Os primeiros 100 anos são os mais penosos
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Os primeiros 100 anos são os mais penosos

Os primeiros 100 anos são os mais penosos

anderson
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Os primeiros 100 anos são os mais penosos

Então por que a idade humana máxima parece girar em torno dos 100 anos?

Por que não 200 ou mesmo 500 anos? Se acreditarmos em relatos dos textos

da Torá e do Antigo Testamento, muitas pessoas mediam sua vida em

séculos, e não em décadas, como fazemos atualmente. Adão, por exemplo,

teria vivido 930 anos, Matusalém 969 anos e Noé 950 anos.

De acordo com os textos, esses homens não eram simplesmente invólucros

encarquilhados dos seus seres anteriores, mal sobrevivendo e agarrando-se

a um frágil fio de vida. Em idade avançada eles eram ativos e vigorosos,

aprazendo-se com suas famílias e até começando famílias novas! E por que

não? Vivemos evidentemente em corpos estruturados para durar. Segundo a

Torá, Noé viveu mais 350 anos depois do Dilúvio. Se estava com 950 anos

quando morreu, isso significa que ele tinha condições físicas e vigor

suficiente para construir a arca que garantiria a sobrevivência de toda a raça

humana com a idade de 600 anos!

Se houve um tempo em que as pessoas viviam mais e com mais saúde, o que

aconteceu? O que mudou? Um número incontável de textos e tradições

espirituais que atravessaram séculos lembra-nos que somos almas

expressando-se por meio do corpo. E embora o corpo seja feito dos

elementos do universo, é a alma que lhe dá vida. Quando a nossa alma sofre,

a dor é transmitida para o nosso corpo como a qualidade espiritual da força

da vida que introduzimos em cada célula.

É possível que os 100 anos ou pouco mais que vemos como a duração da

vida humana sejam de fato o limite de tempo que o corpo pode resistir ao

sofrimento não resolvido na alma? Diz-nos um século quanto tempo

podemos suportar a tristeza e as desilusões da vida antes que elas se

apoderem de nós? Todos podemos dar testemunho da dor de ver as pessoas

que amamos, os animais que estimamos e as experiências a que nos

afeiçoamos desaparecer da nossa vida. Pode uma vida de perdas, decepções

e traição ter o poder de inutilizar até mesmo o nosso órgão mais vigoroso e

resistente, o coração? Ou, quem sabe, o nosso sofrimento seja mais antigo e

mais profundo.

Além dessas fontes evidentes de sofrimento, talvez exista outra menos

óbvia, embora tão colossal e universal que seja difícil para nós até pensar

sobre ela. Em todas as culturas e sociedades, histórias da criação afirmam

que para nos tornarmos almas individuais em nosso corpo neste mundo,

precisamos afastar-nos da família de uma alma coletiva maior. Ao mesmo

tempo, um dos medos universais mais profundos é exatamente este: o medo

de ficar separado e sozinho.

Talvez o grande sofrimento que subjaz a todos os outros seja a dor da

separação de uma existência maior. Se isso é verdade, talvez sintamos tanta

falta da nossa família da alma maior que procuramos preencher o vazio

recriando uma sensação de unidade através de famílias menores aqui na

Terra. Não admira, então, que a perda dessa família seja tão devastadora.

Isso nos remete novamente à dor do sofrimento original.

Para muitas pessoas, é seu desejo de “apegar-se” às suas famílias, aos seus

relacionamentos e às lembranças de experiências passadas que cria as

condições que levam aos maiores sofrimentos. Quando elas anseiam pelas

coisas que não podem mais ter e pelas pessoas de quem sentem falta, muitas

vezes o álcool e a droga se tornam os anestésicos socialmente aceitáveis

usados para entorpecer essa profunda dor da alma.

Se pudermos descobrir uma maneira de valorizar o tempo que passamos com

as pessoas que amamos, e também um modo de sentir-nos bem quando esse

tempo acaba, teremos dado um passo gigantesco na direção da nossa cura

maior. Dessa perspectiva, os mesmos princípios que nos levam a lesar-nos

até a morte também trabalham no sentido oposto. Eles nos oferecem o poder

curativo da vida. Esse aspecto importante parece estar relacionado ao modo

como nos sentimos com o que a vida nos mostra.

Apesar de todas essas possibilidades sobre as quais podemos refletir, o que

sabemos com certeza é o seguinte: um potencial biológico faculta que o

nosso corpo dure muito mais tempo, que vivamos com mais saúde e

usufruamos uma vida mais rica do que parece ser a realidade presente.

Entretanto, além dos elementos físicos do nosso corpo, algo parece estar

faltando na equação moderna da longevidade. Como quer que prefiramos

chamá-lo, esse “algo” parece ser a força espiritual que alimenta o nosso

corpo. Usando a linguagem de outros tempos, os antigos nos deixaram

instruções sobre como podemos nutrir essa força vital da qual toda vida

depende. O conhecimento delas pode dar-nos condições de transformar o

sofrimento passado em sabedoria de cura. Para viver mais, com mais saúde

e vitalidade, precisamos compreender os sofrimentos da vida.

Precisamos sentir para amar

O poder da sabedoria, da beleza e da oração descrito por muitas tradições

antigas foi redescoberto por meio de experiências modernas. Como vimos

na Introdução, por exemplo, o tema que subjaz ao conhecimento dos navajos

se baseia no reconhecimento da relação entre o sofrimento no seu mundo

externo e a sabedoria e o amor em seus corações. Embora sejam experiências

absolutamente diferentes, sofrimento, sabedoria e amor parecem estar

intimamente ligados por uma relação muito peculiar e talvez inesperada.

