Ainda o Afeganistão...
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Ainda o Afeganistão...

Infelizmente, parece que o conturbado país não sairá da mídia internacional por um bom tempo. E pelos piores motivos. A forma atabalhoada com que os EUA retiraram suas tropas, a retomada do poder pelo Talibã, o desespero para fugir do país e ...

Andre Fran
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Eu em algum lugar do Afeganistão em 2010.
Eu em algum lugar do Afeganistão em 2010.

Infelizmente, parece que o conturbado país não sairá da mídia internacional por um bom tempo. E pelos piores motivos. A forma atabalhoada com que os EUA retiraram suas tropas, a retomada do poder pelo Talibã, o desespero para fugir do país e o recente atentado no aeroporto de Cabul provam que não há soluções fáceis para a realidade afegã.

A admissão de incompetência no discurso do presidente Joe Biden, falando em seu nome e de pelo menos uma meia dúzia de seus antecessores, não chega a ser um pedido de desculpas. Ao mesmo tempo, a promessa de vingança após o atentado deixa c aro que lição nenhuma foi aprendida. E que o ciclo vicioso que condenou uma pá de países do Oriente Médio apenas nos anos mais recentes seguirá girando inclemente. Ora, Biden mal consegue se referir ao povo que condenou à morte com suas ações atabalhoadas sem confundir "afghan" (afegão) com "afghani" (moeda local). Não é de se admirar que pronuncie afirmações de profundo desconhecimento histórico e até mesmo racistas, como quando diz que "o Afeganistão sempre foi um monte de tribos que nunca se deram bem"

No meu último texto por aqui, contei uma experiência vivida no Afeganistão em 2010. De alguma forma, a história era quase um prenúncio do que estava por vir no país. A presença extra-oficial dos talibãs e a forma violenta com que interferiam na realidade local já naquele período, com a ocupação americana já definida e estabelecida, era um sinal de que um processo de "reconstrução" da paz era necessário. Naquela época, conheci o livreiro de Cabul, que viveu uma vida de medo e perseguição por promover a cultura em sua terra natal. Tive contato com um intérprete de tropas americanas que hoje provavelmente deve ter sua cabeça à prêmio pelo governo fundamentalista. E, anos depois, registrei a história de um refugiado afegão que preferiu se arriscar em um bote com destino à Europa do que tentar sobreviver no próprio país onde nascera.

Passaram-se mais de uma década e um sem número de oportunidades perdidas e o resultado está aí. Se de um lado os EUA parecem não ter aprendido lição nenhuma, do outro há pouca esperança de que algo mude o destino do povo afegão sob o jugo dos extremistas do talibã. Outra intervenção internacional? Difícil, as forças que agora ocupam um lugar mais relevante na relação com o Talibã tem preocupações internas e externas muito mais voltadas para o comercia do que o humanitário. Caso de China e Rússia. Ou Índia e Paquistão.

Em Bamyian, onde o talibã na década de 1990 destruiu históricas estátuas de budas de mais de 70 metros com tiros de tanque militar.
Em Bamyian, onde o talibã na década de 1990 destruiu históricas estátuas de budas de mais de 70 metros com tiros de tanque militar.

Para quem pergunta: e o futuro do Afeganistão? Com esse tipo de perspectiva, não é de se admirar que os afegãos sigam tentando deixar o país. Mesmo que isso lhes custe a vida agarrados à asa de um avião ou vítimas de atentado a bomba no portão de entrada do aeroporto internacional.