Convite para você mesmo fazer isso
Convite para você mesmo fazer isso |
Na próxima vez em que você estiver num lugar público, olhe discretamente |
para a multidão à sua volta. Observe uma pessoa — qualquer uma. Perguntese o que nessa pessoa o toca mais profundamente. Pode ser a inocência ou o |
sorriso dela. Como aconteceu com o homem que eu vi quando estava |
naquele carro alugado, talvez seja algo tão simples quanto o modo como esse |
indivíduo lida com os desafios da vida. |
Em seguida feche os olhos e imagine como seria o seu dia se você não |
soubesse que essa pessoa esteve no seu mundo. Pense como esse momento |
teria sido vazio e como você sentiria falta dela. |
Você pode se surpreender com o impacto que um exercício tão simples, tão |
breve, pode exercer! Sinta-se profundamente agradecido e agradeça à |
presença da pessoa nesse momento e o que ela lhe ensinou sobre você |
mesmo. |
Como escolhemos ver |
Além da beleza inspirada por um pôr do sol, pelo topo de uma montanha |
coberto de neve ou pelo trabalho de um artista preferido, há fontes de beleza |
que emanam simplesmente do significado que damos à nossa experiência. |
Nesses casos, é o modo como vemos a vida que cria a sensação de beleza |
dentro de nós. O nascimento de um ser humano é um exemplo perfeito dessa |
verdade. |
Testemunhar a chegada de uma nova vida neste mundo é uma experiência |
mística e mágica para todos. Conhecer o resultado do trabalho de parto de |
uma mulher, porém, altera o que sentimos sobre o que vemos. Por apenas |
um momento, no entanto, se pudermos imaginar-nos chegando na Terra |
vindos de um mundo onde o milagre do nascimento é uma experiência |
desconhecida, testemunhar o processo inteiro poderá ser perturbador, |
assustador até! |
Sem o conhecimento prévio de que “é assim que se faz nesta terra”, para |
todos os efeitos, ao testemunhar o parto de uma nova vida, veríamos muitos |
dos mesmos sinais que acompanham a perda da vida no mundo. Num |
nascimento ocidental típico, começaríamos vendo uma mulher com muitas |
dores. Seu rosto mostraria contorções que se intensificariam com a |
proximidade da expulsão do feto. Sangue e água escorreriam do seu corpo. |
Como saberíamos que dos sinais externos de dor, que às vezes são sinônimos |
de morte, surgiria uma nova vida? Tudo é uma questão do sentido que damos |
à nossa experiência. |
Uma beleza estranha |
O céu estava em chamas naquela noite. A rádio local mantinha uma |
programação de emergência, informando sobre estradas fechadas e |
procedimentos de evacuação, e transmitindo comunicados de hora em hora |
sobre o avanço do fogo. Durante dois dias, e agora duas noites, as florestas |
limítrofes com o deserto do centro-norte do Novo México queimavam com |
um fogo tão ardente que criava seus próprios ventos internos. Estes se |
aproximavam cada vez mais do pueblo mais antigo e continuamente |
habitado da América do Norte, o Taos Pueblo. |
Aproximando-me da cidade, uma densa névoa pendia suspensa no ar quente |
e pesado que ficara preso no vale. Dois dias antes, durante uma trovoada à |
tarde, um raio atingira os galhos e a vegetação seca do chão da floresta. Em |
instantes, as encostas acima de Taos estavam em chamas, e o fogo |
espalhava-se em velocidade perigosa na direção dos povoados situados no |
sopé da montanha. |
Embora eu soubesse que a tarde chegava ao seu final, era impossível dizer a |
hora do dia pelo crepúsculo sombrio que cobria a região. Na segurança do |
meu carro, eu não conseguia tirar os olhos do cenário que exigia a minha |
atenção na estrada. O clarão das chamas lançava um brilho incomum nas |
nuvens baixas, banhando tudo abaixo com tonalidades intensas e penetrantes |
de vermelho, rosa e laranja. Olhando o dorso das minhas mãos, ainda presas |
ao volante, percebi que as cores no céu eram tão fortes e ricas que mesmo o |
azulado das veias assumira as belas cores do fulgor. |
Imerso na experiência, por um instante apenas, eu senti o que estava vendo |
sem pensar nas consequências devastadoras que certamente resultariam |
quando o incêndio varresse as encostas. Contemplei a estranha beleza do |
fogo e fiquei maravilhado, Essas são as cores que há séculos os artistas |
