Meu (quase) encontro com o Talibã 🇦🇫
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Meu (quase) encontro com o Talibã 🇦🇫

Sabia que essa foto que ilustra a capa do meu livro e o header de todas as minhas redes sociais foi tirada no Afeganistão no dia que eu quase dei de cara com os talibãs que agora ameaçam retomar o poder no país?

Andre Fran
2 min
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Em algum lugar no Afeganistão. Entre Bamyian e Band-e Amir. 
Em algum lugar no Afeganistão. Entre Bamyian e Band-e Amir. 

Sabia que essa foto que ilustra a capa do meu livro e o header de todas as minhas redes sociais foi tirada no Afeganistão no dia que eu quase dei de cara com os talibãs que agora ameaçam retomar o poder no país?

Era 2010. Eu já estava há algumas horas viajando pelo trecho da Estrada Nacional 08, que liga Cabul a Jalalabad, no Afeganistão. A diferença de altitude entre as duas cidades é de mais de mil metros e, apesar do cenário com montanhas cobertas de neve ser encantador, o trajeto consistia em uma pista dupla bastante danificada pelas guerras e com tráfego intenso. Os frequentes acidentes deram o apelido de “Estrada da Morte” pro lugar.

Mas o ocasional barbeiro afegão aterrorizando atrás de um volante não era meu maior temor, mas sim os talibãs que aterrorizavam toda aquela região. Em determinado momento da viagem, o motorista contratado, cansado de ziguezaguear por aqueles desfiladeiros, ofereceu duas opções de roteiro. Na primeira, atingiríamos nosso destino final em quatro horas. Na segunda, era possível chegar em apenas duas horas mas havia a possibilidade de darmos de cara com rebeldes talibãs. Nunca uma viagem de carro foi tão longa.

Em determinado momento, o carro de nossa equipe foi ultrapassado por um comboio com mais de uma dezena de carros detonados, pickups sujas de lama e land rovers recauchutadas. Todas apinhadas de homens fortemente armados, alguns vestindo uniformes, outros em roupas civis, máscaras, chapéus e olhares de poucos amigos. Felizmente, não fomos importunados. Mas quando percebemos que nossa minivan branquinha saltava os olhos no meio daquela fila de veículos "militares", pensamos se quem lutava contra aquele destacamento não iria encarar nosso humilde meio de transporte justamente como "o carro do figurão protegido por seus batedores" e sentar bala! Felizmente, fomos solenemente ignorados pelo grupo e conseguimos até arrancar uns acenos amistosos. Só depois, já em segurança, que nosso motorista que não falava uma palavra em inglês (e tampouco em português, claro) nos informou que se tratava de combatentes talibãs. A verdade é que eles estavam ainda por toda parte no Afeganistão

Em conversas com os locais, quando perguntávamos sobre os constantes conflitos. A história de confrontos com U.R.S.S., Talibã, EUA... A resposta era sempre a mesma: "não sabemos o que é viver em paz. Nascemos e crescemos em meio à guerra." E é verdade. Violência, caos, conflitos, armas... são considerados o normal por lá. Um afegão de meia idade não sabe o que é viver em um país estável e pacífico. E completavam: assim que as tropas americanas deixarem o país, o talibã retomará o poder. O Afeganistão é um país que encontra seu equilíbrio em meio ao caos de várias forças em constante disputa. 

Dez anos depois e minha visita ao país, a previsão do povo afegão se concretiza. Em questão de dias, o Afeganistão se encontrará mais uma vez sob domínio dos extremistas do talibã. O grupo já conquistou algumas importantes cidades e avança inclemente para a capital. Não posso deixar de dizer que também vi no país algumas das mais paisagens mais incríveis do mundo, patrimônios históricos de valor inestimável (pelo menos os que resistiram à destruição do talibã) e um povo sofrido mas carinhoso e vibrante. Era esse lado do país que eu esperava que ganhasse destaque quando o país conquistasse a merecida paz. E que em um futuro mais tranquilo turistas do mundo todo tivessem a oportunidade de conhecê-lo. Infelizmente, o povo afegão tinha razão: a esperança de paz foi vencida, mais uma vez, pela guerra.