez de “observar o pensador”, podemos também criar um espaço no fluxo da

mente, direcionando o foco da nossa atenção para o Agora. Torne-se consciente do

momento. Isso é profundamente gratificante de se fazer. Agindo assim, desviamos a

consciência para longe da atividade da mente e criamos um espaço de mente vazia, em que

ficamos extremamente alertas e conscientes, mas sem pensar. Essa é a essência da

meditação.

Na vida diária é possível pôr isso em prática dando total atenção a qualquer atividade

rotineira, normalmente considerada como apenas um meio para atingir um objetivo, de

modo a transformá-la em um fim em si mesma. Por exemplo, todas as vezes que você subir

ou descer as escadas em casa ou no trabalho, preste muita atenção a cada passo, a cada

movimento, até mesmo à sua respiração. Esteja totalmente presente. Ou, quando lavar as

mãos, preste atenção a todas as sensações provocadas por essa atividade, como o som e o

contato da água, o movimento das suas mãos, o cheiro do sabonete, e assim por diante. Ou

então, quando entrar em seu carro, pare por alguns segundos depois que fechar a porta e

observe o fluxo da sua respiração. Tome consciência de um silencioso, mas poderoso,

sentido de presença. Para medir, sem errar, o seu sucesso nessa prática, verifique o grau de

paz dentro de você.

Portanto, o passo mais importante na caminhada em direção à iluminação é

aprendermos a nos dissociar de nossas mentes.

Todas as vezes que criamos um espaço no fluxo do pensamento, a luz da nossa

consciência fica mais forte. 

Um dia você pode se surpreender sorrindo para a voz dentro da cabeça, como sorriria

para as travessuras de uma criança. Isso significa que você não está mais levando tão a sério

o que vai pela mente, Pois o seu eu interior não depende dela.

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