O nosso sofrimento revela a nossa capacidade de sentir — quanto maior o

sofrimento, mais intenso o sentimento. No nosso sofrimento mais íntimo e

profundo descobrimos a extensão da nossa capacidade de amar. O perdão

também parece estar diretamente ligado ao sofrimento. Quanto maior a dor,

explica Tim Laurence, maiores os benefícios do perdão. Dessa perspectiva,

o sofrimento pode ser considerado como um barômetro da nossa capacidade

de amar, e não um castigo pelas escolhas que fazemos. É essa relação sutil

que demonstra a força que muitas tradições descrevem como a “cola” que

mantém o nosso mundo unido — o poder do nosso amor. Descobrimos a

nossa maior cura no nosso poder de amar.

É quase como se viéssemos a este mundo e nos testássemos de modos

impensáveis para pessoas racionais e amorosas. No decorrer dos nossos

relacionamentos, empregos, perdas e fracassos na vida, nós nos lançamos às

fronteiras de quem acreditamos ser. Durante todo o tempo, fazemo-nos a

mesma pergunta: “Como é possível amar em meio a essas experiências?”

Podemos amar diante de atrocidades impensáveis que procuram justificativa

na cor da pele ou na forma de crença em Deus? Podemos amar num mundo

onde pessoas matam aquilo que não entendem e varrem povos inteiros da

face da Terra?

Pessoalmente, cada um de nós sofreu a perda de pessoas queridas que num

dia estavam aqui e no outro desapareceram da nossa vida. Vemos pessoas

sofrendo de doenças que criatura nenhuma no mundo deveria ter de suportar.

Quando partem, perguntamos a nós mesmos: “Podemos amar ao mesmo

tempo em que sofremos com a ausência delas?” O nosso amor muitas vezes

é testado de modos que jamais escolheríamos conscientemente ou que

jamais conseguiríamos imaginar. Cada vez que a vida pergunta se ainda

podemos amar, a resposta é a mesma. É um grande e retumbante “Sim!”,

porque ainda estamos aqui.

Quer o chamemos pelo mesmo nome ou simplesmente vivamos o que ele

significa na nossa vida, é irrelevante — o que nos sustenta é o amor. Ele nos

guia através de tempos penosos e também nos tempos alegres, e promete que

seremos sempre aliviados das piores dores que a vida possa oferecer. O

antigo segredo que possibilita que o nosso amor nos cure é deixá-lo entrar

na nossa vida. Para isso, precisamos descobrir uma maneira de transformar

os nossos maiores sofrimentos em profunda sabedoria.

Transformando o Sofrimento em Sabedoria

Como parte de um ciclo natural, as experiências de “sofrimento” e de

“sabedoria” parecem estar estreitamente relacionadas. Como o sofrimento

provém do modo como interpretamos uma experiência, modificando a nossa

forma de sentir sobre o que aconteceu alteramos o nosso foco no ciclo.

Quando uma experiência nos aflige tanto que é mais fácil negá-la, esquecêla ou de algum modo evitá-la em vez de encará-la de frente, podemos ficar

facilmente paralisados em nossos sentimentos. Temos dentro de nós, porém,

o poder de transmutar o nosso sofrimento em sua forma curada de sabedoria,

venha ele de onde vier. Embora a experiência que originalmente causou o

sofrimento permaneça inalterada, é no modo como sentimos o sofrimento

que encontramos o nosso poder.

À primeira vista, essa compreensão parece pedir que simplesmente

continuemos em frente, disfarçando um novo sentimento sobre os

acontecimentos da nossa vida. Um exame mais apurado, porém, revela que

os antigos compreendiam, e aplicavam, um princípio primevo e sutil que

apenas recentemente a ciência ocidental reconheceu. Esse princípio sugere

que o mundo ao nosso redor é como um espelho vivo — o tecido quântico

que reflete as emoções que estão dentro de nós. Mais especificamente, os

padrões de saúde no nosso corpo, o apoio da família, da comunidade, e a paz

no mundo tendem a refletir as nossas crenças mais profundas. Atualmente,

as teorias mais recentes da física do século XXI respaldam firmemente essa

relação entre crença e experiência.

Parece que esse princípio se aplica tanto às crenças que consideramos

“negativas” quanto às “positivas”. Emoções que afirmam a vida, como

gratidão, compaixão e amor, são hoje vistas como promotoras de condições

favoráveis à vida, como pressão arterial mais baixa, liberação de hormônios

“bons” e fortalecimento das respostas imunológicas. Do mesmo modo,

emoções que negam a vida, como raiva, ódio, ciúme e violência, são

promotoras de condições que ameaçam a vida, como batimento cardíaco

irregular, respostas imunológicas enfraquecidas e aumento do nível de

hormônios do stress.

Talvez não cause surpresa, então, descobrir que na sutileza desse princípio

também Talvez não cause surpresa, então, descobrir que na sutileza desse

princípio também encontramos a chave do que muitos acreditam ser a mais

poderosa força da criação! Na história da sua busca da verdade, Gurdjieff se

viu num mosteiro remoto e recôndito, num país anônimo, onde foi

convidado a permanecer até despertar um grande poder dentro de si mesmo.

“Fica aqui”, disse-lhe o seu mestre, “até adquirir a força em ti que nada pode

destruir”. Acredito que essa força era o amor, a sabedoria e a compaixão que

vêm da cura do sofrimento. A chave que dá novo sentido às coisas que nos

fazem sofrer é a mesma que nos possibilita ir além dos nossos julgamentos

da vida. É o antigo poder da bênção.