tentam capturar em suas telas, e aqui elas estão pintadas através do céu como |
jamais poderiam ser reproduzidas por um ser humano. Quanta beleza... |
beleza absoluta! |
De repente, o tom da voz do locutor passou da calma da transmissão de |
informações para a urgência da comunicação de novos acontecimentos: “Os |
ventos mudaram, e o fogo pode seguir em uma de duas direções. Ou ele |
continuará a consumir o vale na direção das residências no outro lado da |
montanha, ou virá na nossa direção, para a cidade de Taos. Alertamos as |
pessoas da região leste da cidade para se prepararem para uma possível |
evacuação”. |
A região leste da cidade?! É onde me encontro agora! Nesse momento, o |
fogo assumiu de imediato uma aparência totalmente diferente para mim. |
Na fração de tempo suficiente para ouvir uma frase curta, o incêndio passou |
de objeto de reverência e beleza a ameaça, na medida em que eu agora |
percebia que ele punha em risco a vida de pessoas, cavalos, gado e outros |
animais que estavam no seu caminho. Isso era absolutamente aterrorizante! |
Comecei a pensar em toda a vida selvagem que normalmente fica |
encurralada em meio ao fogo devorador. Todos conhecemos histórias de |
corpos carbonizados de cervos, alces e habitantes menores da floresta que |
ficam desorientados com o caos que resulta do estalar das chamas, dos |
ventos quentes, do calor e da fumaça, e se perdem. Temos também histórias |
de bombeiros que, ao arriscar-se para salvar a vida e a propriedade de outras |
pessoas, de repente ficam cercados pelas chamas quando um incêndio altera |
inesperadamente o seu curso e bloqueia as rotas de saída. |
Narro essa história por uma razão mais profunda do que simplesmente |
reverenciar a Narro essa história por uma razão mais profunda do que |
simplesmente reverenciar a memória de todos os que trabalharam com tanta |
bravura e empenho para debelar o incêndio em Taos Pueblo em 2003. [25] |
Para mim, esse incêndio reforçou um princípio que muitas tradições antigas |
e indígenas consideram como sagradas há séculos. Durante o tempo em que |
observei as chamas, o fogo em si não mudou. Ele continuava sendo o mesmo |
fogo que eu vira momentos antes, queimando abrasador, selvagem e livre. |
Eu é que mudei. Especificamente, mudei a minha atitude com relação ao |
fogo. Num momento, vi as chamas como fonte de fascinação e beleza |
surpreendente. Poucos segundos depois, as mesmas chamas se tornaram |
fonte de ansiedade, e com toda a honestidade, de um grau não pequeno de |
medo! Se eu não ficasse sabendo que as labaredas que se projetavam no céu |
acima das copas das árvores ameaçavam casas e vidas, com toda |
probabilidade elas continuariam sendo um espetáculo de beleza. Mas a |
compreensão do que estava acontecendo mudou o meu modo de sentir o que |
eu via. |
Muitas pessoas relataram experiências semelhantes ao assistir às imagens |
televisivas do acidente com o ônibus espacial Challenger ocorrido no leste |
da Flórida em 1986. Até entender o que estavam assistindo naquele dia, os |
espectadores viam nuvens brancas expandindo-se em grandes blocos sobre |
o Cabo Canaveral, contrastando com o azul escuro do céu do sul da Flórida |
como um belo espetáculo de fascinante tecnologia. Ao saber que alguma |
coisa dera terrivelmente errado, porém, e que toda a tripulação perdera a |
vida, as espessas nuvens brancas perderam sua beleza e se tornaram o |
símbolo sempre presente da dor e da perda de uma nação. |
O princípio é este: embora não tenhamos o poder de determinar o que |
acontece a cada momento, temos o poder de determinar os nossos |
sentimentos com relação ao que acontece. Temos assim os meios para |
transformar até as experiências mais dolorosas numa sabedoria voltada para |
a vida que se torna a base da nossa cura. No período de uns breves segundos, |
enquanto observava o incêndio em Taos, eu mudara a minha experiência |
simplesmente modificando o modo como me sentia com relação a ela. |
O poder da beleza |
Descobertas recentes na ciência ocidental somam-se atualmente a um |
conjunto cada vez maior de evidências segundo as quais a beleza é um poder |
transformador. Muito mais do que apenas um adjetivo que descreve as cores |
de um pôr do sol ou de um arco-íris depois de uma chuva de verão, a beleza |
é uma experiência — especificamente, a beleza é nossa experiência. |
Acredita-se que os seres humanos sejam a única espécie de vida sobre a |
Terra que tem a capacidade de perceber a beleza no mundo ao seu redor e |
nas experiências da sua vida. Por meio da experiência de beleza, recebemos |
o poder de mudar os sentimentos que temos no corpo. Os sentimentos, por |
sua vez, estão diretamente ligados ao mundo que está além do corpo. |
Os antigos acreditavam que o sentimento — especialmente a forma de |
sentimento que chamamos de “oração” — é a força mais poderosa no |
universo. Como já vimos, sentimento e oração de fato influenciam |
diretamente a matéria física do nosso mundo. Assim, quando dizemos que a |
beleza tem o poder de mudar a nossa vida, não é exagero dizer que a mesma |
beleza também tem o poder de mudar o nosso mundo! |
Para isso precisamos descobrir um modo de ver além da dor, do sofrimento |
e da aflição que o mundo está nos mostrando, e reconhecer a beleza que já |
existe em todas as coisas. Somente então liberaremos o potencial e o poder |
da oração na nossa vida. |
Encontrar beleza onde outros não encontram |
Para ajudar-nos na nossa busca da compreensão das coisas, grandes mestres |
do passado, e também do presente, nos atraem e entusiasmam como |
exemplos vivos. Alguns anos atrás, o mundo perdeu um desses mestres: |
Madre Teresa. “Mãe”, como os que estavam próximos dessa grande mulher |
a chamavam, andava pelas ruas próximas da sua residência em Calcutá, na |
Índia, e encontrava beleza onde poucas pessoas acreditavam que ela pudesse |
existir. Entre a sujeira do lixo e o monturo das sarjetas, entre o mau cheiro e |
a decomposição de restos de alimentos e de carcaças impossíveis de |
identificar nos becos, ela conseguia ver um amontoado de esterco no meio |
da rua. Nesse esterco ela identificava o botão de uma flor. Nessa flor ela via |
vida, e nessa vida encontrava a beleza nas ruas da cidade. |
Sem explicações, sem racionalizações e sem justificativas, mestres como |
Madre Teresa acreditam que a beleza simplesmente existe. Ela já está aí. |
Está em todo lugar e sempre presente. A nossa missão é encontrar essa |
beleza. A vida é a nossa oportunidade de procurá-la e de fazer com que a |
beleza que descobrimos em todas as coisas — desde os sofrimentos mais |
profundos até as maiores alegrias — se torne o padrão ao qual confiamos a |
nossa vida e nós mesmos. |
Com sua vontade pura e determinação, Madre Teresa aplicou a elegância |
simples das suas crenças à vida e mudou para sempre o antigo estigma |
atribuído aos chamados intocáveis, as pessoas doentes e moribundas das ruas |
da Índia. Sem julgá-las “menos do que” qualquer outra pessoa, ela e as suas |
Irmãs de Caridade voluntárias saíam todos os dias à procura daqueles que |
elas chamavam de “filhos de Deus”. Historicamente evitadas pela sociedade |
indiana, e às vezes pela própria família, essas pessoas eram levadas aos |
hospitais fundados pelas irmãs para lá receberem dignidade e privacidade |
em suas últimas horas na Terra. |
As irmãs continuam sua missão até os dias de hoje. Fiz questão de visitar as |
suas instalações e encontrei mulheres desempenhando um trabalho de rara |
nobreza que poucas pessoas têm disposição ou força emocional para imitar. |
Elas são verdadeiros anjos que andam neste mundo. Penso frequentemente |
nas irmãs e em Madre Teresa, e sei que se elas conseguem encontrar beleza |
nas ruas de Calcutá, eu posso reconhecer a beleza que existe em qualquer |
lugar em que eu possa me encontrar. |
Esse é o poder da beleza. A aplicação é clara; as instruções são precisas. A |
beleza que testemunhamos na nossa vida é o modelo do que se reflete no |
nosso mundo. Na nossa era tecnológica de circuitos miniaturizados e de |
aparelhos computadorizados para ferver a nossa água, pode ser muito fácil |
negligenciar o poder que a beleza oferece à nossa vida. No contexto da |
compreensão quântica de um mundo em que as nossas crenças interiores se |
tornam o nosso mundo externo, que tecnologia poderia ser mais simples ou |
mais poderosa? |